O encontro com as palavras de outras pessoas que passaram pela mesma experiência pode ser um paliativo contra o vazio e a dor
Não existe preparação possível para lidar com a perda, em especial mães que enterram seus filhos. Ainda assim, o Lunetas selecionou livros que podem mostrar caminhos para acolher a dor de quem vive o luto materno.
O luto costuma caminhar junto da solidão. Muitas vezes, falta empatia e preparo para acolher a dor de quem sofre uma perda. Quando se trata da morte de um filho, é ainda mais difícil encontrar abrigo e consolo no outro para o luto materno.
Quando a mulher perde o marido, é viúva. Os filhos que perdem os pais são órfãos. E a mãe que perde um filho? Não existe palavra para nomear essa perda.
Cada pessoa passa pela perda de um jeito único. “O luto é um trabalho duradouro, e ninguém tem como prever ou categorizar o tempo que ele leva”, pontua o psicólogo Alexandre Coimbra Amaral, em seu livro “Cartas de um terapeuta para seus momentos de crise” (Planeta).
“O tempo do luto é o tempo da recomposição do contorno da alma”
Esse tempo, que não tem prazo, permite relembrar pequenos e grandes momentos da relação. Tudo o que foi desfrutado entre mãe e filho seguirá vivo na memória. “A dor do luto é proporcional à intensidade do amor vivido na relação rompida pela morte”, diz Ana Claudia Quintana Arantes, em “A morte é um dia que vale a pena viver” (Sextante). Mas também é por meio desse amor, lembra a médica, que as pessoas conseguem se reconstruir.
A literatura pode ser uma forma de encontrar refúgio para a dor. A partir de sua própria vivência do luto, a terapeuta americana Megan Devine sugere, no livro “Tudo bem não estar bem” (Sextante), que escrever sobre o luto é uma forma de apoio. A leitura também pode ser uma aliada neste processo, seja para quem vive o luto ou para quem está perto e busca maneiras para acolher mães enlutadas. Por isso, o Lunetas selecionou cinco obras que podem ajudar neste momento de dor que não se pode nomear.
O livro costura o que há em comum em experiências distintas de sete mulheres que se conheceram em busca de apoio para atravessarem o luto pela perda de um filho. Não são textos biográficos, mas depoimentos, coletados pela jornalista Marina Miranda Fiuza, que convidam a acolher a tristeza que a perda traz, sem explicações sobre como “superá-la”. Até porque o luto não se supera. Para Marina, essas mulheres buscaram na dor da outra a permissão para sofrer o próprio luto. O que fica sobre esses encontros em que partilham lágrimas, mas também risadas, é que “a dor da morte de um filho, com o tempo, torna-se compatível com a alegria de viver”.
Como diz Karina Okajima Fukumitsu, psicóloga e organizadora do livro, quando morre um filho, as entranhas viram do avesso. É o avesso de 11 mães que encontramos nestes relatos em primeira pessoa. Algumas das perdas tiveram repercussão nacional, geralmente como fatos noticiados, não como histórias de vidas interrompidas. É o caso do relato de mães que perderam seus filhos no incêndio na Boate Kiss, em 2013, e no rompimento da barragem em Brumadinho, em 2019. Em cada um dos depoimentos, o luto transposto em palavras faz emergir as semelhanças do que sentiram essas mulheres e como cada uma transformou a dor. Como formas de desfazer o irreversível e manter viva a memória, nasceram grupos de apoio a outras mães e pais enlutados. E projetos que dão vida aos sonhos de seus filhos, que não tiveram tempo de concretizá-los.
“O livro é breve. A dor não pede delonga, ela dói e ponto. Invocar a perda de um filho, que nem sequer viu a cor do sol, e transferi-la ao papel foi uma maneira que encontrei de superar a mim; e quem eu sou hoje, eu mesma pari”. Assim Cássia Gomes começa a contar a história de seu segundo filho. Da gestação ao florescer entre as rachaduras, como ela diz, acompanhamos uma jornada que deixa latente a angústia, mas, por outro lado, mostra que neste solo também podem germinar palavras de alento e outras tantas criações que ajudam a ressignificar a dor e a ausência.
Depois de perder seu marido, a terapeuta se viu mergulhada no luto, sem o apoio de que precisava. Em seu percurso, encontrou um grupo de apoio, reviu as suas práticas como terapeuta, encontrou formas de conviver com a perda e passou a acompanhar pessoas enlutadas. Inclusive mães que perderam seus filhos. Este livro, formatado como um manual, consolida sua prática. Não para trazer regras ou receitas de como superar, seguir ou voltar ao normal. Mas para falar sobre como conviver e sobreviver aos sentimentos relacionados à perda. Entremeados aos temas abordados, há textos escritos por pessoas que passaram por sua oficina Writing your Grief (Escreva seu luto, em tradução livre). “As palavras deles, às vezes mais do que as minhas, ilustram os aspectos desafiadores e multifacetados do luto vivido com honestidade e franqueza”, conta a autora na abertura do livro.
Este livro nasceu da pesquisa de mestrado da autora, que vive na Baixada Fluminense e investigou os efeitos da morte de um filho por violência estatal. Histórias de luto se misturam à luta de mulheres que decidiram não se calar diante das vidas interrompidas, em sua maioria de jovens negros. Elas fazem parte da Rede de Mães e Familiares de Vítimas de Violência do Estado na Baixada Fluminense. No coletivo, essas mães ressignificam o luto, partilham as dores, se apoiam e lutam por justiça. “Apesar de ser difícil narrar a própria dor, elas conseguem fazer isso da maneira mais forte e política possível, pela memória dos seus filhos. Para que as atrocidades cometidas contra eles jamais sejam esquecidas”, conta Giulia Escuri de Souza.
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