Especialistas sugerem que aprender o vocabulário dos jovens nas redes sociais pode levar a uma comunicação mais divertida e segura
Slay, fanfic, drop, trend – se você escuta essas palavras, não sabe o que significam e sente que está perdendo a “legenda” do seu filho, está na hora de conhecer melhor a linguagem das redes e dialogar com mais humor e segurança.
Salve, divas e divos! Vamos dropar uma ideia braba aqui, uma slay de milhões! Tão achando que é fanfic ou que vai flopar? Pode até virar meme pronto, mas também já é trend em várias redes, mores. Cê é loko, compensa demais! Só não vale dizer que é cringe… lá ele!
Se você não nasceu entre 1995 e os anos 2010, ou seja, não é das gerações Z ou Alpha, pode ter se perdido no texto acima. Mas aprender as expressões usadas dentro e fora da internet pode ajudar mães, pais e educadores a recuperar “as legendas da vida” dos mais jovens, sugere a neuropsicopedagoga Paloma Garcia. Para ela, os dois lados querem se conectar, mas não sabem mais como começar uma conversa.
“O desafio vai além de entender a linguagem dos adolescentes e o que eles dizem nas redes, mas o que eles sentem quando se expressam”, observa Paloma, que também é terapeuta cognitivo-comportamental da infância e da adolescência.
Isso porque desconhecer esse vocabulário pode isolar gerações e deixar os mais novos vulneráveis. Na série “Adolescência”, por exemplo, o cyberbullying, a misoginia e a violência estavam lá desde o começo, mas encobertos em expressões, memes e até emojis que os adultos não tinham a menor ideia do que significavam.
Para a psicóloga Cauana Mestre, palavras, gírias e memes não vão dar conta de tudo o que os adolescentes sentem. Mas compreender como os mais jovens se comunicam é a base para dialogar sobre questões como corpo, sexualidade, gênero e sentimentos.
Como observa, as transformações vividas nessa fase desembocam “numa coisa meio sem nome”, a princípio. Por isso, é tão importante aprender a escutar o silêncio, deixando o espaço de encontro sempre aberto. “O maior legado de mães e pais é a conversa honesta”, diz.
“As famílias precisam bater na porta do quarto e entrar, não com respostas prontas ou discursos autoritários, e sim com presença e escuta”. Segundo ela, “os adultos devem mostrar que não detêm a verdade escrita com V maiúsculo nem resposta para tudo, mas que podem garantir um laço de amor, o que já é bastante coisa.”
“Com o tempo, eles vão encontrando as palavras, mas para isso é preciso elaboração. Então, é importante demonstrar interesse não só pelo que os filhos têm a dizer, mas pelo que não conseguem dizer. E que suportem esse silêncio sem nomear nada por eles, para que encontrem os próprios caminhos.”
A linguagem dos nativos digitais é mais do que um conjunto de gírias, é uma forma de expressão emocional e de construção de identidade, defende Paloma Garcia. Autora do blog “Conversar com adolescente” e do “Dicionário de gírias da geração Z”, ela indica aos adultos que querem se aproximar desse universo sem parecerem forçados: escutem com curiosidade, não com julgamento.
Segundo ela, o problema mais comum são ruídos de tradução. Isto é, quando pais dizem “eu me preocupo com você” e filhos ouvem “você não confia em mim”. Ou quando o adolescente diz “me deixa em paz” e os adultos escutam “não me importo com vocês”. Então, criar pontes entre essas falas é o primeiro passo para uma conexão verdadeira.
Com o “Dicionário de gírias da geração Z”, Paloma Garcia preparou um guia para quem já se perdeu nas frases que ouve em casa ou na escola e quer, enfim, parar de fingir que entendeu. A ideia, ela diz, é que os adultos “aprendam a escutar como quem atravessa uma fronteira e tem ali um mapa para esse território”. Selecionamos alguns entre os mais de 100 verbeter, com explicações e exemplos.
📱 drop / dropar
Largar algo ou alguém, também usado para falar de lançamento de música, vídeo etc.
“Ela dropou o ex, o curso e a vida acadêmica pra virar influencer. respeita.”
✨ brabo/braba
Alguém que faz algo muito bem, que se garante, que entrega sem dó.
“Ela editou o vídeo, fez o beat e ainda dançou. braba demais.”
✨ slay
Quando a pessoa simplesmente arrasa. pode ser no look, na atitude, numa apresentação, numa resposta atravessada… slay é quando a pessoa tá on e sabe disso.
“Ela entrou de salto, blazer rosa e gloss brilhando. Slay de milhões.”
💔 fanfic
Além de histórias de fandom (comunidade de fãs super dedicados a um artista, série, filme ou personagem), virou gíria pra ilusões que a pessoa cria sobre a própria vida amorosa.
“Eu na minha cabeça já sou casada com o crush da academia. Fanfic completa.”
📱 meme pronto
Situação que aconteceu na vida real, mas parece roteirizada pra virar meme. Geralmente catastrófica ou muito cômica.
“Ele escorregou, derrubou o bolo e ainda tentou salvar o brigadeiro. Meme pronto”.
📱 trend
Modinha do momento na internet. Pode ser dança, filtro, frase, música ou qualquer coisa que todo mundo esteja repetindo.
“Essa trend de colocar a cara do namorado no corpo do Ken já deu, hein”.
Fonte: Dicionário de gírias da geração Z / Paloma Garcia
“Ninguém espera ou quer que um adulto fale como um adolescente, mas demonstrar interesse genuíno pelo significado dessas palavras já é um grande passo na construção do vínculo. Quando uma mãe pergunta ‘o que é rizz?’ com curiosidade e não com ironia, ela está criando uma ponte. E é sempre sobre isto: construir pontes, não muros.”
Mas o que é rizz? De acordo com o “Dicionário de gírias da geração Z”, a palavra vem de “carisma” e costuma ser usada para falar de relacionamentos e emoções. Por exemplo: “O menino chegou falando baixinho e ainda deu risada fofa. Rizz de milhões.”
Com o mapa em mãos, famílias e educadores podem melhorar a comunicação e até se divertir fazendo isso, como na trend “Falando igual à geração Z”, em que adultos gravam conteúdos com expressões que mal conhecem, mas repetem confiando em quem os orienta por trás das câmeras: “Faz, vô, os jovens vão amar.” Além disso, os vídeos são também uma chance de troca, pontua a especialista. “Cada geração tem seu próprio jeito de falar e de se sentir parte. Ontem foi “top”, antes era “massa” e hoje é “rizz”… o que muda é o cenário, mas a essência continua a mesma.”
Se os pais de Clara, 18, caíssem de paraquedas em algum grupo de WhatsApp da filha ou vissem o feed no TikTok ou Instagram, entenderiam partes do conteúdo, mas não tudo. Será que quando lessem “KSKSNSHAKSKSJ” iam saber que a sequência de letras aleatórias é uma risada que nenhum “hahaha” ou “kkk” dá conta de representar?
A jovem de Salvador (BA) usa muitas gírias e memes nas conversas com os amigos. Mas é de tanto ouvir as conversas com a irmã gêmea, Letícia, que ela acha que os pais acabam aprendendo. “Às vezes, eles entendem de boa. Quando acontece de eu falar muito uma coisa, eles comentam, porque acham engraçado, e aí se interessam em saber. Eu explico, meu pai vai aceitando e minha mãe passa a usar bastante o que estamos falando.”
Luzia Sanchez, mãe de Clara, conta que quando era adolescente, estranhava as gírias dos mais velhos. “Quando minha mãe falava que um ator era um broto ou um pão, a gente achava engraçadíssimo. Na minha época, nos anos 1980/1990, a gente falava um gato.” Ela acha curioso que algumas expressões sobrevivam ao tempo e outras não, e sempre acaba descobrindo isso na prática. “Outro dia, Cacá disse: ‘Mãe, ninguém mais fala joia’. E era uma palavra tão comum.”
Para ficar por dentro da linguagem das filhas adolescentes, Luzia aposta no diálogo. Comparadas com as amigas, as meninas entraram tarde em redes sociais, e têm seus dix, perfis alternativos no Instagram usados para compartilhar o que não aparece na conta oficial. “Tento agir sabendo o limite entre a privacidade e o cuidado. Logo que começaram a usar celular, aos 12 anos, eu tinha a senha e explicava sobre forma segura. Hoje, as duas estão em uma fase em que me preocupo menos e acho que o caminho é este: não monitoramento, mas muita conversa.”
Toda vez que um adulto tenta reproduzir a linguagem dos adolescentes e fica meio forçado, Hanna, 15, acha engraçado. Isso acontece na escola, em Brasília (DF), por exemplo, sempre que os professores apelam para o vocabulário dos alunos na tentativa de dar aulas melhores. “Às vezes, eles falam umas coisas que já saíram de moda e a gente ri. Mas eu acho legal estarem se esforçando para tentar entrar no nosso mundo.”
Para ela, o professor de geografia Luís Rodrigues, autor do “Manual de sobrevivência do estudante” (Editora Autografia), é uma referência de quem “tenta entender os jovens, motivando que a gente também entenda os adultos”. Afinal, como diz, “todos já foram jovens um dia”. No TikTok, ele propõe debates sobre infraestrutura das escolas, qualidade do ensino e proibição de celulares, por exemplo, inspirado no educador português José Pacheco, fundador da Escola da Ponte.
Falar sobre emojis, gírias e memes não é algo tão frequente entre Hanna e a mãe, Susan Isozaki, mas toda vez que acontece, as duas riem dessa diferença de gerações. Um episódio engraçado foi quando Hanna explicou à mãe que comentar postagem em rede social com “foguinho” é uma paquera. A mãe brinca: “Eu falei: Meu Deus, Hanna, então estou flertando com o povo por aí sem saber?”.
Para Susan, a sensação é de que muitos adultos esquecem que já foram adolescentes e não conseguem se comunicar com os filhos porque acham que sabem tudo ou por acreditarem que os filhos são uma continuidade deles. “O que me ajuda é ter muita memória de minha adolescência, das coisas que eu pensava e de como me sentia naquela época.”
“Vejo muitas famílias tentando controlar, sem respeitar a privacidade, sem entender que o mundo mudou. Eu acho muito bom quando os adolescentes não se dobram aos pais conservadores, porque isso é limitante. A gente precisa abandonar a ideia de que bom era o passado e ouvir o que os nossos filhos têm a dizer.”
Uma estratégia para facilitar esse diálogo e conhecer melhor a linguagem dos adolescentes é o letramento midiático, afirma Daniela Machado, coordenadora de educação do programa EducaMídia. “São práticas, reflexões e posturas que nos ajudam a lidar melhor com os ambientes digitais de maneira mais crítica, segura e equilibrada”, explica.
Crescer em outro tempo não pode ser desculpa para a desconexão, diz Daniela, que também é mãe de uma pré-adolescente. O primeiro passo é se informar sobre onde os filhos andam virtualmente, como funcionam os novos códigos e por que eles importam. A partir disso, o diálogo se torna respeitoso e muito mais eficiente do que a vigilância. “É diferente dizer apenas ‘não pode usar tal app’ e explicar os motivos, ouvir o que eles pensam, estabelecer acordos.” E alerta: o exemplo dos adultos conta muito, inclusive na hora de deixar o próprio celular de lado.
Mesmo que as expressões mudem de uma geração para outra, Daniela acredita que adultos têm como vantagem a experiência. Ainda que tenham crescido longe das telas, podem usar esse repertório sem apelar para “no meu tempo era melhor”. O ponto não é comparar épocas, ela defende, mas ajudar os jovens a se expressarem com segurança. “Não dá para deixar um adolescente andando sozinho por ambientes digitais sem antes conversar sobre como eles funcionam, como se proteger e como usá-los de forma responsável, assim como a gente faria ao ensinar uma criança a atravessar a rua.”
Lunetas pediu que as adolescentes analisassem o “Dicionário de gírias da geração Z” e acrescentassem comentários e outras expressões que usam no dia a dia.
POV.: O que a “tia” da geração X quis dizer no começo desta matéria
Olá, pessoal. Vamos trazer aqui uma reflexão atual e valiosa. Estão achando que é algo inventado ou que vocês não vão se interessar? Pode até servir de roteiro de humor, mas também já é modinha em várias redes sociais. O tema é importante e, por isso, Lunetas decidiu publicar. Só não vale dizer que é conversa antiga para fazer vocês passarem vergonha… de jeito nenhum!