‘Filmem o professor’: qual o papel da escola diante da proposta?

A deputada Ana Caroline Campagnolo criou um canal para estudantes denunciarem manifestações político-partidárias de professores

Da redação Publicado em 01.11.2018

Resumo

Após a deputada Ana Caroline Campagnolo criar um canal de denúncias contra ‘manifestações político-partidárias’, as redes sociais foram tomadas por publicações de uma iniciativa chamada “Filmem o professor”. Há base legal para isso? Qual o papel da escola e dos pais?

Deputada eleita no Estado de Santa Catarina, Ana Caroline Campagnolo, do PSL, publicou um texto no último domingo, 28, em que propõe aos alunos a denúncia daquilo que chama de “manifestações político-partidárias ou ideológicas”. A deputada defende que tais manifestações não podem ferir “a liberdade de crença e consciência” das crianças, diz Campagnolo, que é filiada do mesmo partido que o presidente eleito, Jair Bolsonaro.

O texto informa a criação de um canal informal de denúncias virtuais contra professores. Campagnolo solicita que fotos, vídeos e outras informações sejam repassados para o seu número de celular, explicitando o nome do docente, da escola e local do acontecimento.

A nota original de Ana Carolina não está mais disponível em sua página no Facebook. Após a publicação de Campagnolo, nesta terça-feira, 30, o Ministério Público de Santa Catarina apresentou uma ação contra a deputada. O MP-SC solicita que ela seja condenada a pagar uma indenização de R$ 70 mil por danos morais coletivos. Se ganho, o valor da ação será destinado ao Fundo para Infância e Adolescência (FIA).

No texto da ação, o promotor Davi do Espírito Santo, titular da 25ª Promotoria de Justiça de Florianópolis, considera que Campagnolo criou um “serviço ilegal de controle político-ideológico da atividade docente”. De acordo com o MP-SC, a Ação Civil Pública busca “garantir o direito dos estudantes de escolas públicas e particulares do Estado e dos municípios à educação segundo os princípios constitucionais da liberdade de aprender e de ensinar e do pluralismo de ideias”.

O Juizado da Vara da Infância e Juventude de Santa Catarina foi acionado para obrigar a deputada a excluir a postagem divulgada nas redes sociais, assim como bloquear seu número de celular para impedir contatos referentes ao assunto. O promotor sugere a aplicação de multa em caso de descumprimento das medidas.

A repercussão

Na página de Campagnolo, há diversas postagens favoráveis à não doutrinação dos estudantes, a partir de compartilhamentos de publicações de pessoas e iniciativas como o Escola Sem Partido e o pastor Marco Feliciano.

Nos últimos dias, a página da deputada se tornou palco de ofensas tanto de defensores quanto de detratores das ideias que Campagnolo e seu partido preconizam. Uma foto em que Ana Caroline, que também atua como professora de História, aparece vestindo uma camiseta com o rosto de Bolsonaro estampado no ambiente da escola circula na página como argumento para os que defendem que a deputada também incute ideais políticos nos seus alunos – o que foi desmentido por ela. A referida camiseta pertence a um de seus alunos, conforme ela anuncia na legenda da publicação. Em outra publicação, a professora aparece empunhando uma arma. O post tem mais de 1.300 reações.

Pelas redes sociais, centenas de textos se manifestaram em favor dos professores brasileiros. Um texto de autoria desconhecida circula na web como símbolo de defesa da importância da profissão, e pontua os reais obstáculos que os educadores vivenciam no dia a dia. Leia um trecho abaixo:

“Filmem os professores que passam muitos finais de semana preparando aulas. Filmem os professores que deixam de curtir o feriado para estudar e concluir mais uma pós-graduação. Filmem os professores que compram do seu próprio bolso canetas de quadro branco, refil para canetas, apagadores, folhas. Filmem os professores que depois da aula dedicam seu tempo precioso para conversar e escutar o desabafo de muitos alunos, orientando-os muitas vezes a sair ou não entrar em caminhos errados. Filmem os que desenvolvem depressão. Filmem os que se deslocam por muitos quilômetros para chegar até a escola. Filmem aqueles que doam seus materiais como lápis, borracha e canetas para os alunos. Filmem os professores voluntários.”

“Filmem também os que estão há 5 anos sem reajuste salarial”

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Câmara dos Deputados/Divulgação

O Ministério Público de Santa Catarina entrou na terça-feira com ação na Justiça contra a deputada estadual eleita Ana Caroline Campagnolo (PSL).

De onde vem a proposta de antidoutrinação?

O plano de governo de Jair Bolsonaro, conforme noticiamos no Lunetas, aponta como uma das principais metas para a educação a implementação de métodos de ensino que eliminem o que chama de doutrinação. O presidente eleito também anuncia que pretende alterar a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), com o objetivo de eliminar a influência do pedagogo Paulo Freire.

O documento  normativo estabelece os processos essenciais que os alunos devem desenvolver em cada etapa da educação básica brasileira.

A lei permite?

É o que muitos se perguntam diante da proposta, sobretudo os que discordam que proibir um professor de se manifestar seja um gesto democrático.

O conceito de “liberdade de cátedra” garante a educadores o direito de se manifestar em sala de aula sem qualquer tipo de impedimento. Tal garantia está expressa na legislação brasileira.

A Constituição Federal de 1988 defende e preconiza “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”, além de defender o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”.

Assim, tanto escolas públicas quanto privadas, bem como universidades de ambas as esferas, têm garantido em lei o direito de autonomia didática e científica, o que se estende também à livre manifestação dos estudantes.

Outro documento também garante a liberdade de dizer do professor. A Lei de Diretrizes e Bases, aprovada em 1996 afirma que a educação brasileira deve se pautar pela liberdade do saber, e defende o “respeito à liberdade e o apreço à tolerância”.

Qual o papel da escola e dos pais?

A ação iniciada pela deputada não só fere os princípios básicos da Constituição Federal como estimula e valida comportamentos que não contribuem para o diálogo efetivo entre a instituição escolar e os estudantes. Além disso, pais de crianças e jovens que escolhem uma instituição para tomar conta da educação de seu filho podem e devem creditar a elas o entendimento sobre sua atuação, tomando parte das decisões de forma ativa e participativa.

Aqui no Lunetas, acreditamos que uma educação integração prevê a participação afetiva e social de todos os atores envolvidos na vida da criança, envolvendo professores, coordenadores de ensino, pedagogos e adultos responsáveis por ela. As escolas, desde a educação infantil, precisam buscar práticas educadoras que dialoguem com todas as dimensões do desenvolvimento de uma criança (físico, emocional, social, simbólico e intelectual). O antigo modelo de escolas puramente conteudistas, não dá conta desse objetivo. Leia mais sobre o assunto aqui.

“Se você julgar que o/a professor/a do seu filho tem alguma conduta inadequada, seja ela relacionada a doutrinação ou qualquer outro aspecto, por favor, vá a escola e converse com ele/a. Se for necessário, fale com a coordenação pedagógica, ou até com a direção. Se precisar, leve a questão para o conselho escolar”, defende Gabriela Moriconi, pesquisadora da Fundação Carlos Chagas. Para ela, qualquer questão que seja vista como inadequada tanto pelo estudante quanto pela família pode ser resolvida com diálogo propositivo e ação participativa.

“Nós, mães e pais, e todos os participantes das equipes escolares precisamos ser exemplos para que as nossas crianças e adolescentes aprendam a resolver conflitos pelo diálogo”

“Diversas pesquisas já apontaram a importância das relações de confiança e de um clima escolar positivo para a aprendizagem e o desenvolvimento dos alunos. Vamos nos esforçar para fortalecer esses aspectos”, afirma.

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