Direitos das crianças: STF nega ação para flexibilizar o ECA

O pedido do PSL, que sugere derrubar trechos do ECA que proíbem recolher crianças e jovens das ruas, foi considerado improcedente pelo Supremo

Da redação Publicado em 09.08.2019
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Resumo

Foi um consenso para o Supremo Tribunal Federal que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) tem valor incontestável para garantir à infância e à adolescência a "prioridade absoluta" prevista na Constituição Federal.

Nesta quinta-feira, 8, uma importante decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) configurou uma vitória dos direitos da criança e do adolescente no Brasil. O órgão rejeitou por unanimidade a proposta do PSL de flexibilizar artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), declarando-a como legalmente “improcedente”. A ADI 3.446 defende que crianças e adolescentes pegos vagando pelas ruas sejam detidos e encaminhados para instituições de medidas socioeducativas (dentre elas, internação).

O ECA proíbe a detenção de crianças (menores de 12 anos) e adolescentes (maiores de 12 anos e menores de 18) para averiguação, ou por motivo de perambulação. Em 2012, a Câmara dos Deputados decretou o fim da pena de prisão por ociosidade – conhecida como “lei da vadiagem”.

Diretos à infância e juventude

Durante a sessão, foi um consenso para o Supremo que o ECA tem valor incontestável assegurado pelo estatuto federal, a fim de garantir à infância e à adolescência a “prioridade absoluta” prevista na Constituição.

O Instituto Alana, que foi amicus curiae durante a sessão, por meio do programa Prioridade Absoluta, esteve representado pela advogada Thaís Dantas – clique aqui para assistir à sustentação. Outras duas instituições de defesa da infância também fizeram sustentações orais no plenário – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim) e Núcleo Especializado da Infância e Juventude (Nudij) da Defensoria Pública do Paraná.

“A presente ação [do PSL] ressalta uma antiga e equivocada dualidade que insiste em permanecer em nosso país. Dualidade esta que coloca, de um lado, crianças e adolescentes como merecedoras de cuidado estatal e, de outro, crianças e adolescentes que são vistas como ameaças sociais a serem estirpadas. Essa visão recai sobre crianças pobres, negras e em situação de rua”, disse a advogada.

“A situação de rua deve ser resolvida por meio de medidas de superação da pobreza e da desigualdade social, e não pelo recolhimento de crianças e adolescentes como se objetos fossem”

Durante sua sustentação oral no STF, Thaís reforçou a importância de garantir os direitos inegociáveis da infância e juventude no Brasil, e afirmou que as tentativas de alteração, a fim de flexibilizar o ECA, ferem gravemente o artigo 227 da Constituição, que diz respeito à proteção integral devida pelo Estado, reconhecendo as crianças e adolescentes como sujeitos de direitos.

“O direito à liberdade de ir, vir e estar está plenamente alinhado ao direito de liberdade previsto na Constituição, e também à regra constitucional da prioridade absoluta”

Sobre o pedido para flexibilizar o ECA

O pedido do PSL ao STF era que o Supremo declarasse como inconstitucionais, entre outros pontos, os artigos 16, inciso I, e 230 do Estatuto da Criança e do Adolescente. “A norma veda a detenção de crianças e adolescentes para averiguação, ou por motivo de perambulação, desde que determinada por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária”, explica o Migalhas, veículo especializado em notícias jurídicas.

  • Inciso I do artigo 16 – Diz que o direito à liberdade da criança e do adolescente compreende, entre outros, o de “ir e vir e estar em logradouros públicos e espaços comunitários, ressalvadas as restrições legais”.
  • Artigo 230 – Institui pena de detenção de seis meses a dois anos a quem “privar a criança ou adolescente de sua liberdade.

A Defensoria Pública da União (DPU) afirmou que a ação pretende prender crianças em situação de rua. Para a DPU, é uma tentativa de “saneamento social”.

ECA e Constituição: a criança é prioridade

O ministro Gilmar Mendes rejeitou todos os pedidos do PSL, e reforçou a existência do ECA como um marco civilizatório em relação aos direitos da infância e adolescência. Mendes afirmou ainda que se o Estado concedesse a possibilidade de apreender crianças e jovens nas ruas poderia dar início a uma política higienista que só faria por superlotar as instituições de atendimento.

Já em relação às crianças menores de 12 anos, Gilmar Mendes afirmou que não aplicar medidas mais severas a essa faixa etária é “compatível com a percepção de que a criança é um ser em desenvolvimento que precisa ser, acima de tudo, protegida e educada”.

Os demais ministros da casa, Ricardo Lewandoski, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Carmen Lúcia, Luiz Fux, Marco Aurélio, Celso de Mello e Dias Toffoli – presidente do Supremo – acompanharam de forma unânime o voto de Gilmar.

“O próprio PSL formulou uma postulação inconstitucional, porque as normas legais fundadas no ECA são plenamente compatíveis com o que se tem no estatuto fundamental da República”, afirmou Celso de Mello.

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