Neste Dia Mundial da Alfabetização, conversamos com o especialista João Batista Araujo. Afinal, o que é verdadeiramente aprender a ler e escrever?
Neste Dia Mundial da Alfabetização, conversamos com o especialista João Batista Araujo e Oliveira. Afinal, o que é verdadeiramente aprender a ler e escrever? "Infelizmente, esse processo vem sendo relegado no Brasil nos últimos quarenta anos – e os resultados estão aí".
Crianças vivem nos puxando para fora de nossas certezas de adulto para nos mostrar que as coisas nem sempre são como achamos que são. A alfabetização infantil é uma dessas coisas. Se você já leu a história do menino Gabriel, de cinco anos, e seu “bilete”, sabe bem do que estamos falando.
Aprender a ler e escrever é mais do que decodificar palavras e sons e transformá-los em linguagem escrita e apreendida. Circular por um ambiente rico em práticas sociais de leitura e escrita, ou seja, onde as pessoas do convívio experenciem, democratizem e valorizem a palavra e suas múltiplas possibilidades de existir; é algo que traz para a criança muito mais do que um aprendizado estanque com valor escolar, e sim um mundo de potências em que se comunicar é uma conquista de autonomia. Assim, a alfabetização não acontece só dentro da escola; ao contrário, ela tem início em toda experiência de linguagem da criança, daí a importância de oferecer acesso a livros, palavras e letras nos mais diferentes contextos.
Para trazer luz ao assunto no Dia da Alfabetização, que é comemorado neste próximo sábado, 8 de setembro, conversamos com João Batista Araujo e Oliveira, especialista em alfabetização, aprendizagem e desenvolvimento infantil. Psicólogo, Ph.D. em Pesquisa Educacional pela Florida State University e presidente do Instituto Alfa e Beto, o professor acaba de fazer sua estreia na literatura infantil, com a coleção de livros “Destrava Língua”, que está sendo lançada este mês pela Alfa e Beto Soluções.
“Pré-escola não deve ser uma escola que vem antes da outra – deve ser um espaço com espaço de desenvolvimento.”
Ilustrada pelo premiado Guilherme Karsten, a coleção é composta por cinco livros que partem da riqueza da Língua Portuguesa para estimular a curiosidade dos pequenos de brincar com as palavras – “Aqui há sapato, aqui assa pão”, “A volta dos três tigres tristes”, “Heitor leitor”,”A arara rara” e “Gato e rato em quatro atos”.
O Tico cata o toco e taca na toca. Enquanto isso, o gato ataca o taco e vira caco. O santo no canto canta o canto santo e o louco coloca o coco no colo. Por pouco o coco não cola no colo do louco! Ainda tem o gato da tia Mia, que mia pra tia todo o dia. E tem também outro gato, que correu atrás do rato e foi parar no meio do mato.
Três tigres tristes caminham pela trilha de Trieste. Eles estão em busca dos pratos de trigo. No meio do caminho, encontram três patos de Petrópolis e acabam ficando sem trajes. Você pode até achar que conhece esta história, mas aposto que contada desta forma você nunca ouviu – nem leu! Aqui tem também a história do pato que pia… Mas, pato pia? Não sei, mas sei que só paga o pato quem pia.
Heitor é um menino que não gosta nada de ler. Mas ele é amigo de Lia, uma leitora e tanto! Lia tenta de tudo para transformar Heitor em leitor: livro de aventuras, de histórias; leitura sozinho ou acompanhado. Quem sabe num sofá fofinho ou numa praia quentinha? Mas nada faz Heitor virar leitor. Até que… Lia descobre o segredo da leitura! Você imagina qual é?
Iara é uma arara rara. Quando fala ela dispara. Não para, não cala. Como fala a arara rara! De tanto zombar da capivara, a Iara se meteu em confusão. Mas a arara não se emenda e continua aprontando com toda a bicharada! E você, sabe de onde vem a arara Iara?
Sou um rato famoso, roí a roupa do rei, da Rainha, do Rômulo e também do Remo. Roedor real, roedor nato. Mas corre que lá vem o gato. Artista, malabarista, equilibrista e candidato a cuidar do sindicato. Confusão formada. Entre o gato e o rato… o rato ou o gato? Desempato, diz o pato. Neste ato, não tem rato nem gato!
Um dos pontos de destaque das obras é que elas se dirigem para todas as idades, não se restringindo ao que se considera ser uma criança em fase de alfabetização. Assim, incluem-se nesse grupo as mães, pais, cuidadores e educadores que se interessam em favorecer a aproximação das crianças do mundo das letras.
Em entrevista ao Lunetas, o pesquisador falou sobre educação infantil, leitura na primeira infância e sobre os impactos da excessiva escolarização da criança.
João Batista Araujo e Oliveira – O bilhete do Gabriel comporta diferentes leituras – além do óbvio fato que ele pertence ao pequeno grupo de crianças que consegue se alfabetizar por conta própria. Uma dessas leituras é a ideia de que criança de cinco anos tem “aula” e já quer inventar desculpas para não ir à aula.
“No Brasil, nós escolarizamos a educação infantil – e isso poderá custar muito às crianças”
Pré-escola não deve ser uma escola que vem antes da outra – deve ser um espaço de estímulos ricos e calibrados para favorecer o desenvolvimento da criança. Não deve ser visto como um lugar de ter aulas – muito menos de ser preterido por conta de um suposto feriado.
Agora vamos ao tema. A grande maioria das crianças que vive em um ambiente letrado – com pessoas que leem, falam sobre livros, brincam com as palavras, rimas, aliterações, assonâncias, onomatopeias e que têm acesso a livros – desenvolve motivação para aprender a ler. Mas só motivação não basta – há outros requisitos como o conhecimento das letras – que também pode e deve decorrer do contato com leitura e livro. Com esse dois ingredientes algumas poucas crianças, como o Gabriel, aprendem a ler.
A maioria das crianças, além disso, precisa ser alfabetizada. As evidências científicas disponíveis sobre o tema sugerem ser essencial um processo sistemático e explícito para a criança aprender o funcionamento do código alfabético e os rudimentos da ortografia.
“Infelizmente, esse processo vem sendo relegado no Brasil nos últimos quarenta anos – e os resultados estão aí”
João Batista – A leitura, incluindo a literatura, é importante nesse processo. É importante ler para e com as crianças, desde o berço. Ler e conversar com as crianças é importante; ler livros bons, histórias divertidas e interessantes, bem ilustradas. Mas também ler livros informativos, ler receitas, ler notícias no celular ou em revistas e jornais. E, claro, ler os clássicos, em suas versões infantis.
João Batista – Antes de responder eu gostaria de fazer uma observação sobre a palavra “letrada”. Se usarmos o sentido do dicionário, letrada é uma pessoa culta, e não é bem disso que estamos falando aqui, certo? Então, entendo que o propósito é dizer que as crianças ainda não foram alfabetizadas.
“A leitura desde o berço ajuda o processo de alfabetização em vários sentidos”
Numa pesquisa que fizemos em Boa Vista, cujos resultados foram publicados na revista norte-americana Pediatrics, no final do ano passado, ensinamos os pais de programas Bolsa Família a ler com seus filhos. Um dos efeitos mais marcantes do experimento foi a mudança do relacionamento dos pais com os filhos e a redução da violência doméstica – os pais aprenderam novas formas de se relacionar com seus filhos.
“Os livros podem ser excepcionais instrumentos de mediação das interações das crianças entre si e com adultos”
Além, claro, de suas contribuições para desenvolver a atenção, concentração, vocabulário, sintaxe, senso de cronologia e um repertório de conhecimentos que poderá ser muito útil para o progresso escolar.
Coleção “Destrava Língua”, de João Batista Araujo e Oliveira e Guilherme Karsten. Alfa e Beto Soluções
Para os pequenos, muita risada garantida na Coleção Destrava Língua cheia de figuras de linguagem para divertir e aprender. Vamos ver quem lê melhor? Pai, irmão, mãe, avó, avô. Será que empata? Ou empaca?
Quem já sabe ler vai descobrir como uma palavra puxa a outra, no embalo da mesma letra. Para os craques na leitura, a brincadeira pode ser a pressa. Falar tudo bem rápido sem ficar no meio do caminho. Dá para ir e voltar, muitas vezes. Treinar e deixar a língua bem afiada.
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Alfabetização no Brasil
A taxa de analfabetismo continua diminuindo no Brasil, mas em 2017 ainda alcançava 7% da população de mais de 15 anos, cerca de 11,5 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas – IBGE. De acordo com um relatório da Unesco de 2016, o Brasil é o país sul-americano com a maior taxa de analfabetismo.