A vitória da primeira vice-presidente negra nos Estados Unidos abre possibilidades para meninas e mulheres sonharem em um mundo machista e racista
Juliana Prates reflete sobre o que a vitória de Kamala Harris como vice-presidente dos Estados Unidos representa para as meninas negras no mundo todo.
Em sete de novembro de 2020, Kamala Harris, uma mulher negra de 56 anos, fez o seu discurso de vitória como vice-presidente nas eleições presidenciais mais disputadas dos Estados Unidos.
“Eu posso ser a primeira mulher neste cargo, mas não serei a última. Porque cada garotinha que está assistindo esta noite vê que este é um país de possibilidades!”
Imagino que todas as mulheres negras se sentiram absolutamente representadas nesse momento, independente das suas posições político-partidárias. Não é sobre uma vitória eleitoral apenas. É sobre a possibilidade de uma menina negra se imaginar vice-presidente, presidente ou qualquer outro cargo de liderança em mundo machista, misógino e racista como esse em que vivemos.
Meninas não nasceram para serem apenas belas, recatadas e do lar. Nasceram para ser o que quiserem e chegarem onde seus sonhos as levarem.
A ausência de mulheres na política é uma questão que precisa ser discutida, pois reflete não uma falta de desejo dessas mulheres em ocupar espaços na política institucional, mas explicita uma divisão desigual do trabalho doméstico e dos cuidados com os filhos, assim como um machismo que faz com que, mesmo quando se candidatem, não sejam eleitas.
Desde pequenas, contos de fadas ensinam meninas sobre o lugar de princesa, os modos de uma mulher e que o principal objetivo de vida deve ser conquistar um homem que a proteja e sustente. Apesar de importantes avanços, as meninas continuam sendo avaliadas pelos seus atributos físicos, desmotivadas a praticarem esportes que demonstrem força ou a sonharem com profissões que sejam “masculinas”. Continuam a ouvir que já podem casar quando aprendem a cozinhar uma comida que gostam. Que não vão achar maridos se continuarem a ser assertivas em suas decisões. Serão chamadas de dramáticas e loucas todas as vezes que demonstrarem discordância, reivindicarem os seus direitos ou denunciarem privilégios masculinos. Não serão incentivadas (às vezes, serão proibidas) a estudar, a se tornar cientistas, pois mulheres muito inteligentes afastam os homens.
Esse cenário é ainda mais violento quando falamos das meninas negras, preteridas em relação às meninas brancas e aprisionadas num modelo de hipersexualização dos seus corpos.
Quando o Brasil teve a experiência de ter uma mulher presidenta do país, foi possível observar a forma misógina como era tratada pela mídia e pelos diversos setores, tendo o seu mandato interrompido. De acordo com o Ministério das Mulheres, Família e dos Direitos Humanos, nas últimas eleições municipais de 2016, aproximadamente 1,3 mil municípios não elegeu uma única vereadora, mesmo tendo 52% do eleitorado formado por mulheres.
A ausência de mulheres negras na política decorre principalmente do machismo e do racismo. Daí a importância de parlamentares negras que defendam a pauta antirracista, como Antonieta de Barros (primeira deputada estadual negra e primeira mulher deputada em Santa Catarina), Marielle Franco (vereadora eleita do Rio de Janeiro, brutalmente assassinada em 2018), Benedita da Silva (primeira mulher negra vereadora do Rio de Janeiro e também primeira senadora negra mulher do país), Verônica Lima (primeira vereadora negra na cidade de Niterói), Olívia Santana (primeira deputada estadual negra na Bahia).
É por isso que a vitória e o discurso de Kamala Harris representa tanto para nós, meninas e mulheres negras! É como disse Angela Davis, num encontro internacional sobre feminismo negro e decolonial em Cachoeira (2017):
Comunicar erro“Quando a mulher negra se movimenta, toda a estrutura da sociedade se movimenta com ela, porque tudo é desestabilizado a partir da base da pirâmide social onde se encontram as mulheres negras, muda-se a base do capitalismo”