O bilhete de Guilherme e a mensagem sobre acolhimento infantil

Um menino de 9 anos escreve ao pai sobre a possibilidade de “receber mais amor” da família caso ele fosse branco e levanta debates sobre acolher as diferenças

Eduarda Ramos Publicado em 18.02.2022
Na foto, um menino negro abraça o pai. A imagem está em preto e branco e possui intervenções de rabiscos coloridos.
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Resumo

Como construir caminhos para que o acolhimento infantil seja pleno e possível? O bilhete de Guilherme, um menino negro que questiona o pai sobre a possibilidade de “o amar mais” caso ele fosse branco, levanta debates sobre racismo e acolhimento infantil.

“Se eu fosse branco, você e toda minha família iam gostar mais de mim?” Foi com estas palavras que Guilherme – um menino negro, adotado e o mais velho de três irmãos -, escreveu um bilhete para o pai com uma dúvida genuína sobre se sentir amado e acolhido na família. Apesar do pai diariamente conversar com o filho de 9 anos sobre racismo estrutural e adoção, ainda há um longo caminho para que o acolhimento infantil seja sentido de maneira plena, sobretudo pelas crianças. 

 

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Reprodução/Gustavo Bregunci

Bilhete escrito por Guilherme

Segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), no Brasil, 29.707 crianças estão acolhidas e 3.808 estão disponíveis para adoção. Destes 3.808 pequenos, a maioria são meninos (53,4%), pardos (54,8%) e acima de 15 anos (1.063). Apesar de 40% não fazer distinção de etnia, 25,1% dos interessados têm preferência por crianças brancas.

Gustavo Bregunci, o pai, conta que o bilhete “mexeu demais com ele”, já que ele e o filho tinham acabado de conversar sobre o tema. Após receber a mensagem, o pai refletiu e escreveu a resposta no mesmo papel:

“O papai te ama muito porque você é exatamente do jeito que é! Amo seu cabelo, amo seus olhos, amo seu nariz, amo sua boca, amo seu corpo, amo sua cor!!! Amo tudo em você”

Para Leticia Junqueiro, psicóloga especialista em orientação parental, psicologia infantil e materna, para que a criança se sinta acolhida, é preciso que ela tenha a oportunidade de ser ela mesma. “Permitir-se conhecer a criança gradativamente, sem pressão, respondendo seus questionamentos, validando suas emoções e respeitando seus medos, inclusive o medo de não ser amada” são as tarefas principais para os pais que estão passando por situações do gênero. 

A especialista também endossa o feito do pai: “reafirmar seu afeto constantemente com palavras, atitudes e tempo de qualidade” são algumas das atitudes que podem diminuir a insegurança dos pequenos, mas sempre com a consciência de que processos como este demandam tempo e que cada criança é diferente. 

Construindo acolhimento genuíno

Construir caminhos para o acolhimento infantil demanda, entre outras coisas, estar disponível emocionalmente para ouvir as crianças e quebrar expectativas. É importante se preparar “para receber a criança que chega e não a que você imagina”; as crianças têm suas individualidades, que devem ser respeitadas acima das projeções que depositamos nos filhos, segundo Leticia.

Já na integração dos pequenos, mostrar que a criança é um integrante único da família é essencial para a construção do acolhimento. Um caminho para isso é através do lúdico, apostando em brincadeiras que possam contribuir para o fortalecimento de vínculos. Uma das sugestões de Leticia é “criar novas tradições de família com essa criança”, como inventar canções com seus nomes ou criar “cumprimentos secretos” entre pais e filhos. 

Esses pequenos gestos de exclusividade mostram que a criança faz parte do ‘grupo’ e é especial, e podem ser mantidos para a vida toda.

* A notícia foi originalmente publicada no blog “Vidas negras importam”, da Folha de S.Paulo.

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