Uma sala de aula fora das quatro paredes

Com a proposta de “desemparedar” a infância, as crianças da rede municipal de Novo Hamburgo passam mais tempo aprendendo e brincando em meio à natureza

Angélica Weise Publicado em 18.02.2021
Escolas de Novo Hamburgo: Menina loirinha e com franjas sorrindo, segurando duas margaridas cobrindo os dois olhos - ao fundo, um campo verde
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Resumo

Em Novo Hamburgo (RS), a rede municipal de ensino está “desemparendando” a infância: as crianças passam mais tempo em contato com a natureza. A reestruturação, feita há mais de 10 anos, traz segurança para as aulas presenciais durante a pandemia.

Imagine um pátio verde, troncos, pneus, árvores, pracinha, galinhas e composteira. Nesse cenário, as crianças são inspiradas a desbravar cada cantinho com seus olhos atentos. Exploram o ambiente sem hora para retornar à sala de quatro paredes. Essa é a rotina de aproximadamente 4.500 crianças, com até seis anos, que estudam em creches e escolas de Educação Infantil da Rede Municipal de ensino de Novo Hamburgo, cidade de 247 mil habitantes, localizada no interior do Rio Grande do Sul. 

As escolas de Novo Hamburgo são retratadas no filme “O Começo da Vida 2: Lá Fora“, que aborda a conexão entre crianças e natureza, e convida a imaginar como é o “lá fora” que queremos construir para transformar o futuro.

A ideia de “desemparedar” as escolas começou em 2009, quando uma equipe interdisciplinar para assessoria pedagógica da Secretaria Municipal de Educação realizou um plano de reestruturação para ampliar os espaços abertos de ensino infantil, seguindo as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (2009) e a Base Nacional Comum Curricular (2017).

Luciane Varisco Focesi, coordenadora da Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino, conta que este trabalho nas escolas teve investimento na formação continuada de professores e equipes gestoras, que se reuniram em grupos de estudo, leituras, vivências e conversas com as famílias. Entre os temas discutidos, estavam principalmente a importância do brincar livre e da educação ambiental, como caminhos para “entender que o lugar de maior potência para a brincadeira inventiva é estar com e na natureza”, explica Luciane. Além de diálogos e formações, a pedagoga acrescenta um outro pilar importante para o processo de desemparedamento das escolas da cidade: foi preciso escutar as crianças.

“Só assim conseguimos pensar coletivamente em espaços que sejam das crianças e não somente para as crianças”

O investimento em estrutura das escolas concentrou-se na reforma e na ampliação dos pátios, com plantio de árvores, criação de hortas, construção de túneis, inserção de mobiliário e materiais diversos nas 37 Escolas Municipais de Educação Infantil (Emei) da rede, que contam com materiais não estruturados e elementos naturais. A partir da imaginação, as crianças dão vida a uma pedra, a um pedaço de madeira ou até mesmo a pequenas folhas caídas de uma árvore. 

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Divulgação/Emei Chapeuzinho Vermelho

A estrutura das escolas de Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo (RS) conta com pátios amplos e muito contato com a natureza, incluindo materiais não estruturados e elementos naturais para um brincar livre e inventivo

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Divulgação/Emei Chapeuzinho Vermelho

A estrutura das escolas de Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo (RS) conta com pátios amplos e muito contato com a natureza, incluindo materiais não estruturados e elementos naturais para um brincar livre e inventivo

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Divulgação/Emei Chapeuzinho Vermelho

A estrutura das escolas de Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo (RS) conta com pátios amplos e muito contato com a natureza, incluindo materiais não estruturados e elementos naturais para um brincar livre e inventivo

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Divulgação/Emei Chapeuzinho Vermelho

A estrutura das escolas de Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo (RS) conta com pátios amplos e muito contato com a natureza, incluindo materiais não estruturados e elementos naturais para um brincar livre e inventivo

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Divulgação/Emei Chapeuzinho Vermelho

A estrutura das escolas de Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo (RS) conta com pátios amplos e muito contato com a natureza, incluindo materiais não estruturados e elementos naturais para um brincar livre e inventivo

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Divulgação/Emei Chapeuzinho Vermelho

A estrutura das escolas de Educação Infantil da Rede Municipal de Ensino de Novo Hamburgo (RS) conta com pátios amplos e muito contato com a natureza, incluindo materiais não estruturados e elementos naturais para um brincar livre e inventivo

Na Emei Chapeuzinho Vermelho, há pomar, composteira, horta, cisterna, galinhas e galos soltos pelo pátio, gramado, chão batido, areia, cabanas, torre de pneus, casas de árvore, cordas para balançar e até uma Brasília antiga adaptada para as crianças brincarem – e a lista de possibilidades continua. Materiais como pedras, caixas, madeiras, terra, túneis e desníveis são alguns recursos utilizados para instigar a curiosidade dos pequenos e estimular o brincar livre.  

A coordenadora pedagógica Lusaqueli Wanner da unidade, que atende crianças em situação de vulnerabilidade social, conta que durante as discussões sobre a proposta de desemparedamento das escolas, as famílias relataram o medo, a falta de segurança e a ausência de espaços coletivos ao ar livre na cidade como suas principais preocupações.

“A escola precisa ser o espaço que acolhe, que passa segurança, que possibilita as mais lindas vivências e forma adultos que amam e protegem a natureza”

O contato com a natureza melhora todos os marcos mais importantes de uma infância saudável – imunidade, memória, sono, capacidade de aprendizado, sociabilidade, capacidade física – e contribuiu para o bem-estar integral de crianças e jovens. Segundo o programa Criança e Natureza, do Instituto Alana, as evidências apontam que os benefícios são mútuos: assim como crianças e adolescentes precisam da natureza, a natureza precisa de crianças e jovens. Saiba mais:

O impacto no ensino-aprendizagem

Para compor o currículo escolar, os professores da rede planejam diferentes propostas de investigação e experiências cotidianas priorizando o constante contato dos alunos com a natureza, incluindo o uso de espaços externos e internos da escola, exploração de materiais diversos e elementos naturais, e a organização das crianças em pequenos grupos de interação.

“A criança aprende as cores se relacionando com um jardim repleto de tonalidades, cheiros, sabores e texturas”, conta Rita Jaqueline Moraes, professora na Emei Prof. Ernest Sarlet. 

“Seu mundo de investigação e interação é ampliado”

Luciane Varisco explica que o brincar livre em contato com a natureza torna-se uma linguagem essencial para o desenvolvimento infantil. “Estar com e na natureza é uma experiência única e incomparável porque permite à criança ouvir seus sons e encantamentos, ritmos e movimentos, invenções e criações”, afirma.

“A criança pode superar os próprios limites, encontrar desafios, desenvolver a autonomia em resolver e gerenciar problemas, mas sobretudo, aprender com eles”

Rafaella, 4, está há dois anos vivenciando experiências na Emei Chapeuzinho Vermelho. “A Rafa ama estar na escola. Ela se sente livre e segura para brincar e explorar o ambiente escolar com seus colegas”, conta a mãe Diesi Queli Duarte.

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Arquivo Pessoal

Rafaella, de 4 anos: experimentando a escola a partir do contato com a natureza e o brincar livre

Diesi relata ainda que a filha evoluiu nas questões emocionais, já que tinha muitos medos e não gostava de brincar com outras crianças. “Agora, ela quer interagir com todas as crianças e faz amizades com mais facilidade”, relata. “Outra evolução que atribuo à escola é o desenvolvimento da fala, pois ela falava pouquíssimas palavras.”

“Hoje ela se sente mais segura para expressar suas angústias e felicidades”

O retorna à escola na pandemia

Por oferecer espaços abertos, as escolas de Novo Hamburgo tornam-se um local mais seguro para crianças e educadores, principalmente no contexto de pandemia, já que entre as principais recomendações sanitárias para o retorno às aulas presenciais está a indicação de mais atividades ao ar livre, evitando espaços fechados ou com pouca circulação de ar.

Luciane explica que a rede municipal organizou três calendários escolares para o retorno, incluindo ensino remoto, híbrido e presencial. 

“Diante das necessidades desse tempo, as propostas junto à natureza, nos pátios, no lado de fora da sala de aula, irão garantir às crianças e profissionais um retorno mais seguro e, ao mesmo tempo, continuar promovendo espaços investigativos para aprendizagem, brincadeiras e interações.”

Durante a pandemia, os professores também estimularam as famílias com propostas para brincar, sempre que possível, nos espaços externos de suas casas, com elementos da natureza. “No retorno presencial, vamos continuar investindo nas propostas que já fazíamos anteriormente: brincar lá fora, tanto para evitar o contágio quanto para atender as necessidades das crianças carentes desse brincar”, conta a diretora Janaína Cardoso Ramos, da Emei Professor Ernest Sarlet, que ouviu muitos relatos de pais preocupados por verem a ansiedade dos filhos aumentar por conta do isolamento domiciliar.

O retorno das aulas presenciais da Rede Municipal de Ensino Infantil de Novo Hamburgo está previsto para o dia 1º de março, com período de acolhimento e adaptações. A orientação da Secretaria Municipal de Educação é privilegiar espaços abertos, pátios e quintais.

Cada escola terá autonomia para fazer seu plano de contingência e decidir a capacidade de atendimento aos alunos, de acordo com a realidade e as necessidades locais, obedecendo a resolução do Estado em relação ao número de alunos por metragem. 

No caso de instituições de ensino que não apresentam ambientes externos amplos, Janaína recomenda usar a criatividade para qualificar espaços existentes e buscar parcerias com os próprios vizinhos, para que escola, família e sociedade caminhem juntas. Segundo ela, o principal é olhar para a cidade como um ambiente educador:

“Olhe ao redor da escola e procure uma praça, uma igreja, uma associação de bairro onde é possível levar as crianças com segurança para brincar”

“Acima de tudo, precisamos recordar momentos da nossa própria infância, quando tínhamos mais contato com a natureza, que nos faz desejar que nossas crianças também possam viver esta experiência.”

Afinal, nenhuma ilustração em qualquer livro pode substituir a contemplação de árvores reais, a sensação de pisar com os pés descalços na terra e o sentimento de liberdade ao brincar na natureza. Como ressalta Luciane Varisco Focesi, citando o poeta Manoel de Barros:

“O quintal onde a gente brincou é maior do que a cidade. A gente só descobre isso depois de grande”

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