Urbanismo lúdico: ‘precisamos construir cidades para pessoas’

O urbanismo pensado para as pessoas é aquele em que nos integramos, nos divertimos, e voltamos a sentir a humanidade da cidade

Camilla Hoshino Publicado em 19.04.2016
Uma criança brinca de amarelinha na rua.

Resumo

Confira a entrevista com as autoras do livro "Casacadabra", que ensina arquitetura e urbanismo para as crianças. "Acreditamos que nossas cidades serão mais justas e humanas quando a arquitetura e o urbanismo começarem a ser ensinados desde o princípio", defendem.

Com certeza você já parou para pensar sobre como seria a cidade dos sonhos para criar uma criança. O que talvez não tenha pensado é que, um dia, as crianças serão adultos, e pensarão a mesma coisa em relação aos seus filhos. Então, como mudar esse ciclo e contribuir para transformar as cidades em espaços mais humanos e acolhedores às pessoas e à infância?

Para a dupla de autoras, a arquiteta Simone Sayegh e a jornalista Bianca Antunes, o segredo está em desenvolver nas pessoas, adultos e crianças, uma consciência cidadã, para que possam entender e pensar sobre sua responsabilidade em relação ao espaço público.

“Se pertencemos ao espaço público, cuidamos dele. Ocupá-lo é também cuidá-lo”

Simone e Bianca lançaram uma campanha de financiamento coletivo para publicar um livro, chamado de “Casacadabra”,  que explica arquitetura e urbanismo às crianças por meio de uma viagem de descobertas por dez casas de todo o mundo, quatro delas no Brasil.  A ideia é que o livro seja também um objeto de brincadeira e aprendizagem, que estimule a criança a pensar sobre sua casa e sua cidade, e a desenvolver maneiras de ver o mundo à sua volta.

“Acreditamos que nossas cidades serão mais justas e humanas quando a arquitetura e o urbanismo começarem a ser ensinados desde o princípio: nas aulas de ensino básico, fundamental, médio e não apenas nas salas de aula das faculdades de arquitetura”

“Nos livros para as crianças, e não apenas em artigos acadêmicos. Sim, acreditamos na educação para abrir os olhos das pessoas, desde cedo, para o lugar em que vivem. ‘Casacadabra’ é só um pequeno passo para essa transformação”, explicam.

Para entender melhor a proposta do livro, o Lunetas conversou com as autoras, confira a entrevista:

  • Lunetas: Qual é a importância das crianças ocuparem o espaço público?

Bianca Antunes e Simone Sayegh: É primordial. É preciso ter diversidade de pessoas na cidade, que pessoas de diferentes faixas etárias e sociais convivam entre si. As crianças são parte fundamental da sociedade e precisam estar envolvidas nessa relação entre as pessoas e o urbano, entender que a cidade é dela e de todos.  Além disso, precisamos de uma consciência cidadã que entenda que todos temos responsabilidades sobre o espaço público. Se pertencemos a ele, cuidamos dele. Ocupá-lo é também cuidá-lo.

  • Lunetas: Para vocês, o que caracteriza uma cidade acolhedora à infância?

Bianca Antunes e Simone Sayegh: Quando a criança não vê a cidade como um mero caminho entre sua casa e sua escola, mas como um ator que lhe convida a subir ao palco. O arquiteto colombiano Felipe Uribe, que esteve no Brasil recentemente, diz que nossas praças foram feitas para fazer negócios, fumar, tomar café, para passear, e que isso é parte de uma cultura masculina de planejamento público que precisa acabar. Talvez esse seja um dos motivos de nossas praças estarem tão vazias.

“A criança é parte fundamental da cidade hoje, é quem vai construí-la amanhã, e provavelmente irá construí-la com o que viu e aprendeu”

Arriscamos dizer que falta pensar um urbanismo mais lúdico e acolhedor. O urbanismo pensado para as pessoas, em que nos integramos a ele, nos divertimos com ele, em que voltaremos a sentir a cidade em nossa escala humana”.

Em Copenhagem, construíram o Superkilen, uma superpraça de 1 km de extensão cheia de cores, desenhos no piso, mobiliário urbano para descanso e para brincadeiras, ciclovias. Uma criança pira ali, mas os adultos também. Apesar da grande extensão, aquele espaço tem a escala do pedestre, foi pensado para as pessoas, há um sentimento maior de pertencimento àquele espaço que você desfruta.

“Não precisamos ir longe nem fazer grandes construções: uma Paulista aberta aos domingos é lúdica, cheia de artistas, bicicletas, cachorros, piquenique, bambolê”

As crianças pertencem àquele espaço e aquele espaço pertence a elas. Quando se pôde pensar que uma avenida construída para circulação de carros fosse acolhedora às crianças? E, aos domingos, é. Assim como as outras tantas ruas que se abrem (ou ainda podem se abrir) ao pedestre pela cidade.

  • Lunetas: No texto explicativo do financiamento, vocês dizem: “E se aprendêssemos a ler a cidade, seus códigos ocultos?”. Quais são e o que esses códigos podem ensinar à uma criança? E aos adultos?

Bianca Antunes e Simone Sayegh: São códigos que dizem que a cidade pode ser diferente, que existem diversas maneiras de habitar. Um exemplo: um edifício de uso misto como o Copan – um dos projetos apresentados no livro – mostra que é possível ser diferente de 99% dos edifícios que vemos nas cidades, de muros altos e portões fechados. Que é possível, provavelmente, ser diferente da casa e do edifício em que a criança mora. No Copan há pessoas habitando o térreo do prédio o dia inteiro, levam vida àquele lugar. Essa relação do edifício/casa com a cidade é um desses códigos ocultos que muitas pessoas não se dão conta, porque passou a ser normal construir muros de separação com o urbano.

“Queremos resgatar a experiência de olhar para a sua forma de morar, entendê-la e – por que não? – questioná-la”

  • Lunetas: No mesmo texto vocês afirmam que “a qualidade do espaço pode mudar comportamentos, melhorar a convivência, aumentar percepções e a apropriação do próprio espaço”. O que vocês mudariam nas cidades brasileiras para alcançar tudo isso?

Bianca Antunes e Simone Sayegh: Precisamos construir cidades para as pessoas. Esse é o principal passo. Passamos pelo menos 70 anos construindo as cidades para os carros e esquecemos de que quem dá vida às cidades são as pessoas. Por que é mais fácil pegar o carro para ir à padaria que fica a duas quadras de casa? Porque os caminhos para o carro são mais fáceis. A calçada é quebrada, é estreita, é feia, os muros que separam a calçada das casas não são convidativos, você não se diverte no caminho.

“As pessoas precisam começar a ocupar as ruas seja para se divertir, seja para ir ao trabalho, e é preciso construir um urbanismo que faça esse convite ao pertencimento”

  • Lunetas: Que dicas vocês dariam para famílias que querem transformar seus lares em espaços para brincadeira?

Bianca Antunes e Simone Sayegh: É preciso uma dose de ludicidade e de instigação do olhar da criança para o que existe na casa. Não é preciso fazer grandes reformas nem colocar um dragão gigante no quarto. Para a gente, arquitetura também pode ser brincadeira.

Você pode propor para a criança um dia fotografia pela casa, que pode apurar o olhar das crianças para o ambiente construído. Pode ter até temas: portas, janelas, escadas… Esse dia de fotografia pode extrapolar e ir para a rua: muros, faixas de pedestres, portões, calçadas.

Outra ideia é que as crianças, com lápis e folha em mãos, façam a planta de algum ambiente da casa. Isso ajuda a desenvolver a noção de espaço e de escala: o que cabe na sala, no quarto, o que na imaginação delas poderia mudar? São dois exercícios que fazem com que a criança olhe de maneira diferente para o lugar em que vive. São brincadeiras que podem extrapolar o espaço da casa e ir para a cidade.

Confira o vídeo da campanha:

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