Dedicado à primeira infância, o mês de agosto também marca o início da campanha para as eleições municipais de 2024, que estão diretamente ligadas aos direitos de crianças e adolescentes. Ou seja, os próximos mandatos do executivo e legislativo de cada cidade serão essenciais à população de zero a 18 anos. Crianças e adolescentes correspondem a quase um quarto dos brasileiros e brasileiras, conforme o último Censo Demográfico do IBGE. Nesse contexto, você sabe como escolher seu voto?
Uma vez que “a Constituição Federal determina que os municípios sejam responsáveis por uma série de direitos desse público, como as creches, a educação básica, a assistência social e a atenção primária à saúde”, as eleições municipais devem estar no radar de todas as cidadãs e cidadãos, explica Adriana Passos, servidora do Tribunal Regional Eleitoral da Bahia (TRE-BA).
“Na democracia, elegemos pessoas que nos representam e as decisões delas podem melhorar ou piorar nossas vidas”, diz. Então, quem vai votar – e quem ainda não tem idade para votar – deve entender como a política funciona, além de saber como fiscalizar e cobrar.”
Criança não vota, mas criança tem voz
Durante 10 anos, Adriana Passos atuou na Escola Judiciária Eleitoral da Bahia (EJE-BA). A tarefa era levar o tema da educação cidadã para as redes pública e particular do estado. Por meio de palestras e eleições simuladas em urnas eletrônicas nas escolas, o objetivo é reforçar junto o papel de eleitor do futuro. “Isso não acontece apenas em ano eleitoral. É uma educação permanente, para que todos se responsabilizem e entendam o seu papel na sociedade desde cedo”, diz.
Mas, como são as cidades onde as crianças querem viver? Para elas, é importante “que as ruas não tenham cachorro muito ‘brabo'”, e sejam “limpas e sem mau cheiro”. Além disso, precisam de lugares onde possam “molhar as plantinhas” e “plantar sementes”, “com uma praça para brincar, fazer piquenique e ter outras crianças”. Nessas cidades, “o pai fica mais em casa” e “a mãe não trabalha tanto”. Além disso, “a família tem dinheiro para pagar as contas” e “os adultos têm tempo para brincar”. Já as escolas “estão arrumadas e com mais brinquedos”.
Esses são trechos de falas de algumas das 444 crianças entre quatro e 11 anos e mais de 600 adolescentes que participaram da elaboração dos Planos Municipais pela Primeira Infância (PMPI), nas diversas localidades atendidas pelo programa Primeira Infância Cidadã (PIC). Segundo a consultora associada da Avante – Educação e Mobilização Social, Ana Marcílio, que coordenou as ações, tão importante quanto escutar meninos e meninas é garantir a eles a participação. Sempre considerando que têm direito à opinião e expressão, conforme diz o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Especialista no brincar, Ana Marcílio defende que crianças podem influenciar políticas públicas, pois, ao escutá-las, é possível refinar leis, definir prioridades e influenciar no orçamento. “O primeiro desafio é desconstruir o tal do adultocentrismo. Com o olhar fresco de quem vê o mundo pela primeira vez, a criança acredita na mudança. E acredita que todo mundo merece uma vida digna, plena, com cuidado, conforto e amor.”
Portanto, acreditar em meninas e meninos requer desconectar-se da origem da palavra “infância” como “aquela que não fala”. É preciso escutar o que cada um tem a dizer sobre o que pensa e sente. “Experiências, vivências, formações e formatações da caminhada até a maturidade acabam por inibir essa capacidade. Mas precisamos desconstruir verdades adultas.”
Então, ela explica como escutar ativamente as crianças em relação à política, permitindo-se “mudar de opinião e refletir sobre aquilo que elas ofertam”. Além disso, sugere promover encontros formativos e ampliar os espaços de escuta, mobilizando professores, gestores, assistentes sociais, conselheiros tutelares e de direitos, juízes e legisladores.
Por uma gestão municipal comprometida
Com o documento “Prioridade absoluta nas eleições 2024: diretrizes para uma gestão municipal comprometida com a infância e a adolescência”, lançado pela Agenda 227, mais de 400 organizações da sociedade civil reúnem propostas para superar os desafios impostos à população brasileira de zero a 18 anos.
Isso porque, como aponta o texto, “crianças e adolescentes, que vivem períodos cruciais para o desenvolvimento humano, se encontram sub-representados nos indicadores que radiografam a desnutrição, a pobreza, o racismo, o capacitismo, os estigmas, as violências e as demais desigualdades que marcam nossa história”. Então, o objetivo é mostrar que eleitoras e eleitores podem participar da construção de mandatos engajados com os direitos de crianças e adolescentes.
Inspirado no Plano País para a Infância e Adolescência, a Agenda 227 elaborou um documento com 137 propostas para os candidatos e candidatas à presidência da república de 2022. Atualmente, o Plano foi adaptado às necessidades de cada território e ambos os documentos evidenciam que uma sociedade “mais justa, próspera, inclusiva e sustentável” depende da garantia de direitos desde a infância.
O Movimento Agenda 227 foi nomeado a partir de artigo da Constituição Federal de mesmo número, que ressalta a absoluta prioridade dos direitos de crianças e adolescentes.
Fonte: Prioridade Absoluta nas Eleições 2024
De acordo com Renato Godoy, gerente de relações governamentais do Instituto Alana, que faz parte da Agenda 227, “avançar em debates como as consequências de eventos climáticos extremos entre crianças e adolescentes, por exemplo, deve ser um compromisso das candidaturas. Isto é, deve-se tratar os direitos dessa população com prioridade absoluta em todas as áreas“. Não apenas mencioná-los de forma indireta em poucas pastas, como educação e saúde.
As diretrizes para as próximas gestões municipais já estão sendo entregues a candidatas e candidatos. Até outubro, mês das eleições, estão agendados outros encontros pelo país. O objetivo é “mostrar que essas orientações só sairão do papel se crianças e adolescentes forem prioridade no orçamento. E se as políticas públicas para eles forem pensadas e executadas de forma integrada”, diz Renato.
Investir na primeira infância é investir em um país melhor para todos
Os candidatos também recebem recomendações de como ser mais acolhedores com crianças pequenas, suas famílias e cuidadores a fim de garantir cidades mais inclusivas. O documento “Priorizando a primeira infância nas cidades brasileiras”, da Urban95, uma iniciativa global que visa incluir a primeira infância no planejamento urbano, nas estratégias de mobilidade e nos programas e serviços das cidades. Dentre as ações, estão a garantia de vagas em creches e cuidado com gestantes, ampliação de programas de visitação familiar, parentalidade positiva, e incentivo ao brincar livre e em contato com a natureza.
Coordenada no Brasil pelo Centro de Criação de Imagem Popular (CECIP), a Urban95 foi criada pela Fundação Van Leer (FVL). A psicóloga Cláudia Vidigal, representante da fundação no país, explica que futuras prefeitas e prefeitos, e também vereadoras e vereadores, encontram no documento orientações para garantir a primeira infância no orçamento e repensar as cidades a partir do olhar de quem tem até 95cm de altura. Ou seja, crianças de três anos de idade. Isso porque, “é no município que a política pública se materializa, é onde as crianças vivem“, resume.
Segundo ela, a ideia é que os municípios, em articulação com os estados e governo federal, assumam essas diretrizes, que podem dispensar recursos adicionais e assegurar mais eficiência do dinheiro público. “A criança que vai ao posto de saúde tomar vacina, por exemplo, e encontra profissionais que indicam a importância de ela estar na escola, tem acesso a esse trabalho integrado de políticas de educação, saúde e assistência social.”
Apesar do contexto político brasileiro ainda estar polarizado, Cláudia afirma que a pauta da primeira infância une diversas orientações partidárias. Por isso, as eleições são um momento estratégico para ajudar candidaturas a se comprometerem com esse público. Além disso é uma oportunidade para formar cidadãos atentos ao tema. “Todos nós sabemos que é importante investir no começo da vida e criar oportunidades para as crianças desde que elas nascem. Se as candidaturas abordam isso, vamos formando a consciência de que investir nessa agenda é o melhor para todos.”
Esta pauta é também de quem não tem crianças
“Se a gente quer uma sociedade mais justa e menos desigual, o caminho é priorizar a primeira infância na hora de escolher em quem votar. Estudos apontam, inclusive, que investir nessa fase da vida tem um retorno social mais alto do que em qualquer outra etapa”, observa Karina Fasson, gerente de Políticas Públicas da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal (FMCSV). E isso independe de as eleitoras e os eleitores terem uma criança nessa faixa de idade em suas famílias ou no convívio.
Ou seja, valorizar a primeira infância não é pensar em crianças específicas, mas endereçar as propostas a diversas infâncias, principalmente as mais vulneráveis. Nesse sentido, o que sua candidata ou candidato pensa, por exemplo, para infâncias quilombolas, afro-brasileiras, ribeirinhas ou em situação de rua?
De acordo com os dados do relatório “Os primeiros anos em suas mãos”, produzido pela FMCSV, o cenário é desafiador: no Brasil, 55% das crianças de até seis anos vivem em famílias de baixa renda; uma em cada três crianças de até quatro anos enfrenta situação de insegurança alimentar e 2,3 milhões de crianças não têm acesso à creche.
Assim, Karina defende que a preocupação com crianças seja decisiva na escolha do voto. “O investimento na primeira infância tem o potencial de quebrar o ciclo de pobreza de uma geração para outra, o que vai impactar na vida daquela criança e nas gerações seguintes.”
A sua cidade tem Plano Municipal pela Primeira Infância?
Outro ponto de atenção nessas eleições é o Plano Municipal pela Primeira Infância (PMPI), que define ações governamentais integradas ao orçamento e direciona a execução de políticas públicas voltadas para bebês e crianças pequenas. Neste mês da Primeira Infância, 12 municípios brasileiros aprovaram PMPIs construídos com a mediação da Avante, na segunda edição do projeto Primeira Infância Cidadã (PIC).
Entre 2021 e 2023, a Avante desenvolveu ações em 15 municípios de cinco estados brasileiros (ES, RJ, SP, SE e RN). As ações ajudaram no diagnóstico e preparo de 400 agentes públicos do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) para elaborar e revisar seus planos. “A gente fez questão de que a redação desses documentos ficasse com as comissões de cada município. Isso para garantir planos intersetoriais e participativos, com diversas representações”, conta Ana Luiza Buratto, vice-presidente da Avante e coordenadora geral do PIC.
A elaboração de cada plano passou por trilhas formativas, escuta de crianças e ações abertas à população de cada cidade. A base foi o Plano Nacional Primeira Infância (PNPI), construído em 2010 pela Rede Nacional Primeira Infância, da qual a Avante faz parte. Todo esse movimento, avalia Ana Luiza, convoca a população a um novo olhar sobre as crianças. “Consideramos a infância que a gente convive e a criança que a gente foi, claro, mas vamos além. Assim, incluímos também infâncias nas mais diversas culturas, condições econômicas e territórios.”
O desafio agora é pela implementação dos planos, o que poderá acontecer em uma terceira edição do PIC. “Precisamos atuar para que todos esses materiais tão bem construídos não sejam aprovados e depois colocados em uma gaveta. A discussão nessas eleições também deve passar por aí. O principal objetivo é que tudo o que foi pensado e elaborado vire política pública.”
Segundo ela, é preciso considerar estes três pontos na hora de escolher candidatos comprometidos com a infância:
- Analise os discursos políticos, leia planos de governo e assista aos debates;
- Busque saber se a candidata ou o candidato conhece realmente a cidade e suas principais questões ou se está apenas visitando bairros onde nunca esteve por causa da campanha;
- Em caso de reeleição, vale a pena pesquisar se os planos de governo de mandatos anteriores contribuíram com avanços na proteção aos direitos de bebês e crianças pequenas.
Desde o dia 16 de agosto, candidatas e candidatos às prefeituras e câmaras de vereadores de todo o país apresentam suas propostas pela internet, na imprensa ou na rua. A política chegará às emissoras de rádio e TV no dia 30, com o horário eleitoral gratuito. Este ano as eleições definirão os seguintes representantes políticos de cada cidade:
Fonte: TRE-BA