‘Crianças não fingem chorar para conseguir coisas’, diz pediatra

Conversamos com o pediatra espanhol Carlos González para entender melhor os desdobramentos práticos

Da redação Publicado em 11.11.2016
Rosto de menina com cara de choro. Foto em preto e branco.

Resumo

A criação com apego não demanda condições específicas nem fórmulas mágicas do que se pode ou não fazer na criação dos filhos. Porém, com a rotina cada vez mais corrida das famílias, como manter a quantidade de presença que as crianças necessita?

O pediatra espanhol Carlos González é referência no assunto aleitamento e amamentação. Frequentemente procurado para dar depoimentos sobre o tema criação com apego – ou attachment parenting –, ele ressalta que o termo não é dos mais corretos, já que a proximidade e o afeto são necessidades básicas de qualquer ser humano pela vida toda, e não só da primeira infância.

Para ele, o carinho está disponível para qualquer um, e não demanda condições específicas nem fórmulas mágicas do que se pode ou não fazer na criação dos filhos. Porém, com a rotina cada vez mais corrida das famílias, como manter a quantidade de presença que as crianças necessitam?

Conversamos com González para entender melhor os desdobramentos práticos desse conceito. Confira:

Lunetas – A criação com apego demanda condições específicas – financeira e social? Ou seja, em um contexto em que a maioria dos pais têm cada vez menos tempo e condições para passar mais tempo com os filhos do que no trabalho, por exemplo, como colocar este conceito na prática?
Dr. Carlos Gonzáles – Para esclarecer alguns conceitos: “criação com apego” [o termo que costumamos usar aqui no Brasil é esse] não é um termo muito correto, porque todas as crianças têm apego, que é uma necessidade básica do ser humano. Muitas pessoas, quando se fala de “attachment parenting” [outro termo comum usado aqui no Brasil], parecem entender apenas “dar muito peito, carregar sempre o bebê nos braços e enfiá-lo em sua cama”.

“Criação com apego não é um termo muito correto, porque todas as crianças têm apego”

O apego pode ser “seguro” ou “inseguro”, mas isso não depende de amamentação, ou braços, ou dormir junto na mesma cama; é outra coisa. Se estamos nos referindo ao conceito popular (peito, braços, dormir juntos), este não requer nenhuma condição econômica e social, muito pelo contrário. Não há necessidade de mamadeira ou fórmula, você não precisa de uma sala especial para a criança ou um berço específico, não precisa de um carrinho de criança, está disponível para qualquer um.

Criação com apego: entenda o que é

O estudo da “criação com apego” existe há mais de 60 anos e é desenvolvido por pesquisadores de Psicologia e desenvolvimento infantil. Estas pesquisas revelam que o bebê nasce com necessidades básicas a serem atendidas – como a proteção e a proximidade.

Dentre as experiências com as quais você já teve contato, quais políticas públicas se destacam? Que projetos você destacaria como bem-sucedidos em relação á primeira infância?
CG – Os países escandinavos e alguns outros na Europa têm bem mais de um ano de licença-maternidade, e outras ajudas e facilidades, que permitem que a maioria das crianças possam passar seus primeiros anos com suas famílias.

As crianças podem ser manipuladoras? Como lidar com isso?
CG – Uma criança pequena não pode ser manipuladora, no sentido de enganar ou fingir para conseguir  as coisas dos adultos. Após quatro anos mais ou menos é que começa a ter (e no começo, grosseiramente) a capacidade de compreender que as outras pessoas têm pensamentos, desejos ou intenções que não o seu próprio.

“Uma criança pequena não pode fingir chorar ou ter um acesso de raiva; ela está chorando muito, tem uma crise de verdade”

Geralmente somos nós, os pais, que manipulamos as crianças. Sempre os manipulamos, ou seja, dizemos e fazemos coisas com o propósito deliberado de fazê-los se comportar de uma maneira ou de outra. É justo e necessário para nós manipulá-los, o problema é que às vezes abusamos. Às vezes mentimos descaradamente, recorrendo a ameaças (por exemplo, “se você se comportar mal, Papai Noel não vai trazer brinquedos”).

Por que existem tantos tabus e preconceitos envolvendo a amamentação, um ato tão natural?
CG – Há uma concordância de muitos fatores: má informação dos médicos, irregularidades nos hospitais (por exemplo, separar a criança da mãe ou atrasar por horas a primeira mamada do bebê após o nascimento), muitos interesses econômicos (a indústria de leite artificial movimenta milhões), problemas trabalhistas, questões de status social (“amamentação é coisa de pobre, podemos pagar por uma mamadeira, que é mais moderna e científica”). Felizmente, todas essas coisas estão mudando. Porque não se pode enganar a todos o tempo todo.

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