‘Escolarizar a educação infantil pode custar muito às crianças’

Neste Dia Mundial da Alfabetização, conversamos com o especialista João Batista Araujo. Afinal, o que é verdadeiramente aprender a ler e escrever?

Renata Penzani Publicado em 06.09.2018

Resumo

Neste Dia Mundial da Alfabetização, conversamos com o especialista João Batista Araujo e Oliveira. Afinal, o que é verdadeiramente aprender a ler e escrever? "Infelizmente, esse processo vem sendo relegado no Brasil nos últimos quarenta anos – e os resultados estão aí".

Crianças vivem nos puxando para fora de nossas certezas de adulto para nos mostrar que as coisas nem sempre são como achamos que são. A alfabetização infantil é uma dessas coisas. Se você já leu a história do menino Gabriel, de cinco anos, e seu “bilete”, sabe bem do que estamos falando.

Aprender a ler e escrever é mais do que decodificar palavras e sons e transformá-los em linguagem escrita e apreendida. Circular por um ambiente rico em práticas sociais de leitura e escrita, ou seja, onde as pessoas do convívio experenciem, democratizem e valorizem a palavra e suas múltiplas possibilidades de existir; é algo que traz para a criança muito mais do que um aprendizado estanque com valor escolar, e sim um mundo de potências em que se comunicar é uma conquista de autonomia. Assim, a alfabetização não acontece só dentro da escola; ao contrário, ela tem início em toda experiência de linguagem da criança, daí a importância de oferecer acesso a livros, palavras e letras nos mais diferentes contextos.

Para trazer luz ao assunto no Dia da Alfabetização, que é comemorado neste próximo sábado, 8 de setembro, conversamos com João Batista Araujo e Oliveira, especialista em alfabetização, aprendizagem e desenvolvimento infantil. Psicólogo, Ph.D. em Pesquisa Educacional pela Florida State University e presidente do Instituto Alfa e Beto, o professor acaba de fazer sua estreia na literatura infantil, com a coleção de livros “Destrava Língua”, que está sendo lançada este mês pela Alfa e Beto Soluções.

“Pré-escola não deve ser uma escola que vem antes da outra – deve ser um espaço com espaço de desenvolvimento.”

Ilustrada pelo premiado Guilherme Karsten, a coleção é composta por cinco livros que partem da riqueza da Língua Portuguesa para estimular a curiosidade dos pequenos de brincar com as palavras – “Aqui há sapato, aqui assa pão”, “A volta dos três tigres tristes”, “Heitor leitor”,”A arara rara” e “Gato e rato em quatro atos”.

Conheça os livros

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 “Aqui há sapato, aqui assa pão”

O Tico cata o toco e taca na toca. Enquanto isso, o gato ataca o taco e vira caco. O santo no canto canta o canto santo e o louco coloca o coco no colo. Por pouco o coco não cola no colo do louco! Ainda tem o gato da tia Mia, que mia pra tia todo o dia. E tem também outro gato, que correu atrás do rato e foi parar no meio do mato.

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“A volta dos três tigres tristes”

Três tigres tristes caminham pela trilha de Trieste. Eles estão em busca dos pratos de trigo. No meio do caminho, encontram três patos de Petrópolis e acabam ficando sem trajes. Você pode até achar que conhece esta história, mas aposto que contada desta forma você nunca ouviu – nem leu! Aqui tem também a história do pato que pia… Mas, pato pia? Não sei, mas sei que só paga o pato quem pia.

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 “Heitor leitor”

Heitor é um menino que não gosta nada de ler. Mas ele é amigo de Lia, uma leitora e tanto! Lia tenta de tudo para transformar Heitor em leitor: livro de aventuras, de histórias; leitura sozinho ou acompanhado. Quem sabe num sofá fofinho ou numa praia quentinha? Mas nada faz Heitor virar leitor. Até que… Lia descobre o segredo da leitura! Você imagina qual é?

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“A arara rara”

Iara é uma arara rara. Quando fala ela dispara. Não para, não cala. Como fala a arara rara! De tanto zombar da capivara, a Iara se meteu em confusão. Mas a arara não se emenda e continua aprontando com toda a bicharada! E você, sabe de onde vem a arara Iara?

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“Gato e rato em quatro atos”

Sou um rato famoso, roí a roupa do rei, da Rainha, do Rômulo e também do Remo. Roedor real, roedor nato. Mas corre que lá vem o gato. Artista, malabarista, equilibrista e candidato a cuidar do sindicato. Confusão formada. Entre o gato e o rato… o rato ou o gato? Desempato, diz o pato. Neste ato, não tem rato nem gato!

Alfabetização = práticas sociais de leitura e escrita

Um dos pontos de destaque das obras é que elas se dirigem para todas as idades, não se restringindo ao que se considera ser uma criança em fase de alfabetização. Assim, incluem-se nesse grupo as mães, pais, cuidadores e educadores que se interessam em favorecer a aproximação das crianças do mundo das letras.

Em entrevista ao Lunetas, o pesquisador falou sobre educação infantil, leitura na primeira infância e sobre os impactos da excessiva escolarização da criança.

Leia a entrevista com João Batista Araujo e Oliveira

  • Lunetas – O tempo e conceito “alfabetização da educação moderna” nem sempre está alinhado com as possibilidades de letramento da criança, como mostra o recente caso do menino Gabriel, de 5 anos, que escreveu um bilhete para a professora. O que acha sobre isso?

João Batista Araujo e Oliveira – O bilhete do Gabriel comporta diferentes leituras – além do óbvio fato que ele pertence ao pequeno grupo de crianças que consegue se alfabetizar por conta própria. Uma dessas leituras é a ideia de que criança de cinco anos tem “aula” e já quer inventar desculpas para não ir à aula.

“No Brasil, nós escolarizamos a educação infantil – e isso poderá custar muito às crianças”

Pré-escola não deve ser uma escola que vem antes da outra – deve ser um espaço de estímulos ricos e calibrados para favorecer o desenvolvimento da criança. Não deve ser visto como um lugar de ter aulas – muito menos de ser preterido por conta de um suposto feriado.

Agora vamos ao tema. A grande maioria das crianças que vive em um ambiente letrado – com pessoas que leem, falam sobre livros, brincam com as palavras, rimas, aliterações, assonâncias, onomatopeias e que têm acesso a livros – desenvolve motivação para aprender a ler. Mas só motivação não basta – há outros requisitos como o conhecimento das letras – que também pode e deve decorrer do contato com leitura e livro. Com esse dois ingredientes algumas poucas crianças, como o Gabriel, aprendem a ler.

A maioria das crianças, além disso, precisa ser alfabetizada. As evidências científicas disponíveis sobre o tema sugerem ser essencial um processo sistemático e explícito para a criança aprender o funcionamento do código alfabético e os rudimentos da ortografia.

“Infelizmente, esse processo vem sendo relegado no Brasil nos últimos quarenta anos – e os resultados estão aí”

Alfabetização no Brasil

A taxa de analfabetismo continua diminuindo no Brasil, mas em 2017 ainda alcançava 7% da população de mais de 15 anos, cerca de 11,5 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE.  De acordo com um relatório da Unesco de 2016, o Brasil é o país sul-americano com a maior taxa de analfabetismo.

  • Lunetas – Qual a importância da literatura nesse processo?

João Batista – A leitura, incluindo a literatura, é importante nesse processo. É importante ler para e com as crianças, desde o berço. Ler e conversar com as crianças é importante; ler livros bons, histórias divertidas e interessantes, bem ilustradas. Mas também ler livros informativos, ler receitas, ler notícias no celular ou em revistas e jornais. E, claro, ler os clássicos, em suas versões infantis.

  • Lunetas – Para as crianças que ainda não são letradas, ouvir histórias como essa contribuem? Pode falar sobre isso?

João Batista – Antes de responder eu gostaria de fazer uma observação sobre a palavra “letrada”. Se usarmos o sentido do dicionário, letrada é uma pessoa culta, e não é bem disso que estamos falando aqui, certo? Então, entendo que o propósito é dizer que as crianças ainda não foram alfabetizadas.

“A leitura desde o berço ajuda o processo de alfabetização em vários sentidos”

Numa pesquisa que fizemos em Boa Vista, cujos resultados foram publicados na revista norte-americana Pediatrics, no final do ano passado, ensinamos os pais de programas Bolsa Família a ler com seus filhos. Um dos efeitos mais marcantes do experimento foi a mudança do relacionamento dos pais com os filhos e a redução da violência doméstica – os pais aprenderam novas formas de se relacionar com seus filhos.

“Os livros podem ser excepcionais instrumentos de mediação das interações das crianças entre si e com adultos”

Além, claro, de suas contribuições para desenvolver a atenção, concentração, vocabulário, sintaxe, senso de cronologia e um repertório de conhecimentos que poderá ser muito útil para o progresso escolar.

Coleção “Destrava Língua”, de João Batista Araujo e Oliveira e Guilherme Karsten. Alfa e Beto Soluções 

Para os pequenos, muita risada garantida na Coleção Destrava Língua cheia de figuras de linguagem para divertir e aprender. Vamos ver quem lê melhor? Pai, irmão, mãe, avó, avô. Será que empata? Ou empaca?

Quem já sabe ler vai descobrir como uma palavra puxa a outra, no embalo da mesma letra. Para os craques na leitura, a brincadeira pode ser a pressa. Falar tudo bem rápido sem ficar no meio do caminho. Dá para ir e voltar, muitas vezes. Treinar e deixar a língua bem afiada.

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