É bullying ou birra? Como diferenciar o comportamento da criança

Especialistas em educação e psicologia explicam se crianças até os sete anos praticam bullying ou se as brigas são passageiras e apenas precisam de mediação

Célia Fernanda Lima Publicado em 07.11.2025
Imagem de capa de matéria sobre as diferenças enter bullying ou birra mostra uma menina branca de cabelos lisos com as mãos no rosto.
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Resumo

Especialistas dizem que existe um antes e um depois no desenvolvimento cognitivo das crianças quando compreendem que estão em um conflito. Para eles, os adultos precisam mediar e identificar se as brigas entre as crianças são birras ou bullying.

Imagine a cena: duas crianças puxando um mesmo brinquedo ou se empurrando para garantir a vez no parquinho. Disputas como essas são comuns, principalmente antes dos sete anos, quando ainda estão na “fase egocêntrica”, como afirma a neurociência. Mas como saber até onde um empurrão, uma mordida e aqueles beliscões entre as crianças pequenas não passam de brigas pontuais? Será que elas já são capazes de praticar bullying?

Segundo Marcelle Alfinito, psicóloga especialista em psiquiatria da criança e do adolescente, é a partir dos 7 ou 8 anos que a prática de bullying pode surgir. “Antes disso, o que ocorre são birras e disputas momentâneas”. Isso porque a primeira infância marca o pensamento pré-operatório, defendida por Jean Piaget como uma fase de egocentrismo e de dificuldade em compreender o ponto de vista do outro.

Depois disso, a criança entra em uma nova fase cognitiva e social. “Ela chega no estágio das ‘operações concretas’, quando compreende melhor as regras, as hierarquias e as dinâmicas de grupo”, explica Marcelle. Nesse momento, surgem também as noções de justiça, pertencimento e posição, elementos que, segundo a psicóloga, podem fazer uma criança excluir a outra. “Nessa idade, ela é capaz de entender o impacto de suas ações e de usar isso de forma estratégica, especialmente quando há busca por afirmação dentro do grupo.”

No entanto, as brigas e o bullying não aparecem de repente. Marcelle aponta que meninas e meninos seguem padrões de comportamento aprendidos durante a interação nos primeiros anos. “A mediação e o exemplo dos adultos são decisivos para o avanço das habilidades socioemocionais.”

Qual a diferença entre a birra e o bullying?

Enquanto as birras se limitam à uma explosão emocional, com gritos ou pequenas agressões, o bullying é um comportamento repetitivo e com claras intenções. A psicopedagoga Andrea Nasciutti, especialista em combate ao bullying, conta que as crianças menores apresentam comportamentos desafiadores quando contrariadas.

“Como ainda ainda não desenvolveram a habilidade de coordenar perspectivas e pensar em nível mais abstrato, os comportamentos impulsivos prevalecem”, diz. Esses conflitos fazem parte da convivência e, segundo ela, são saudáveis quando a criança aprende a resolver com tolerância, respeito e diálogo.

Por outro lado, o bullying é uma violência mais séria, com efeitos diretos à saúde mental dos envolvidos, sobretudo das vítimas. “Ele está relacionado a um desequilíbrio nas percepções de valor. Isso é, o alvo se entende como alguém com menos valor dentro do grupo e recebe violência sem conseguir se defender”, exemplifica Andrea.

Existem também outros elementos característicos do bullying, como uma plateia que observa e não interfere; o agressor, que precisa da plateia para se sentir superior; e a vítima, que sofre sem se defender.

Neste cenário, as agressões podem ser físicas, verbais ou psicológicas, e são consideradas crime, conforme a lei anti-bullying, com pena de reclusão de dois a quatro anos e multa.

Imagem mostra uma tabela branca e azul com as diferenças entre bullyin e birra.

Como a família pode ajudar?

A relação com a família é fundamental para a criança aprender atitudes sociais respeitosas e evitar comportamentos violentos como o bullying. Marcelle Alfinito afirma que “ao ensinar empatia, cooperação e resolução de conflitos, fortalecemos as bases emocionais e éticas da criança. Isso, então, reduz a probabilidade de comportamentos de bullying mais adiante.”

A psicóloga aponta que o papel do adulto é de mediador. Ele pode ajudar a criança a traduzir suas emoções em palavras e em comportamentos socialmente adequados. “Se a criança bate, empurra ou exclui, o que está em jogo não é crueldade, mas a falta de repertório emocional e de autorregulação”, argumenta. “Essa inteligência emocional começa a ser moldada na primeira infância.”

Andrea Nasciutti aponta que o bullying está relacionado a valores invertidos, onde o autor considera mais importante “ser popular ou fortão” do que ser “justo ou respeitoso”. Por isso, antes de chegar na escola, os responsáveis precisam trabalhar desde cedo o respeito, tanto em conversas quanto nas ações.

“As crianças aprendem mais observando do que só ouvindo. É necessário agir de forma respeitosa em casa e nas situações do dia-a-dia.” – Andrea Nasciutti, psicopedagoga.

E as escolas?

Segundo a psicopedagoga, o cuidado diante das brigas das crianças começa a ser dividido a partir dos anos escolares. Isso porque as instituições assumem “a responsabilidade legal em agir preventivamente e interventivamente nos casos de bullying.”

Dessa forma, Andrea afirma que “a escola deve estar atenta aos estudantes em isolamento, verificar se há conflitos pontuais ou situações recorrentes para agir em parceria com as famílias e prever suporte.”

Por isso, antes de rotular, vale entender em que fase do desenvolvimento estão as crianças que travam o conflito. O que é colocado como “agressividade”, muitas vezes é um pedido de ajuda em forma de empurrão. Paciência com quem está aprendendo, sempre. O cuidado começa na escuta e no reconhecimento de que quase toda birra é, antes de tudo, um ensaio de comunicação.

Como lidar na prática? 

  • Estar atento às brigas das crianças;
  • Mediar conflitos;
  • Ensinar resoluções pelo diálogo;
  • Adotar estratégias de cooperação;
  • Ser gentil e respeitoso.

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