Criança só pode entrar no fundamental aos 6 anos, decide STF

STF decidiu que é preciso esperar completar seis anos até 31 de março para o ingresso no Ensino Fundamental

Paulo Fochi Publicado em 02.08.2018
Foto em preto e branco mostra três bebês sentados no chão sorrindo

Resumo

O educador Paulo Fochi comemora a decisão do STF e explica porque Educação Infantil é um direito de todas as crianças brasileiras.

Dias atrás eu estava no avião lendo um livro sobre Educação Infantil e a pessoa sentada ao meu lado me perguntou quais razões eu defenderia para que bebês e crianças pequenas frequentassem a Educação Infantil. Antes que eu começasse a responder, ele, que não era do campo da educação, acrescentou dizendo que sua dúvida era sobre quando poderia ser “bom” para um bebê começar sua jornada em um espaço de vida coletivo e até quando, ou seja, qual seria a “idade certa” para sair da Educação Infantil e iniciar no Ensino Fundamental. Essa era a sua “simples” questão.

Mal sabia ele que nessa simples pergunta envolvia tantos anos e tantas lutas que temos travado dentro do campo da educação infantil. Mal sabia ele que estávamos em meio a uma ação no Supremo Tribunal Federal querendo revogar a data de corte de ingresso no Ensino Fundamental – o que implica crianças com menos de cinco anos sendo matriculadas no Ensino Fundamental – e que continuamente somos interpelados por projeto de políticos que acreditam que a creche (0-3 anos) não é uma direito das crianças e portanto, pode ser substituída por um “vale mãe crecheira” ou qualquer outro tipo de “cuida-se”.

Olhei para ele sem saber por onde começar a explicar, ou, se apenas dizia: a educação infantil é um direito de toda as crianças desde que nascem, e como direito, me parece que não há mais nada a acrescentar. É direito e ponto. Lembrei, inclusive, de que quando visitei as escolas de educação infantil públicas em Reggio Emilia e Barcelona, fiquei tocado ao ler em um grande banner a sinalização de uma frase que dizia: “esse espaço é um direito dos meninos e meninas”, convidando as famílias e a comunidade a lutar por ele, a se perceber como parte desse direito. Talvez fosse uma resposta suficiente dizer que se trata de um direito. Mas a viagem era longa e a pergunta foi um convite aberto a um diálogo que creio precisamos fazer.

Quando um bebê começa a frequentar a creche, estamos tratando do privilégio desse bebê encontrar seus pares, outros bebês.

E esse encontro, como possibilidade de crescer junto, é uma forma dos meninos e meninas irem descobrindo as aventuras e desventuras de ao mesmo tempo construir sua noção do eu e de se tornar grupo. Uma outra criança é sempre uma grande possibilidade e companhia para conhecer o mundo que acabam de chegar.

Além disso, as oportunidades educativas que um adulto qualificado pode oferecer para essas crianças em um espaço institucional, vão se transformando em reservas criativas e emocionais para as crianças irem dando sentido sobre suas experiências. Mais ainda, a cotidianeidade dessas experiências vão construindo uma marca pessoal em cada menino e menina e moldando seu horizonte.

Oferecer uma escola de qualidade para as crianças é dar a ela chance de criar recursos pessoais para viver sua infância e crescer.

É por isso que as experiências educativas que hoje são internacionalmente reconhecidas são aquelas que conseguem engendrar a possibilidade do convívio entre das crianças entre elas e a qualidade das oportunidades educativas que são ofertadas. Mais do que nunca, eu diria, uma escola precisa dar tempo para as crianças conviverem e se afrontarem com a presença de um outro real e concreto.

Além disso, ao longo destes seis primeiros anos de vida há uma série de experiências importantes que as crianças vão conquistando. Aprendem a se deslocar, inclusive, a caminhar. Aprendem a se comunicar e a entender o que os outros querem dizer através de diferentes linguagens. Aprendem a controlar seus esfíncteres, a comer, a vestir-se, aprendem a fazer amigos a expressar suas emoções e a compreender a dos outros. Aprendem a colocar em marcha suas estratégias para resolver os problemas do cotidiano, a dar sentido sobre os fenômenos do seu entorno. Aprendem todo o tempo sobre tudo.

Por isso, o espaço da educação infantil se torna um grande laboratório de cidadania, de convivência, de democracia e de adensamento dos sentidos que as crianças vão significando em sua experiência de vida.

Felizmente no Brasil, em especial nos últimos 10, nós fomos conseguindo ir desenhando um modelo de educação infantil que é diferente do que conhecemos do ensino fundamental e de outros tipos de serviços voltados para a primeira infância. Expresso nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil, é entendida como

espaço privilegiado de convivência, de construção de identidades coletivas e de ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas por meio de práticas que atuam como recursos de promoção da equidade de oportunidades educacionais entre as crianças de diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de vivência da infância (BRASIL, Parecer 20/2009, p. 5).

E nesse tempo de consolidação de uma ideia de Educação Infantil, em consonância com as discussões internacionais sobre o tema, fomos entendo que uma instituição para esta etapa não pode carregar todo o aparato musculoso do ensino fundamental. Ou seja, a educação infantil não tem seu currículo organizado em disciplinas e sim, seus eixos são as interações e brincadeiras das crianças.

O arranjo curricular proposta para a educação infantil são os campos de experiência que tem a centralidade na experiência da criança e não em listas de conteúdos prévias.

Estamos solidificando uma identidade de educação infantil que precisa ser cada vez mais compreendida pela sociedade e assumida como uma causa de todos e todas. Enquanto sociedade e representantes dos direitos das crianças, precisamos lutar para que seja seu direito estar em boa instituição de educação infantil, com profissionais bem formados, em condições adequadas e brincando, convivendo e acessando ao patrimônio que a humanidade tem sistematizado.

Essa é a melhor herança que podemos deixar para nossas crianças, é assim que podemos defender seus direitos, já que criança não tem sindicato. Sejamos nós o sindicato delas.

Em tempo: Enquanto finalizava esse texto, por sorte, o Supremo Tribunal considerou constitucional o corte etário definido pelo Conselho Nacional de Educação, portanto, somente as crianças que completam seis anos até 31 de março do ano corrente poderão ser matriculadas no Ensino Fundamental. Acompanhem as discussões sobre a Educação Infantil através do Movimento Interforuns de Educação Infantil do Brasil.

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