Vivência sensorial simula como é ser cego por algumas horas

Você enxerga normalmente? Já imaginou poder viver por algumas horas uma experiência que simula a cegueira? Conheça a vivência "Diálogos no Escuro"

Da redação Publicado em 21.10.2019
Imagem de dez pessoas no escuro sentadas em um banco com as luzes acesas. Eles participam do evento diálogos no escuro. Cada um está com uma bengala em suas mãos
OUVIR

Resumo

O convite aqui é para que você silencie dos afazeres do mundo por um tempo e se desligue de imagens prontas sobre as situações e os lugares que vamos narrar, deixando sua mente criá-las no momento da leitura.

O Lunetas teve a oportunidade de participar da vivência “Diálogos no Escuro”, um evento bastante conhecido por quem pesquisa e se interessa por experiências de inclusão e diversidade, e que já passou por 140 cidades em mais de 40 países. 

Organizado pela Carlotas, empresa com propósito social, que utiliza arte e ludicidade para proporcionar o diálogo sobre empatia, respeito e um novo olhar para a diversidade, em parceria com a Calina Projetos, a atividade tem a intenção de proporcionar aos participantes um aprendizado prático sobre as questões da pessoa com deficiência, pautado na possibilidade de viver de fato a empatia. 

O que é o “Diálogos no Escuro?”?

Como o próprio nome diz, durante a experiência, o grupo passa cerca de duas horas na escuridão total, longe de qualquer emissão de luz, incluindo dispositivos eletrônicos e até mesmo acessórios que possam reluzir no escuro, como relógios, anéis e pingentes. Com isso, os participantes são provocados a colocar no lugar do outro, não só da pessoa cega ou com baixa visão, mas também daqueles que não ocupam os lugares da maioria, segundo padrões sociais pré-estabelecidos.

“Consciência de si, alteridade, conexão, respeito são palavras que vêm à tona durante a oficina, e ganham novos sentidos conforme se entende por que estamos ali”

O que acontece, no fim das contas, é uma reflexão profunda sobre a forma como nos relacionamos em sociedade, tanto de fora para dentro quanto de dentro para fora; quem sai do Diálogos no Escuro certamente não é a mesma pessoa que entrou.

Por isso, nós que falamos tanto sobre o tema da inclusão aqui no Lunetas, resolvemos compartilhar essa experiência com o leitor de uma outra forma, com a ideia de transmitir com ainda mais verdade o que foi passar algumas horas experimentando o ponto de vista de uma pessoa que não enxerga o mundo da mesma forma que a maioria.

No áudio abaixo, você pode se aproximar do que vivemos por lá. O convite aqui é para que você silencie dos afazeres do mundo por um tempo e se desligue de imagens prontas sobre as situações e os lugares que vamos narrar, deixando sua mente criá-las no momento da leitura. Se puder, feche os olhos. Nós garantimos que algumas coisas se pode enxergar muito melhor assim. Após o áudio, você pode ler duas entrevistas com as organizadoras do encontro, discutindo diversidade e inclusão.

“Inclusão é realmente ver o outro – aquele que é diferente de mim – como um igual”

Leia a entrevista com Fabiana Gutierrez, cofundadora da Carlotas

Lunetas – Vocês que estão constantemente em contato com as crianças, o que percebem como maior diferença entre a forma com que elas lidam com a deficiência e a forma como um adulto lida?
Fabiana Gutierrez – A criança é curiosa, precisa entender o que está acontecendo e como deve agir. Depois disso, ela ultrapassa qualquer barreira porque entende como uma característica e é capaz de ver além daquilo. Mas o contrário também é verdadeiro, uma criança que está ao redor de falas preconceituosas e que vivencia atitudes discriminatórias terá mais dificuldade em incluir e aceitar pessoas com deficiência. Não podemos nos esquecer que as crianças estão abertas para o mundo, para aprender e conhecer, para interagir e brincar. O juízo de valor e o julgamento vêm pelos olhos dos adultos.

Em relação às crianças PCD, não só na escola, mas também na família e na sociedade, o que você diria que podemos considerar como avanços de inclusão?
FG – Hoje, temos uma lei (LDB – Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência) que obriga as escolas a receberem as crianças com deficiência. Isso ajudou muito a fomentar a convivência e entender as potências e desafios. Em um estudo recente do Alana, os ganhos cognitivos dos alunos sem deficiência aumenta com esse convívio em sala de aula, ao contrário do que se imaginava, que apenas os alunos com deficiência eram estimulados ou que o rendimento da classe ia cair.  Ainda há muito a ser feito em relação a inclusão e integração, mas o primeiro passo já foi dado.

Esse primeiro passo permite conhecermos outras maneiras de transmitir o conteúdo, de dialogar sobre os temas e de interagir com os outros. Quando dividem a mesma sala de aula, as crianças se entendem diferentes mas encontram suas semelhanças, elas se sensibilizem e podem mudar sua postura quando no futuro conhecerem outras pessoas com deficiência.

Que referenciais negativos ainda transmitimos a elas sobre a existência de uma pessoa com deficiência, e como eles aparecem nas atividades?
FG – Ainda não é natural incluirmos pessoas com deficiência no nosso dia a dia; na televisão e nas séries, ainda encontramos essas pessoas isoladas e com muitos estereótipos. Temos muitas barreiras de acessibilidade e outras tantas comportamentais que são as mais graves. Acabamos não incluindo a pessoa com deficiência nas conversas e nas decisões, muitas vezes por medo de errar, magoar ou desconhecimento. Precisamos lembrar constantemente que somos a diversidade do outro e que uma pessoa com deficiência não é mais diferente de você do que você é dela. Somos todos diferentes, cada um com suas potências.

O que é inclusão para você?
FG – Inclusão para Carlotas é entender que nossas diferenças são o que temos em comum e cada um de nós possui potências incríveis.

Leia a entrevista com Andrea Calina

Lunetas – O que de mais importante uma vivência como o Diálogos no Escuro quer despertar nas pessoas?
Andrea Calina – Empatia, respeito, confiança, conexão, escuta ativa, desconstrução dos vieses implícitos ou inconscientes e capacidade humana de ultrapassar qualquer barreira. O escuro é democrático, colocando todos em pé de igualdade e sem pré-julgamentos. Os facilitadores com deficiência visual são capazes de mostrar que qualquer preconceito, paradigma ou estereótipo que construímos sobre os diferentes grupos humanos (seja por um inconsciente coletivo) ou por construções feitas por nós mesmos pode e deve ser quebrado.

Na sua fala final após a vivência, você comentou sobre a deficiência ser a última das inclusões, historicamente falando. Na sua opinião, o que essa conquista recente nos traz de maior fragilidade, e também de maior potência, já que estamos olhando mais para isso?
AC – Acredito que para todas as outras minorias incluídas na sociedade nos últimos 70 anos: gênero, etnia, orientação sexual e idade o maior determinante da segregação ou exclusão se deu principalmente por causa das barreiras comportamentais. No caso das pessoas com deficiência, além das barreiras comportamentais, existe, sim, uma grande contribuição de barreiras impostas pela desinformação do que esses indivíduos podem realizar, seja por adaptações tecnológicas, arquitetônicas, etc.

Não existem heróis e nem coitados. Pessoas com deficiência são mais uma diversidade da nossa grande humanidade e embora nenhum de nós queira fazer parte ou ter um ente querido que faça parte desta minoria, sabemos no nosso íntimo, que não temos controle sobre a vida.

Essa inclusão é libertadora não só para as pessoas com deficiência, que, pela lei de 2008, estão entrando nas escolas, mas é libertadora para cada um de nós; não controlamos a vida e o futuro. Essa inclusão nos mostra através do encontro, experiência e diálogo que se acontecer com nós mesmos ou ente querido próximo, não é o fim do mundo. Haverá limitações como várias outras que cada um de nós já tem, mas existe vida possível e plena. O impossível não existe. Nós é que determinamos nossos próprios limites.

A provocação “o que aconteceria se todos os diálogos fossem no escuro?” que aparece no filme após o workshop tem resposta? Como seria, na sua opinião?
AC – Essa resposta é simples. Passaríamos a nos relacionar com qualquer pessoa através do seu interior e não estereótipos. Até porque não seriamos capazes de ver os estereótipos criados por nós mesmos ou pelo inconsciente coletivo. Seria um mundo democrático. Sem pré-julgamentos.

O que é inclusão para você?
AC – É realmente ver o outro – aquele que é diferente de mim -, como um igual. Daí a inclusão na sociedade em todos os níveis: escolar, familiar, social e mercado de trabalho ocorrerá de forma natural. Mas este é um trabalho de formiguinha, no qual já avançamos muito.

Leia mais

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS