Quando a luta pela diversidade começa dentro de casa

Para apoiar o filho gay, Majú Giorgi fundou o coletivo Mães pela Diversidade, que acolhe famílias com experiências de pessoas LGBTQI+

Laís Barros Martins Publicado em 30.06.2020
Imagem em preto e branco de uma menina. Ela aparece de costas com um maiô multicolorido. Entrevista sobre a luta pela diversidade
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Resumo

“Muitos de nós percebemos que nossos filhos são LGBTI+ na primeira infância”, diz Majú Giorgi, presidente do coletivo Mães pela Diversidade. Para que essas crianças possam simplesmente ser quem são, mães encaram a luta por mais direitos e mais liberdade.

“O amor precisa ser uma solução, não um problema”, escreve Valter Hugo Mãe, em “O paraíso são os outros”. Como o direito não só de amar – mas até o de existir – infelizmente precisa ser constantemente defendido, celebramos o Orgulho LGBTQI+ em todo o mundo, no mês de junho. A bandeira do movimento é abrangente como são múltiplas e fluidas as possibilidades do existir, sendo o sinal de “mais” uma representação dessa pluralidade.

“Ter um filho gay me fez ver o mundo pela ótica dos oprimidos e querer lutar por eles. Como eu sabia que não conseguiria mudar meu filho, resolvi mudar o mundo”, declara Majú Giorgi. Ela fundou então o coletivo Mães pela Diversidade, em 2007, reunindo famílias de diferentes classes sociais, etnias, origens e posições políticas com experiências semelhantes. Em 2014, o grupo ganhou status de ONG e hoje está presente em 23 estados brasileiros, além de integrar o Movimento Latinoamericano de Mães LGBT. A rede de apoio para crianças e jovens LGBTs é “um megafone com o objetivo de somar vozes, compartilhar histórias, lutar por direitos, combater a homofobia, denunciar injustiças e, principalmente, levar informação”, declara Majú.

“A informação desarma a ignorância que, por sua vez, causa o ódio”

“Quando o André tinha cinco anos foi a primeira vez que eu falei pro meu marido que nosso filho era gay. Ele concordou na hora. Até que, com 14 anos, o André nos revelou sua orientação sexual num sofrimento imenso! Mesmo que o mundo inteiro batesse a porta na cara dele, nós deixamos claro que sempre estaríamos do seu lado!”, conta Majú.

Foto de mãe e filho abraçados sorrindo

Para ela, é preciso trabalhar primeiro as relações a partir da família para então gerar mudanças na sociedade, por meio da promoção e da consolidação de melhores relações, com mais aceitação, acolhimento e igualdade. “Se cada um mudar o mundo à sua volta, logo teremos um mundo mais acolhedor para os nossos filhos.”

Foto de Majú Giorgi, uma mulher branca de cabelo claro, vestindo camiseta e um xale colorido. Atrás dela, há folhagensEntrevista com Majú Giorgi, do Mães pela Diversidade

Lunetas – Como acolher famílias que percebem, descobrem ou são informadas que seus filhos ainda pequenos são LGBTs?
Majú Giorgi – No Mães pela Diversidade, existem psicólogas voluntárias que fazem o acolhimento. Numa primeira conversa, elas encaminham essa nova integrante ou para tratamento profissional, se julgarem que é o caso, ou indicam uma mãe da mesma letra, ou seja, se for uma mãe de criança gay, recomendamos outra mãe de filho gay; se for mãe de pessoa trans, outra que vive a mesma situação, para ficar próxima dela e acompanhá-la nesse choque inicial. O importante é que os pais que chegam não se sintam sozinhos!

Além de oferecer apoio, como ajudar as famílias a enfrentar a situação? Quais são os impactos positivos mais recorrentes?
MG – Acho que só o fato de essas famílias perceberem que não estão sozinhas, que há muitas outras passando pela mesma situação, tentando achar uma solução, já é um grande passo para quem está sofrendo. Essa representatividade, essa troca de experiências e de bons conselhos já é meio caminho andado.

Houve algum depoimento que te marcou de forma especial? O que ele tinha de diferente?
MG – O caso que eu mais gosto de ouvir é o da Clarice. A Clarice ficou sabendo que o filho tinha sofrido homofobia pesada de um professor de francês na escola quando ainda era pequeno. Passados mais de 20 anos do ocorrido, a mãe percebeu que aquilo ainda causava um sofrimento imenso ao filho. Ela não teve a menor dúvida: se empenhou em descobrir onde esse professor estava e foi atrás dele tirar satisfações.

Como conscientizar as pessoas para evitar o preconceito, o ódio, a intolerância com a sexualidade alheia e, por outro lado, promover o respeito à orientação sexual e à identidade de gênero?
MG – São propagadas muitas inverdades com intenção de marginalizar, demonizar. A mãe e o pai que têm a experiência empírica podem falar com autoridade e propriedade que isso “não é opção” de ninguém. Afinal, não se pode agregar culpa onde não existe escolha! Muitos de nós percebemos que nossos filhos são LGBTs na primeira infância. Isso não tem nada a ver com sexo ou com sexualização de crianças – a sexualidade é um conjunto de características e o desejo sexual, que é apenas uma delas, só vai aparecer na adolescência como em qualquer ser humano.

“Embora seja tudo muito inocente, interessa para alguns colar rótulos morais nas pessoas, mesmo que isso implique em profundo sofrimento de crianças e na implosão de famílias inteiras”

Onde encontrar/como promover representatividade para essas crianças, quando a mídia não oferece um modelo real de vivência e não há pessoas LGBT+ no círculo social próximo (família, amigos…)?
MG – Eu sempre falo para eles levantarem a cabeça. Dou-lhes exemplos de personalidades da história e mesmo da atualidade que são gays, trans. Assim a inclusão começa a andar. Depois de muita luta, eles estão sendo representados e estão vivenciando o orgulho que se contrapõe à vergonha que alguns querem impor tanto a eles como a nós, suas famílias. É justamente o merecido avanço deles que está provocando a reação de quem usa a LGBTfobia para escalar o poder político e financeiro. Eles não vão nos parar!

Qual a importância da conquista de direitos civis e pressão política por mudanças na lei?
MG – A importância de você saber que o seu filho está protegido pela lei. O casamento, por exemplo, deu a eles mais de 80 direitos dos quais eles eram privados, como plano de saúde, herança, visitação na prisão e guarda de filhos. A criminalização é pedagógica e era desesperadamente urgente, porque púlpitos e palanques estavam se sentindo muito à vontade para hierarquizar o ser humano e incentivar a violência.

Qual a diferença mais sensível da LGBTfobia praticada em casa e a LGBTfobia praticada nas ruas?
MG – Eu não sabia que existia esse grau de violências. Isso me assustou e me dói muito até hoje. É a minha briga maior. Você consegue imaginar uma criança que não tem colo para chorar? É a criança LGBT, porque elas não têm pais LGBT, os pais não são os “iguais” que vão compreendê-las. Elas sofrem na rua, na escola e têm que voltar para um lugar onde vão continuar sofrendo, às vezes até mais, e o pior é que elas sofrem pelas mãos de quem deveria estar ali para protegê-las. A realidade LGBT é muito cruel! Nesses anos, eu já vi de tudo, histórias horríveis… muitos casos de violência física, tiro, cárcere privado e inúmeros pais que mataram os filhos por serem LGBTs! Esse é, para mim, o assunto mais sensível de todos!

Quais seriam os reflexos imediatos de uma sociedade sem LGBTfobia? Como você imagina esse mundo mais solidário e ético e uma sociedade culturalmente mais madura?
MG – A sociedade vai ser um oásis quando cada um cuidar da própria vida. Eu só posso imaginar como seria bom, porque muito provavelmente eu não vou estar mais aqui para ver.

Como os pais podem permitir que a criança vivencie suas escolhas com liberdade?
MG – Simplesmente dando liberdade.

O que você diria a alguém que está em processo de reconhecer/assumir sua sexualidade e/ou identidade de gênero?
MG –

“Saia do armário, pegue a bandeira e ajude a gritar para que as futuras gerações, principalmente as crianças, sejam mais livres e não tenham que passar pelo o que vocês passaram!”

O que você diria aos intolerantes em relação ao preconceito e à violência contra a população LGBT+?
MG – Como eles vêm revestidos de uma moralidade tão fake, um verniz tão mal passado que as máscaras estão caindo, eu diria que talvez eles tenham que se explicar em algum momento, porque os discursos de ódio e as facas afiadas por eles mataram tanta gente, fizeram tanta gente sofrer e destruíram tantas famílias!

Qual a maior dificuldade nessa luta?
MG – A maior dificuldade é desconstruir aquelas mentiras que foram contadas tantas vezes que viraram verdade, como as de que pessoas LGBTs optaram por serem assim, são todos promíscuos, marginais, drogados, só pensam em sexo. É preciso humanizar o que eles desumanizaram! Exatamente por isso as Mães estão aqui, para levar informações para a sociedade. Queremos apresentar nossos filhos para que a sociedade julgue por si só se eles são mesmo isso que se propaga com tanta leviandade.

Qual o impacto do afeto como mensagem política?
MG – O afeto é sempre a melhor mensagem. A beligerância não leva a nada. Nós podemos andar de cabeça erguida.

“Nossa luta é por amor aos nossos filhos que são excluídos, segregados, difamados, violentados, torturados e assassinados por simplesmente serem quem são!”

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