Empatia, criatividade, trabalho em equipe e protagonismo: conheça escolas que se propõem a formar sujeitos transformadores
O Lunetas conversou com quatro escolas para entender como o protagonismo, a empatia, a criatividade e o trabalho em equipe contribuem com a educação.
Exercícios de matemática, testes, provas e tentativas de aumentar notas. Provavelmente estudar em uma escola com tudo isso assim fará com que as crianças e jovens aprendam conteúdos acadêmicos. Mas, será que só isso dá conta de desenvolver seres complexos e multidimensionais?
Algumas escolas têm respondido a essa pergunta com ideias inovadoras e soluções criativas. Além de transmitir conhecimentos acadêmicos, elas se preocupam em formar sujeitos ativos, capazes de atuar no mundo de maneira criativa e sensível, e oferecem aos seus educandos uma formação que valoriza o desenvolvimento de habilidades e competências transformadoras.
Estas escolas acreditam em uma educação para a vida, e entendem a criança e o jovem sob uma perspectiva integral do desenvolvimento, em que corpo, emoção e razão não se separam e todos são essenciais para a constituição de pessoas livres, independentes e capazes de se relacionar e agir sobre o mundo de maneira mais empática.
Raquel Franzim, coordenadora do programa Escolas Transformadoras, do Instituto Alana, defende que o currículo escolar pode e deve ir muito além de conteúdos pré-programados, aproximando-se o máximo possível da própria experiência concreta da vida. “Currículo não é um documento, mas também aquilo que é vivido, sentido e experenciado”, afirma.
“Uma educação transformadora é uma educação fortemente vinculada com a vida e com as questões da vida. Tudo o que é experimentado nas escolas precisa estar vinculado à vida”
“Uma educação para a vida não necessariamente exclui o currículo oficial. Pelo contrário, faz costuras com ele. Acho que essa imagem da costura é muito bonita. Faz costuras para se criar oportunidade de sentido para os estudantes, para os educadores e para as famílias”, explica Raquel. “É assim que as escolas propiciam uma educação para a vida, a partir dessa vinculação com os afetos, com as ações e os desafios que a vida traz pra gente”, conclui.
“Uma educação para a vida é um espaço de construção de sentidos, porque não existe um sentido único”
A Ashoka e o Instituto Alana aceitaram o desafio de buscar, apoiar e conectar escolas de todo o país que estão criando esse caminho rumo a uma educação verdadeiramente transformadora. Juntas, as instituições percorreram o Brasil e reconheceram escolas para fazerem parte da rede Escolas Transformadoras.
O programa afirma que, ao delimitar a empatia, o trabalho em equipe, a criatividade e o protagonismo como as quatro competências transformadoras para enfrentar os desafios de nosso tempo, não se tem a pretensão de sugerir que sejam as únicas necessárias para promover uma educação capaz de formar sujeitos transformadores.
Trata-se de um recorte que teve como base um estudo detalhado das estratégias e abordagens adotadas por mais de 700 empreendedores sociais cujas ações tiveram impacto positivo e relevante na construção de realidades mais justas e amigáveis.
O Lunetas conversou com quatro escolas para entender como o protagonismo, a empatia, a criatividade e o trabalho em equipe aparecem nas escolas.
A Associação Pró-Educação Vivendo e Aprendendo fica no Distrito Federal, em Brasília e foi fundada em 1982. A escola tornou-se referência em Educação Infantil na cidade e também atendendo os anos iniciais do Ensino Fundamental.
Tudo começou quando um pequeno grupo formado por pais, educadores, artistas e acadêmicos, insatisfeitos com o modelo educacional presente nas escolas tradicionais do pós- regime militar buscava uma educação em que a criança fosse reconhecida como sujeito capaz de pensar, criar e fazer escolhas. O projeto político pedagógico está atento à voz das crianças, permitindo que elas sejam protagonistas, exerçam sua criatividade e potencializem o trabalho coletivo.
Em entrevista ao Lunetas, a equipe da escola explicou que, na Educação Infantil, o trabalho com a construção da autonomia e dos combinados, mescla a necessidade da criança de se constituir em sua individualidade, com a necessidade dela se relacionar com o outro na construção de sua sociabilidade. “Dispositivos pedagógicos como o “não gostei”, possibilitam às crianças, em qualquer faixa etária, expressar seus sentimentos e desejos, delimitando seus limites e reconhecendo os limites dos outros”, contam.
Nos corredores e espaços da escola, todos se reconhecem pelos nomes (adultos e crianças) e as relações se constroem no diálogo, a partir de uma escuta ativa e sensível. Já no Ensino Fundamental, com as crianças maiores, tudo intensifica. “As crianças são desafiadas a buscar seus conhecimentos, por meio da construção de projetos coletivos e autodirigidos, a tomada de decisões se coletiviza ainda mais e o uso de espaços de rodas e assembleias dão voz às crianças, garantindo que tenham suas falas e ideias respeitadas”, relatam.
Deste modo, ao longo deste processo, vai se permitindo que as crianças fortaleçam sua autoestima, se percebendo enquanto indivíduos (com sentimentos, desejos e frustrações) e se apropriem de instrumentos que os auxiliem a modular suas interlocuções, possibilitando que o protagonismo aconteça de forma natural.
O Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI) reconhece a importância do trabalho em equipe, respeitando e valorizando toda a comunidade escolar. É uma escola pública da cidade de Manaus (AM) que fica localizada em terreno amplo e arborizado da ONG Aldeias Infantis SOS de Manaus, alugado pela Prefeitura Municipal, junto a outras duas escolas com as quais divide alguns espaços. Lá na escola a busca constante é de potencializar as habilidades de cada educador e colaborador que trabalha no espaço.
“Reconhecemos a importância do trabalho em equipe, respeitando e valorizando a comunidade escolar e principalmente as crianças e suas famílias”, descreve a gestora Zilene Trovão. O trabalho com a Educação Integral estimula a prática do trabalho em equipe, a empatia e a autonomia norteiam essa visão. “As crianças hoje, demonstram gostar mais da escola, são felizes quando estão no ambiente escolar”.
A escola oferece um lugar acolhedor, para que as crianças se sintam como estivessem em suas casas ou no melhor lugar do mundo.
Hoje estamos trabalhando com o engajamento familiar, focando no adulto de referência da criança, pois depende dele para vir à escola e para que este participe do processo de ensino.
O brincar, os espaços de faz de conta e o trabalho com as linguagens, em especial a linguagem da natureza, norteiam o trabalho com a infância na escola. Os espaços de aprendizagens, as atividades experienciais também incentivam muito essa criança. A pedagogia da escuta, a cotidianidade e a iniciação científica, faz parte dessa abordagem e do processo de conquista da criança.
Entre as ações que sustentam o modelo gestão democrática e participativa estão as assembleias, encontros quinzenais da comunidade escolar para discutir problemas, soluções e proposições, tudo de acordo com a idade de cada estudante. Esse é um espaço bem importante de participação dos das crianças, que decidem sobre qualquer assunto que permeia o contexto escolar. Também há ação em que é escolhido os “diretores de sala”, que os representam e dialogam com mais frequência com a direção da escola para levantar suas questões e a dos colegas.
A Escola Municipal Professora Acliméa de Oliveira Nascimento é uma escola pública localizada no município de Teresópolis, no Rio de Janeiro, no bairro de São Pedro, dentro do Complexo do Tiro da Guerra, região de alta vulnerabilidade social.
A diretora Luciana Pires e a orientadora pedagógica Gisele Lima explicaram ao Lunetas que a escola percebe e coloca os estudantes no centro do processo de aprendizagem. “A criança é a protagonista e, para isso, a criatividade também precisa ser o eixo central”, revelam. Isto porque, lá as crianças do 1º ao 5º ano estudam “Projetos de Trabalho” a partir do interesse das crianças e do que elas mesmas gostariam de descobrir.
O fato de o currículo ser aberto exige criatividade, curiosidade e pesquisa por parte dos estudantes e também dos professores. “A gente considera que ser criativo é fugir do comum. Ser criativo não é exatamente criar coisas que nunca foram pensadas, mas recriar dentro da nossa realidade local e contexto escolar”.
“Todas as crianças nascem com capacidades criativas, mas as práticas tradicionais de aprendizagem fazem com que a escola fique desinteressante, principalmente no mundo atual”, contextualiza a diretora.
Luciana sinaliza que a escola acaba sendo um território de resistência por suas práticas. “A gente acaba se afastando daquele material pronto com passo a passo”. Existe uma intencionalidade, um planejamento, mas o professor acaba aprendendo junto uma vez que existem assuntos que nem mesmo professor tem conhecimento e ele acaba tornando-se também um pesquisador ao lados dos educandos.
A criatividade também é estimulada para que as crianças não tenham medo de errar mostrando para as crianças que o erro faz parte do processo e para acertar é preciso ser criativo e questionar as verdades absolutas.”Acertar é diferente de copiar, por isso é preciso ser criativo’, finaliza a orientadora Gisele.
A Escola Vila Verde é uma escola particular que atende crianças de três a seis anos da Educação Infantil, na unidade urbana, e crianças de sete a 12 anos do Ensino Fundamental, na unidade próxima ao Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, no município de Alto Paraíso de Goiás (GO), uma região típica da vegetação do cerrado.
Tendo como missão “educar as pessoas para a felicidade e para a ação no mundo, com confiança e consciência de si, do outro e do nosso ambiente”, as crianças são estimuladas a cuidarem do lugar em que vivem.
Em conversa com o Lunetas, o diretor da escola Fernando Leão explica que não é simples dizer como a empatia aparece nas práticas da escola e por isso, sempre que vai falar sobre isso conta sobre as cinco sabedorias que regem o ensinamento budista e estão de acordo com os princípios pedagógicos e exemplificam como a empatia está presente na escola.
A palavra “empatia” não aparece explicitamente nos documentos e projetos da escola, mas ele defende que devemos ampliar o conceito de empatia para além da ideia de tolerância ou convivência.
“As relações empáticas se dão em quatro níveis: consigo mesmo, com o outro, com a sociedade e com o planeta”, conta.
1 Sabedoria do acolher– representada pela cor azul- é a capacidade de compreender o outro no mundo do outro, é entender que aquele ser na nossa frente percorreu um longo caminho até chegar aqui. A inteligência do espelho busca não julgar, ao mesmo tempo que compreende se uma ação é positiva ou negativa, se traz benefícios ou sofrimento.
2 Sabedoria de oferecer – cor amarela- é a capacidade que a gente tem de se alegrar com as conquistas do outro. Isso é muito fácil de compreender na educação. A alegria que o professor tem quando a criança aprende a ler, por exemplo, muitas vezes é maior que a da própria criança, que nem tem a dimensão do que ela conseguiu naquele momento.
3 Sabedoria do estruturar – cor vermelha- Uma vez que a gente se alegra com a conquista do outro, a gente vai buscar do todos os meios para ajudá-lo a atingir seus objetivos. Também aqui os professores têm de forma natural está inteligência; se o estudante não conseguiu entender um assunto de uma forma, o professor tenta de outro e outro, pede ajuda a colegas, pede para que outro estudante explique, enfim o professor busca os meios de conseguir atingir aquele estudante.
4 Sabedoria da causalidade – cor verde – “Mas se o outro quiser cometer uma ação equivocada ou que não seja benéfica?” A inteligência da causalidade age nestes casos. Uma ação positiva gera frutos positivos. Uma ação negativa gera frutos amargos. Esta inteligência atua em dois níveis: primeiro tentamos impedir que o outro aja de forma negativa. Caso não consigamos impedir, então impedimos que uma ação negativa gere frutos positivos, pois aí a pessoa tende a repetir esta ação equivocada. É como o dito popular: “se você plantou bananas, não espere colher maçãs”.
5 Sabedoria de liberar– cor branca – Busca liberar o outro de todos os rótulos. Enfim, o outro não é a sua ação, ele é livre para agir de forma diferente quando quiser. Então, a gente busca olhar o outro a partir de suas potencialidades. Lembra de quando você era criança? Sempre que alguém te perguntava o que você queria ser, você respondia alguma coisa diferente. Naquele momento, você poderia ser mesmo aquilo que disse. Em algum momento de sua vida você pensou em outra coisa, e é isso. As pessoas são plena potência.
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