Professores contam situações inusitadas e fatos carinhosos que os fazem lembrar por que escolheram a sala de aula como lugar inspirador para trabalhar
Para os estudantes, os professores motivam, inspiram e deixam lembranças para a vida inteira. Mas cada professor também tem uma história marcante com seus alunos para contar.
“O educador é aquele que antes de ensinar, permitiu-se aprender”, afirma Tião Rocha, professor e fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento. A convivência com crianças e adolescentes pode fazer cada professor descobrir a motivação de estar todos os dias em sala de aula ensinando e ao mesmo tempo aprendendo.
Essa conexão pode vir desde saber qual o desenho favorito, a data do aniversário, escutá-los com afeto e entusiasmá-los com atividades que valorizam a identidade de cada um. Embora a profissão não faça mais parte da maioria dos sonhos dos jovens, a figura do professor continua tendo força quando o assunto é influência.
De um lado, apenas 2,4% dos estudantes de 15 anos que fizeram o Pisa disseram que queriam ser professores. Mas, 85% dos brasileiros entrevistados pela plataforma educacional Preply afirmaram que tiveram professores inspiradores na vida escolar. Dentre as palavras que resumem como enxergavam seus mestres, 62% indicou “motivadores”.
Não por acaso, os principais influenciadores dos estudantes para a leitura dos primeiros livros são os professores, como mostrou o estudo Retratos da Leitura no Brasil (2024).
Então, se eles continuam no papel de inspirar e motivar, por que não ouvir o que têm a dizer? O Lunetas pediu para quatro professores contarem histórias curiosas e carinhosas com seus alunos.
Giovani Moreira é professor de português e redação, no Rio Grande do Sul. Quando dava aulas em uma área rural, ouviu de um aluno aquela velha desculpa de “meu cachorro comeu meu dever de casa”. Ele pediu para o menino falar a verdade para poder dar a oportunidade de fazer novamente o trabalho.
“No dia seguinte, a diretora me chamou porque os pais do aluno queriam falar comigo. Eles disseram que eu não acreditei no menino e me entregaram um envelope com uma cruz verde. Para minha surpresa, era um laudo veterinário comprovando que o cachorro realmente engoliu folhas de papel.”
As histórias não param por aí, ainda nas aulas da escola rural, ele percebeu uma vaca na porta da sala de aula olhando para ele.
“Antes que eu reagisse, um aluno se levantou calmamente e disse: De novo tu aqui, Cleusa. Já volto, professor, vou levar a Cleusa pro cercado.”
Para Giovani, estar com os alunos é uma troca diária de experiências que ultrapassa o chão das escolas.
“Ser professor é passar por muitas coisas. Das engraçadas até as carinhosas, como uma aluna que descobriu que eu gosto muito de Pokémon e agora sempre desenha um diferente nos trabalhos.”
Ana Stacheki é professora do ensino fundamental no interior de São Paulo, ela lembra de uma história que aconteceu em 2023, quando trabalhava em uma escola que tinha um megafone para avisos de emergência.
“Perto da hora do almoço, a diretora começou a chamar umas pessoas no megafone e percebi que eram alguns dos meus alunos mais comportados. Eu não entendi o que estava acontecendo até que ela também me chamou. Fiquei nervosa e querendo saber o que era. Quando cheguei na área externa, eles tinham preparado uma festa de aniversário para mim.”
Ana já tinha contado para os alunos que era o dia do aniversário dela e, por isso, não desconfiou que eles fariam uma festa surpresa.
“Foi algo que marcou muito dentro da profissão porque eles tinham organizado a festa inteira, com balões, bolo e salgadinhos. Não deixaram em nenhum momento eu perceber que aquilo ia acontecer.”
Na rotina, ela também se depara com respostas rápidas e pensamentos criativos de seus alunos. Em uma atividade, pediu para que desenhassem o que passa pelas suas cabecinhas e o resultado foi registrado em uma postagem nas redes sociais.
Lavínia Rocha é professora de história em Minas Gerais. Criadora da “pedagogia do entusiasmo”, ela defende que a escola seja um ambiente confortável para que os alunos tenham vontade de aprender e de se envolver nas atividades.
Para isso, concentra suas aulas em explicações mais dinâmicas, com propostas criativas e os alunos como protagonistas.
“Pedi para as crianças do 5º ano fazerem um trabalho sobre mulheres importantes de diferentes etnias e países. Eles tinham que apresentá-las em primeira pessoa. Neste dia, fiz a chamada pelos nomes de seus personagens: Elza Soares, Rayssa Leal, Malala e outras. Uma aluna apresentou sobre a cantora Iza e disse: ela é linda e é negra que nem eu. Então, eu comecei a chorar emocionada. Foram os meus primeiros meses de sala de aula e eu percebi o quanto trabalhar representatividade faz muita diferença.”
O método de entusiasmar os alunos já rende frutos para Lavínia. Em uma atividade sobre a valorização de pessoas negras, uma das alunas escreveu em um cartaz a biografia da professora. “Eu entreguei uma lista com nomes importantes para eles pesquisarem, então, me surpreendi por ela ter feito algo fora do padrão e me considerado como inspiração.”
Dei uma lista de pessoas negras importantes para a história para que o 8º ano escolhesse um (obviamente não tinha meu nome), então essa aluna decidiu fazer dois trabalhos: um da lista e outro sobre mim 😭 calculem a emoção! Amo muito meu futuro 9º ano! ❤ pic.twitter.com/2a9nLNsl7J
— Lavínia Rocha (@lavi_rocha) December 22, 2022
Em Minas Gerais, Marianne Caetano leciona para o ensino médio, mas admite que a época em que estava com as crianças do ensino fundamental rendeu boas memórias.
“Tive um aluno que me procurava pela escola para me acompanhar até a turma dele. Não importava se era a primeira aula ou aquela depois do intervalo, pois ele sempre estava na porta da sala dos professores para me ajudar a buscar o material. Ele fazia isso todo dia.”
Esse afeto pelos alunos é uma forma de conexão que Marianne faz questão de preservar, afinal, a escola deve ser para as crianças um lugar que acolhe. Por isso, quando pode, a professora também abre uma brecha para ouvir os alunos, principalmente aqueles que gostam de falar durante a aula. “É como uma estratégia”, explica.
“Uma aluna apresentava uma carência e gostava muito de conversar sobre a vida dela, a rotina, a casa. Mas às vezes isso atrapalhava porque ela queria falar durante a aula. Então, eu a chamava para conversar comigo naqueles minutos antes da aula começar. Eram coisas simples mas que ela precisava falar, contar e ser ouvida. Ela adorava esse momento e se sentia mais tranquila na hora da aula.”