Rede de apoio: cuidar de uma criança não é só tarefa dos pais

Falar em responsabilidade compartilhada não é delegar funções, mas sim entender que o cuidado com a infância é um termômetro da saúde de uma sociedade

Martha Lopes Publicado em 31.03.2017

Resumo

O que é rede de apoio? O que ela significa? De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal, o Estado, a sociedade e a família têm o dever de assegurar todos os direitos e garantias às crianças: saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, cultura, entre outros.

“Cadê a mãe dessa criança?” É comum ouvirmos frases como essa no momento em que um menino ou uma menina se machucam ou desestabilizam a ordem em algum lugar. É à mãe, e com menos frequência ao pai, que o senso comum atribui a responsabilidade pelos atos e pelos cuidados com uma criança.

Por outro lado, ganha força o provérbio “É preciso uma vila inteira para criar uma criança”. Ele surgiu na Nigéria, mas tem formas variadas em diversos países da África. Na Tanzânia, por exemplo, se diz que “Um só joelho não ampara uma criança”, enquanto em regiões da África central e ao leste há o ditado “Uma só mão não nina uma criança”.

A mensagem por trás desses dizeres é de que a responsabilidade envolvida nos cuidados com um bebê não é só dos pais, mas de toda a sua família e da comunidade, que participam ativamente da educação infantil. Aliás, é comum, em países do continente africano, que as crianças passem longos períodos com avós, tios e tias. Os pequenos são considerados bênçãos divinas para toda a comunidade.

Direitos da criança 

Já no Brasil, a legislação teve que garantir esse cuidado com os meninos e meninas. De acordo com o artigo 227 da Constituição Federal, o Estado, a sociedade e a família têm o dever de assegurar todos os direitos e garantias às crianças, como prioridade absoluta – o que vale para atendimento de saúde, alimentação, educação, esporte, lazer, cultura, dignidade, respeito, entre outros.

A fim de conscientizar e pressionar o poder público pelo cumprimento desse artigo, surgiu a ação Prioridade Absoluta, criada pelo Instituto Alana. O advogado Guilherme Perisse conta que o artigo surgiu como uma proposta de iniciativa popular. “Pelo fato de as crianças estarem em uma fase de desenvolvimento biopsicossocial peculiar, é fundamental garantir esses direitos, que, se não são garantidos desde o início da vida, podem ter impactos severos”, explica.

Nesse sentido, o Prioridade Absoluta busca sensibilizar e mobilizar profissionais do direito com relação aos direitos da criança. O projeto também desenvolve ações de mobilização. Por exemplo, no Carnaval, não só pressionou prefeituras a criarem iniciativas de combate ao trabalho infantil e à violência sexual, como disponibilizou um modelo de carta que qualquer cidadão podia usar para questionar as ações junto à gestão do município. “O principal é cobrar as instituições para que cumpram as leis”, fala Guilherme.

Responsabilidade compartilhada: as creches parentais

Hoje, vemos uma série de novas soluções empregadas para proporcionar cuidados compartilhados com as crianças, fugindo da opção pela creche convencional ou pela babá. A Casa Viva Creche Parental, em Niterói (RJ), é um bom exemplo. A iniciativa surgiu há mais de dois anos a partir de famílias que se conheceram em grupos ligados à defesa do parto humanizado.

Atualmente, dez famílias se dividem em turnos de quatro horas para cuidar de crianças de um a quatro anos. Cada grupo de pequenos tem o acompanhamento de três pais e um cuidador. O aluguel da casa onde estão alocados e todas as despesas da creche são divididas entre as famílias.

De acordo com Rafaela Nunes, mãe de uma menina de dois anos que frequenta o espaço, há muitos benefícios em criar uma solução como essa.

“A educação é feita de uma forma mais consciente. Para os pais, o convívio com outras crianças e com outros adultos, participando da educação dos pequenos, é de um aprendizado muito grande. E para as crianças é muito benéfico, porque acabamos virando uma grande família. Gera uma ideia de comunidade, contribuição e compartilhamento muito maior”.

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Divulgação/Casa de Viver

No coworking Casa de Viver, na Vila Mariana, em São Paulo, pais trabalham enquanto as crianças brincam.

Em São Paulo (SP), outro modelo é o do coworking familiar, em que os pais podem trabalhar enquanto os filhos recebem cuidados e brincam com outras crianças, como é o caso da Casa de Viver. Carina Borrego, sócia e idealizadora da ação, conta que o projeto surgiu em 2013, quando fez uma transição profissional. “Minha filha tinha cinco anos e eu trabalhava em algo que não tinha muito a ver comigo. Na época, lia muito sobre economia colaborativa e coworkings e pensava: ‘Imagine que legal um espaço em que pais pudessem trabalhar e levar os filhos?'”.

Hoje, em uma casa no bairro da Vila Mariana, o andar de cima dá lugar a um escritório compartilhado enquanto os 65 metros quadrados de baixo são destinados para que as crianças brinquem livremente, com acompanhamento de cuidadoras. Além disso, o local sedia eventos sobre maternidade, desenvolvimento infantil e empreendedorismo materno.

Para Carina, a Casa de Viver é um espaço “que integra tudo que é importante, para viver integralmente, para trabalhar sem abrir mão de estar perto do filho e ainda ter a chance de se cuidar e fazer atividades de bem-estar”. Segundo a idealizadora, que tem três filhos que frequentam o espaço, há muitos benefícios nessa convivência coletiva: “As crianças estão crescendo juntas e assim vamos criando laços. Temos encontros periódicos para falar sobre o desenvolvimento dos nossos filhos, ouvimos as cuidadoras e entendemos que cada criança tem seu tempo. Se alguém está com problema, todo mundo ajuda. Isso é bem legal”.

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