Os primeiros sintomas de ansiedade em relação ao clima começaram a afetar Ana Taborda, 16, há dois anos, durante a pandemia. “Tinha a impressão de que o mundo estava desmoronando. Eu me culpava muito, como se o peso do mundo inteiro poluído fosse só meu”, diz. Mas ela não está sozinha. A exposição constante a informações sobre a crise climática e o sentimento de urgência que isso traz têm impactado a saúde mental especialmente dos mais jovens.
Os sentimentos mais citados por crianças e adolescentes de até 18 anos em relação aos desafios ambientais são: preocupação (26,9%), esperança (20,8%), medo (14,4%) e ansiedade, em quarto lugar, com 13,1%, segundo o artigo “Ecoansiedade em crianças: uma revisão do escopo dos impactos na saúde mental na conscientização sobre as mudanças climáticas”, de 2022. Em outro estudo, “Young People’s Voices on Climate Anxiety, Government Betrayal and Moral Injury”, 50% dos jovens, de 16 a 25 anos, se declararam tristes, ansiosos, impotentes, desesperançosos e culpados em relação à crise climática. Além disso, mais de 45% acredita que essa preocupação afeta negativamente o dia a dia.
Para Taborda, se por um lado falar sobre o tema é uma forma de conscientização e engajamento, por outro, é preciso compartilhar informações que foquem nas soluções, para induzir uma força positiva entre os jovens. “Não pode ficar só falando sobre umas coisas muito extremas sem comemorar os pequenos feitos. Senão parece que a gente nunca está avançando.”
“Eu me sinto esperançosa, mas acredito que só com o engajamento coletivo a gente vai mudar”
Apesar do termo ecoansiedade já ter sido definido pela Associação Americana de Psicologia (APA) como “medo crônico da catástrofe ambiental”, que pode gerar paralisia e negação em relação ao futuro, o fenômeno não é considerado uma doença. Segundo o estudo, o sentimento é considerado uma resposta normal ao estresse causado pela realidade das mudanças climáticas, visto que jovens têm demonstrado usar as emoções “provocadas pela ecoansiedade positivamente como motivação para agir e aprender estratégias de enfrentamento adaptativas”.
“A natureza é um sonho bonito”
“Minha mãe sempre falava para eu ir tomar sol e brincar com as árvores”, conta Taborda. Ainda que a conexão da criança com a natureza seja lei (12.844/2013) – “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida” -, sua falta tem desencadeado problemas de saúde física, mental, emocional e social, observou o jornalista Richard Louv em seu livro “Last Child in the Woods” (“A última criança da natureza”, em tradução livre).
Contra esse desequilíbrio, chamado de Transtorno de Déficit de Natureza (TDN), a indicação é passar mais tempo ao ar livre como forma de ter mais qualidade de vida e combater sintomas de ansiedade e depressão, conforme apontou um estudo publicado pela União Internacional de Organizações de Pesquisa Florestal (IUFRO), em março de 2023.
Além da conexão com a natureza ser comprometida pelo modo como nos organizamos, produzimos e consumimos, esse acesso não é igualitário, afirma Gabriela Alves, ativista climática e cofundadora do Instituto Perifa Sustentável, que vincula ações assistencialistas a iniciativas sustentáveis na rotina das periferias de São Paulo e do Rio de Janeiro. “Quando falamos de uma vivência plena, a gente percebe que o verde, que pode contribuir tanto, não está presente nessas comunidades. É uma coisa que transversa com várias outras ausências.”
Segundo ela, outro ponto que afasta a comunidade do debate é a linguagem “muito elitista” para falar de clima, diz. “[O termo ecoansiedade] acaba criando conceituações que não dialogam explicitamente com comunidades vulneráveis, que são as mais expostas a temporais e deslizamentos, por exemplo. Isso tudo acaba gerando uma certa ansiedade e medo entre os moradores quando a chuva começa ou a previsão do tempo muda. A ecoansiedade é sentida pelas incertezas que o território carrega.”
“Eu acredito que um mundo mais justo é o primeiro passo para gente falar de sustentabilidade” – Ana Taborda
Além de incentivar ações coletivas, Alves sugere incorporar justiça ambiental como ponto de partida para estabelecer uma conversa com as crianças, adaptando a linguagem para que reflita as experiências e os conhecimentos daquela comunidade. “É um movimento educacional e politizado.”
O pediatra Daniel Becker concorda que o ativismo positivo é uma boa forma de se envolver com questões ambientais. “Martin Luther King dizia que as pessoas precisam de um sonho bonito para construir um mundo melhor e, no nosso caso, a natureza é um sonho bonito.”
Viver esse sonho em conexão com a natureza é importante para a regulação das ações e do desempenho cognitivo, como mostrou uma pesquisa publicada no The World Journal of Biological Psychiatry (Revista Mundial de Psiquiatria Biológica). Outros benefícios também são comprovados, como a melhora no sistema imunológico, redução dos níveis de estresse e dos riscos de doenças crônicas, além do aumento da criatividade.
A mudança é um movimento coletivo
Hoje, estima-se que 1 bilhão de crianças e adolescentes no mundo estão expostos a riscos climáticos extremos, como ondas de calor, enchentes e secas prolongadas, além do risco de falta de água, poluição do ar e contaminação por pesticidas. No Brasil, este número chega a 40 milhões de crianças. Somos um país de alto risco climático, atrás apenas do México, na América Latina e Caribe, segundo um relatório do Unicef, de 2022.
Ao refletir sobre seu impacto individual no meio ambiente, Taborda parou de comer carne e começou a se envolver com projetos em prol do clima. Mas ela sabe da importância de pensar no ativismo ambiental de forma coletiva, para que seja possível pressionar o poder público por mais verde na cidade e cobrar empresas por posicionamento sustentável, por exemplo.
“Esse tipo de ação de nível coletivo é que é capaz de trazer transformação”, concorda Becker. “Ativismo coletivo é sempre mais positivo, traz uma questão de urgência. Não com alarmismo, o que poderia sobrecarregar crianças e adolescentes com responsabilidades desmedidas, mas com desejo e vontade de mudar.” Alves também recomenda encontrar um equilíbrio, para que os jovens não se esqueçam “que ainda são jovens”, diz. “Você não precisa ser militante o tempo todo.”
Lançada pelo Instituto Alana e outras sete organizações, a Coalizão pelo Clima, Crianças e Adolescentes (CliCA) visa a proteção da vida e da natureza por meio da produção de pesquisas para orientar gestores públicos e privados em decisões estratégicas, do fomento a políticas públicas ambientais e do apoio a planos municipais de enfrentamento às mudanças climáticas. “A CliCA pretende regulamentar e implementar essa política no Brasil, para que haja uma resposta à questão dos direitos das crianças a um clima seguro e um meio ambiente saudável”, diz JP Amaral, gerente de Clima e Meio Ambiente do Instituto Alana e membro do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). A partir do “Comentário Geral 26”, documento sobre infância e meio ambiente previsto na Convenção sobre os Direitos da Criança, da ONU, o foco da CliCA é olhar para crianças em situação de maior vulnerabilidade – indígenas, ribeirinhas, negras, quilombolas, rurais, com deficiência, periféricas e meninas, que geralmente são as mais afetadas por eventos climáticos.
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