Conversamos com o pediatra espanhol Carlos González para entender melhor os desdobramentos práticos
A criação com apego não demanda condições específicas nem fórmulas mágicas do que se pode ou não fazer na criação dos filhos. Porém, com a rotina cada vez mais corrida das famílias, como manter a quantidade de presença que as crianças necessita?
O pediatra espanhol Carlos González é referência no assunto aleitamento e amamentação. Frequentemente procurado para dar depoimentos sobre o tema criação com apego – ou attachment parenting –, ele ressalta que o termo não é dos mais corretos, já que a proximidade e o afeto são necessidades básicas de qualquer ser humano pela vida toda, e não só da primeira infância.
Para ele, o carinho está disponível para qualquer um, e não demanda condições específicas nem fórmulas mágicas do que se pode ou não fazer na criação dos filhos. Porém, com a rotina cada vez mais corrida das famílias, como manter a quantidade de presença que as crianças necessitam?
Conversamos com González para entender melhor os desdobramentos práticos desse conceito. Confira:
Lunetas – A criação com apego demanda condições específicas – financeira e social? Ou seja, em um contexto em que a maioria dos pais têm cada vez menos tempo e condições para passar mais tempo com os filhos do que no trabalho, por exemplo, como colocar este conceito na prática?
Dr. Carlos Gonzáles – Para esclarecer alguns conceitos: “criação com apego” [o termo que costumamos usar aqui no Brasil é esse] não é um termo muito correto, porque todas as crianças têm apego, que é uma necessidade básica do ser humano. Muitas pessoas, quando se fala de “attachment parenting” [outro termo comum usado aqui no Brasil], parecem entender apenas “dar muito peito, carregar sempre o bebê nos braços e enfiá-lo em sua cama”.
“Criação com apego não é um termo muito correto, porque todas as crianças têm apego”
O apego pode ser “seguro” ou “inseguro”, mas isso não depende de amamentação, ou braços, ou dormir junto na mesma cama; é outra coisa. Se estamos nos referindo ao conceito popular (peito, braços, dormir juntos), este não requer nenhuma condição econômica e social, muito pelo contrário. Não há necessidade de mamadeira ou fórmula, você não precisa de uma sala especial para a criança ou um berço específico, não precisa de um carrinho de criança, está disponível para qualquer um.
Dentre as experiências com as quais você já teve contato, quais políticas públicas se destacam? Que projetos você destacaria como bem-sucedidos em relação á primeira infância?
CG – Os países escandinavos e alguns outros na Europa têm bem mais de um ano de licença-maternidade, e outras ajudas e facilidades, que permitem que a maioria das crianças possam passar seus primeiros anos com suas famílias.
As crianças podem ser manipuladoras? Como lidar com isso?
CG – Uma criança pequena não pode ser manipuladora, no sentido de enganar ou fingir para conseguir as coisas dos adultos. Após quatro anos mais ou menos é que começa a ter (e no começo, grosseiramente) a capacidade de compreender que as outras pessoas têm pensamentos, desejos ou intenções que não o seu próprio.
“Uma criança pequena não pode fingir chorar ou ter um acesso de raiva; ela está chorando muito, tem uma crise de verdade”
Geralmente somos nós, os pais, que manipulamos as crianças. Sempre os manipulamos, ou seja, dizemos e fazemos coisas com o propósito deliberado de fazê-los se comportar de uma maneira ou de outra. É justo e necessário para nós manipulá-los, o problema é que às vezes abusamos. Às vezes mentimos descaradamente, recorrendo a ameaças (por exemplo, “se você se comportar mal, Papai Noel não vai trazer brinquedos”).
Por que existem tantos tabus e preconceitos envolvendo a amamentação, um ato tão natural?
CG – Há uma concordância de muitos fatores: má informação dos médicos, irregularidades nos hospitais (por exemplo, separar a criança da mãe ou atrasar por horas a primeira mamada do bebê após o nascimento), muitos interesses econômicos (a indústria de leite artificial movimenta milhões), problemas trabalhistas, questões de status social (“amamentação é coisa de pobre, podemos pagar por uma mamadeira, que é mais moderna e científica”). Felizmente, todas essas coisas estão mudando. Porque não se pode enganar a todos o tempo todo.
Criação com apego: entenda o que é
O estudo da “criação com apego” existe há mais de 60 anos e é desenvolvido por pesquisadores de Psicologia e desenvolvimento infantil. Estas pesquisas revelam que o bebê nasce com necessidades básicas a serem atendidas – como a proteção e a proximidade.