‘Tentaram me fazer desistir’: a luta pelo protagonismo no parto

"Acredito que falta empoderamento feminino sobre o parto humanizado", diz Lurdes Soares, cuja foto ilustra o cartaz do filme "Renascimento do Parto 2"

Da redação Publicado em 04.07.2018

Resumo

A mato-grossense Lurdes Soares, de 33 anos, perdeu as pernas ao sete anos em um acidente, e teve de lutar para fazer valer seu protagonismo no parto.

A imagem da mato-grossense Lurdes Soares, de 33 anos, percorreu a internet nos últimos meses. O motivo? O lançamento do filme “O Renascimento do Parto 2”, focado em discutir violência obstétrica. Lançado em maio, trata-se do segundo longa-metragem brasileiro exclusivamente sobre parto, após o sucesso do primeiro, lançado em 2013. Para completar a trilogia,  “O Renascimento 3″ já conta com uma campanha de financiamento coletivo para sair do papel. O filme continua uma discussão fundamental no Brasil: como nascem e como poderiam nascer as crianças brasileiras?

Na foto – de autoria da doula e fotógrafa Elis Freitas – Lurdes empunha os braços, em sinal de força. Sem as duas pernas, ela está sentada em uma cadeira de rodas em um cenário de montanhas e horizontes. Por sua potência de comunicar muito sem nada dizer, a foto conquistou as redes sociais, e não é por acaso.

Mãe do pequeno Derick – hoje com três anos -, ela conversou com o Lunetas sobre a potência de ser uma mulher cadeirante que protagonizou um parto natural. A imagem simboliza um momento de resistência na vida dessa mãe que desafiou as normas sociais para ter seu filho como quis, não só em relação à escolha da via de parto, mas também no lugar de mulher com deficiência em uma sociedade que privilegia a normatividade.

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Elis Freitas/elisfreitas.com

Segundo a OMS Não existe justificativa para qualquer região do mundo ter uma taxa de cesárea maior do que 10-15%.

Como se a própria foto resumisse o que ela enfrentaria antes de parir, a imagem se tornou uma metáfora do que uma mulher muitas vezes enfrenta para fazer valer suas escolhas. Força foi o que Lurdes precisou para conquistar que desejava. Ter horizontes e enxergar além do sistema de saúde é o que precisamos, enquanto sociedade, para acreditar que o modelo de assistência humanizada ao parto é possível em um país que é campeão mundial na taxa de cesáreas (“Não existe justificativa para qualquer região do mundo ter uma taxa de cesárea maior do que 10-15%”, diz o documento divulgado pela Organização Mundial de Saúde), e onde a violência obstétrica é uma realidade para muitas mulheres.

Lurdes conta que foi mais difícil encontrar um médico que a deixasse segura com seu desejo de ter um parto sem intervenções cirúrgicas do que o próprio ato de parir.

Mas não desistiu. Para ela, parir é algo tão simples que considera que o parto normal nem precisaria ser encarado como uma escolha, mas como um processo natural da fisiologia da mulher.

“Na verdade, encaro tudo não como opção. Seria opcional para mim fazer uma cesariana caso fosse necessário. No meu parto, eu só deixei a vida seguir seu rumo, nós mulheres sabemos parir, e nossos bebês sabem nascer”, defende Lurdes.

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arquivo pessoal

Lurdes e o pequeno Derick, de três anos.

Quando fala sobre parto, Lurdes transparece uma urgência de que já falamos aqui: “é preciso retomar o protagonismo da mulher“, como nos disse a obstetriz Ana Cristina Duarte, coordenadora do GAMA (Grupo de Apoio à Maternidade Ativa).

“Ficaram tão impressionados com o fato de eu não ter as pernas e querer o parto normal que tentaram me fazer desistir usando isso”

“Mas foi esses mesmo fato que me tornou tão forte”, conta Lurdes, que relembra o período de intensa busca de informação e autoempoderamento que viveu na gestação.

“Quando tive a confirmação de que estava grávida, minha preocupação era ‘como vou carregar meu bebê?’. Então comecei procurar na internet informações. Foi o período que mas estudei na minha vida”, compartilha. “Passei por vários médicos mas nem um achou que fosse possível eu parir”.

“Eu pessoalmente acredito que falta empoderamento feminino sobre o parto humanizado, ouço cada absurdo quando falo sobre parto normal. Ouço cada medo bobo que seria esclarecido com uma boa leitura ou a conversa com um bom obstetra”, pondera Lurdes.

“Quando nós mulheres conhecermos nossos próprios corpos e soubermos o que é melhor para ele, não deixaremos que outras pessoas decidam o que é melhor”

Por isso, o Lunetas se inspira na história dela para convocar a campanha #opartoémeu. Acreditamos que, quanto mais experiências as mulheres e as famílias trocarem, mais fácil fica experenciar o nascimento e apoderar-se de suas escolhas. Então, conte a sua história neste post, e contribua para inspirar outras mães. Utilize a hashtag e compartilhe o seu relato de parto.

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