Pela primeira vez no Brasil, a ativista Malala Yousafzai esteve, nesta segunda-feira, em evento no Auditório Ibirapuera
O Lunetas acompanhou de perto o encontro da ativista paquistanesa Malala Yousafzai com estudantes de escolas públicas e representantes de organizações ligadas à infância e educação. "Acreditar em nós é o primeiro passo para lutar contra as ameaças externas", disse.
A ativista paquistanesa Malala Yousafzai – a pessoa mais jovem da História a receber o prêmio Nobel da Paz, então com 17 anos – veio ao Brasil pela primeira vez nesta segunda-feira, 9, a convite do Itaú Unibanco.
A jovem esteve ontem em evento realizado no auditório Ibirapuera, e falou para uma plateia de representes de organizações ligadas à educação, infância, direitos humanos, e também com estudantes de escolas públicas.
A conversa contou com a participação de Ana Lucia Villela, fundadora e presidente do Instituto Alana, a escritora Conceição Evaristo, a psicopedagoga Dagmar Rivieri, da ONG Casa do Zezinho, e da cientista política e ativista Tabata Amaral, do projeto Mapa Educação, e teve a mediação da jornalista Adriana Carranca, autora do livro “Malala, a menina que queria ir para a escola“.
“Eu estou aqui para espalhar a ideia de que educação de qualidade é o único investimento sólido de longo termo que todos os países deviam adotar”, disse Malala, logo no início do encontro.
“Estou aqui para que nenhuma menina, no mundo todo, seja privada de educação de qualidade”
Durante sua fala, sobressaiu a importância de garantir o protagonismo das meninas a partir de uma educação pautada pela igualdade de gênero, além da potência do acesso à leitura como porta de descoberta do mundo e ferramenta de autoempoderamento.
“Na minha família, eu leio para a minha mãe. Com seis anos, ela precisou vender os livros e só agora pôde estudar”, compartilhou.
“Quando eu leio para ela, é como se estivesse lutando pelo direito de ler de todas as mulheres que não tiveram acesso”
Nesse sentido, a ativista chamou atenção para o papel da família na manutenção da igualdade de gênero e da formação identitária das crianças. Resgatando sua própria história, ela relembrou a trajetória de seus pais em relação ao tema.
“Meu pai diz que quando decidiu se tornar um pai feminista e que não me trataria como as irmãs dele foram tratadas, ele precisou lutar primeiro contra os preconceitos dele mesmo, depois contra os preconceitos e ameaças externas. Agora que fui aceita em Oxford, uma universidade com mais igualdade de gênero, percebo que mesmo em contextos mais igualitários os meninos acreditam muitos mais neles que nós mulheres em nós mesmas”, afirmou Malala.
“Acreditar em nós é o primeiro passo para lutar contra as ameaças e preconceitos externos. Não podemos desistir de nós”
Da plateia, a rapper mirim Mc Soffia, 12, trouxe à tona a importância de empoderar as meninas para lutar desde cedo contra a discriminação racial. “As pessoas me dizem ‘você é muito nova para falar de racismo’. Mas o racista não vai pensar na sua idade para fazer racismo com você”.
A ativista destacou também o poder de comunicabilidade dos indivíduos, e de como ele se potencializa quando é coletivo. Nesse momento, ela destaca a importância do ativismo local para o desenvolvimento das comunidades. “Não podemos esperar que venha alguém de fora para resolver nossos problemas, a própria comunidade sabe como resolvê-los”.
A paquistanesa salientou também que o discurso de ódio enfraquece a luta pela sociedade que buscamos, e faz com que a mensagem não chegue a quem precisa chegar.
“Quando entregamos nossa mensagem de maneira pacífica, ela tem poder. Precisamos transformar a energia de ódio em positividade e esperança. Assim, nossa mensagem não se perde, e é ouvida”, destacou.
“Além de todos os obstáculos sociais, existem também muitos desafios internos com os quais temos de lutar contra. Nós subestimamos o poder das nossas vozes e das nossas palavras. Temos que acreditar e ser confiantes naquilo em que acreditamos”, discursou, dirigindo-se especialmente às meninas.
“Nunca subestimemos a força das nossas vozes”
No fim do evento, Malala salientou o momento político do Brasil e chamou a atenção para a proximidade das eleições e a necessidade do voto consciente.
“Sei que às vezes existe raiva e desesperança. Mas a sua luta e seu ativismo têm poder de fazer mudanças. Vocês não devem esperar que alguém fale por vocês. Ergam suas vozes”
“Há mais de 1 milhão de crianças fora da escola no Brasil. Daqui a pouco tem eleições. Não elejam quem não se compromete em colocá-las na escola”
No evento, Malala falou publicamente pela primeira vez sobre seus projetos no Brasil, e anunciou também as três brasileiras passarão a integrar a Rede Gulmakai, uma iniciativa do Fundo Malala que patrocina homens e mulheres que incentivam ou promovem a educação de meninas em vários países. São elas Sylvia Siqueira Campos, presidente do MIRIM (Movimento Infantojuvenil de Reivindicação), de Recife, Ana Paula Ferreira de Lima, coordenadora da ANAÍ (Associação Nacional de Ação Indigenista), da Bahia, e Denise Carreira, coordenadora adjunta da Ação Educativa, de São Paulo.
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Quem é Malala?
Criada sob o regime fundamentalista islâmico do Talibã, no vale do Swatt, no Paquistão, Malala Yousafzai criou, com 11 anos de idade, um pseudônimo para escrever em um blog da BBC. Lá, ela escrevia para denunciar os abusos dos talibãs, principalmente no que se refere à educação e à violência de gênero.
Em 2012, quando tinha 15 anos, a paquistanesa foi ferida a tiros por militares do Talibã. O atentado a deixou em coma durante dez dias. O motivo do ataque foram suas aparições em documentários internacionais e as manifestações acerca de maiores direitos educacionais para as mulheres paquistanesas.
Desde então, ela se consolidou ainda mais como uma figura reconhecida mundialmente por empunhar a bandeira do direito à educação, principalmente pelas meninas, que, no regime em que foi criada, são privadas de ter educação.
Em 2014, então com 17 anos, Malala foi contemplada pelo Prêmio Nobel da Paz, tornando-se a pessoa mais jovem do mundo a receber o título.
No Brasil, o livro “Malala: a menina que queria ir para a escola”, de Adriana Carranca, contribuiu para difundir seu nome e sua luta.
Quem quiser conhecer melhor a história dela, o documentário “Eu, Malala” está disponível na Netflix.