Bonecas anatomicamente corretas: o que elas ensinam para as crianças? Ouvimos a pedagoga Caroline Arcari sobre o assunto
Bonecas da ONG OVG, de Goiás, foram retiradas de circulação por um grupo de vereadores, sob a alegação de que fariam apologia à transexualidade. A pedagoga e especialista em educação sexual infantil Caroline Arcari explica o impacto de transformar o corpo em tabu.
Em maio deste ano, a empresa canadense You & Me Mommy se tornou assunto na imprensa devido a um produto oferecido às crianças, uma boneca com rosto de bebê e genitálias masculinas. Devido a reações negativas dos consumidores, que consideraram a boneca inapropiada, a foto do brinquedo foi retirada da página.
Agora, um caso semelhante toma conta das redes sociais brasileiras nesta última semana. A ONG OVG (Organização das Voluntárias de Goiás) realizou a doação de mais de 100 mil bonecas com genitálias realistas para diversos municípios do Estado de Goiás.
O desconforto gerado pelo brinquedo foi tanto que, em Jataí, no sul do Estado, as doações forram barradas pelos vereadores. Um ofício foi enviado à prefeitura da cidade solicitando que 1,6 caixas contendo a boneca não fossem entregues às crianças.
A principal queixa dos detratores da boneca é o fato de que sua aparência indica se tratar de um bebê do sexo feminino e o aparelho genital indicar o contrário.
Em entrevista à TV Anhanguera, o vereador Gildenício Santos (PMDB) declarou o motivo da revolta.
“Parece ser uma boneca do sexo feminino, mas com o genital masculino. Isso que nos trouxe indignação”
“Não aceitamos, e entendemos que é apologia fazer a distribuição a um público tão frágil e tão vulnerável como é o das crianças”, afirmou.
Por outro lado, Anderson Augusto Tavares de Souza, diretor da OVG, conta em nota publicada no G1, que os mesmos brinquedos foram doados em 2016, sem causar nenhum problema. “Nos colocamos até surpresos em relação a essa polêmica, porém, respeitamos a opinião pública. A gente acredita que está havendo um equívoco, porque não é a intenção causar nenhum tipo de polêmico”, explicou.
Segundo a interpretação dos que se sentiram ofendidos, os indícios de que a boneca é uma menina são orientados pelo fato de o brinquedo trajar vestido e usar batom cor-de-rosa.
Especialista em educação sexual, a pedagoga e presidente do Instituto CORES, Caroline Arcari, explica que o brinquedo não representa perigo de erotização infantil.
“Bonecas anatomicamente corretas não erotizam as crianças”, defende a pedagoga
“Pessoas levadas pelo senso comum entram em pânico com a ideia de bonecas com órgãos genitais. Imaginam que esse tipo de brinquedo pode erotizar as crianças e trazer maléfícios para o seu desenvolvimento. Segura na minha mão e vem comigo desconstruir essa ideia. São 15 anos trabalhando na área de prevenção de violência sexual”
Autora do livro infantil “Pipo e Fifi”, criado com o objetivo de instruir professores, pais e cuidadores a prevenir a violência sexual contra crianças, ela explica quais os impactos de oferecer a meninos e meninas informações precisas sobre a anatomia do corpo.
“Estudos comprovam que crianças que sabem nomear as partes íntimas do corpo – isso mesmo, vulva, pênis, pepeca ou pingulim, não importa se pelo apelido ou pelo nome formal – têm uma auto-imagem mais positiva sobre o corpo e conseguem se comunicar e pedir ajuda com mais facilidade. Sim, isso faz com que elas fiquem menos vulneráveis à violência sexual”, diz a pedagoga.
Para ela, a proteção contra possíveis abusos começa com o autoconhecimento incentivado pelos adultos, o que de forma alguma representa a erotização da criança.
“O que erotiza a criança não é um boneco com pipi”
“A erotização é um fenômeno ligado à sociedade do consumo e aos valores machistas que objetificam meninas e mulheres e também é resultado da própria violência sexual. Não desvie o olhar para a sua responsabilidade de olhar a violência sexual onde ela está. Vou dar uma dica: não é no museu, nem na boneca com pênis. Está dentro de casa, é cometida por pessoas conhecidas e atinge 2 a cada 5 crianças”, explica.
Ela ressalta ainda que o papel das famílias é se munir do conhecimento necessário para uma educação transparente e disposta ao diálogo aberto.
“As famílias não sabem lidar com esses brinquedos anatomicamente corretos, não sabem como falar com seus filhos sobre algo tão simples, como o corpo”, diz a pedagoga.
“Precisamos nos esforçar para que a Educação Sexual chegue também até os adultos, e eles passem a entender a função protetiva do diálogo honesto e positivo com as crianças”
Em caso de suspeita, você pode procurar a ajuda de um profissional capacitado (psicólogo, médico, assistente social), do Conselho Tutelar da sua cidade ou da delegacia. Reforçando que a denúncia ou notificação deve ser feita em caso de suspeita, pois a investigação e/ou confirmação não é realizada pelos pais ou educadores, devendo os órgãos responsáveis se ocuparem disso.
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