Pesquisa revela o que crianças pensam sobre mudanças climáticas

A partir de uma metodologia de escuta sensível voltada às crianças, material traz achados sobre a relação entre infâncias e clima

Eduarda Ramos Publicado em 26.10.2022
Um grupo multiétnico de crianças conversa em uma roda, acompanhadas de uma educadora.
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Resumo

As pesquisas “Por um método de escuta sensível das crianças” e “Escuta de crianças sobre a natureza e as mudanças climáticas” abordam a relação entre crianças e crise climática, utilizando uma metodologia de escuta sensível.

Será que estamos ouvindo de verdade nossas crianças ou assumimos condutas adultocêntricas ao lidar com elas? Será que consideramos que as infâncias são múltiplas e possuem diferentes formas de expressão? É com estes questionamentos que Pedro Hartung, diretor de Políticas e Direitos da Infância do Instituto Alana, abre o evento de lançamento dos sumários executivos “Por um método de escuta sensível das crianças” e “Escuta de crianças sobre a natureza e as mudanças climáticas”, que aconteceu de forma híbrida nesta terça-feira (25). 

Em um trabalho desenvolvido entre 2018 e 2020, Ana Claudia “Cacau” Leite e Gandhy Piorski entrevistaram crianças com diversos perfis (de gênero, étnico-raciais, socioeconômicos), de quatro a 12 anos, de cinco cidades brasileiras: São Paulo (SP), Porto Alegre (RS), Brasília (DF), Recife (PE) e Boa Vista (RO). Com apoio do Instituto Alana e da Fundação Bernard Van Leer, o ponto de partida da pesquisa foi o interesse na perspectiva das crianças perante o impacto das mudanças climáticas em suas vidas e nas futuras gerações. Como as crianças se manifestam e exprimem seus pensamentos sobre o tema? Nem sempre pela fala e escrita, mas também por meio de desenhos, artefatos feitos à mão, pinturas e muita imaginação no processo criativo de cada uma.

“As crianças captam muito mais o intangível, aspectos do tempo que não estão nessa simples relação de passado, presente, futuro e em outras instâncias, na infinitude e eternidade” – Gandhy Piorski

Para Cacau Leite, “as crianças se expressam por várias linguagens e habitam um outro território, em que o brincar é uma linguagem essencial, fazendo com que suas relações com o tempo, espaço e outros temas que nos cercam sejam diferentes das que os adultos mantêm. A partir dessa premissa das sutilezas da linguagem infantil, o processo de escuta com as crianças foi realizado por meio de oficinas desenvolvidas em dois formatos:

  • Imersiva, em dias consecutivos, com quatro encontros de três horas, totalizando 12 horas;
  • E aprofundada, com intervalo de uma semana entre dois ciclos de quatro encontros cada uma, totalizando 24 horas.

Para desenvolver o método, os dois maiores desafios no processo de escuta foram criar condições para que as crianças se expressem de modo livre e buscar sentidos além da superfície para as produções dos pequenos. As pesquisas também tiveram como objetivo sistematizar e compartilhar a metodologia criada, a fim de inspirar outras iniciativas comprometidas com a perspectiva das crianças.

Achados e perspectivas infantis sobre crise climática

Cacau explica que abordar o tema “mudanças climáticas” com as crianças partiu de uma base comum: falar sobre natureza. A maioria das criações de brincadeiras ao ar livre feitas pelos pequenos representa sonhos de lugares ideais ou memórias de experiências em contato com ambientes naturais – mais do que necessariamente o convívio diário nestes espaços. 

A partir de brincadeiras, histórias, desenho, composição de objetos, modelagem e criação de narrativas desenvolveu-se um conjunto de atividades que foram experimentadas de formas diferentes entre as cidades. A escuta gerou um acervo composto por 395 produções realizadas pelas crianças – a seguir, algumas das perspectivas infantis disponíveis na pesquisa:

  • Teia da vida

Em uma atividade que buscou evocar pensamentos elementares sobre a natureza e como as crianças se veem nela ou em relação a ela, um menino de oito anos de Boa Vista sintetizou um desenho com o título “Vida”. Ele explica que o desenho se chama “Vida” pela “natureza ser um tipo de vida”, sentindo-se livre nela, com o vento, sol, uma garça, peixes, água e um pouco de improviso.

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Sumário executivo "Escuta de crianças sobre a natureza e as mudanças climáticas"

“Tudo isso representa uma vida e vários elementos” – Menino de Boa Vista

  • Retorno ao primitivo

A pesquisa explica que um dos aspectos da temática de retorno ao primitivo é o das destruições em massa ou privações extremas. A partir do questionamento “Está acontecendo algo no planeta Terra, mas não sabemos o que é. Vocês precisam criar alguma coisa que descubra o que se passa e traga respostas, soluções”, um menino de oito anos, de Recife, criou uma espécie de arma de sono, em que “o canhão lança uma bomba de gás e todos dormem em paz”. 

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Sumário executivo "Escuta de crianças sobre a natureza e as mudanças climáticas"

Arma de sono criada por menino de Recife

  • Drama ético

Aqui, as crianças atribuem boa parte dos problemas da natureza e das cidades ao comportamento humano. Um dos artefatos criados pelos pequenos foi o “Pato joinha”, capaz de deixar as pessoas felizes – incluindo o próprio criador mirim.

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Sumário executivo "Escuta de crianças sobre a natureza e as mudanças climáticas"

“Eu fiz um pato joinha que faz as pessoas ficarem felizes… algumas pessoas toda hora fica triste… coisas ruim… lembra de coisa ruim… eu toda hora lembro de uma coisa ruim… uma coisa triste… aí o pato joinha deixa as pessoas felizes” (menino de cinco anos, de Brasília)

O Brasil possui aproximadamente 35,5 milhões de crianças no país, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua de 2018. Destas, 56,7% são negras (pretas e pardas), 42,4% brancas e 0,9% amarelas ou indígenas. Para cada 100 habitantes brasileiros, 17 são crianças. Pedro Hartung endossa que “talvez a gente precise se educar novamente para ouvir as crianças”, já que “o adultocentrismo coloca sempre a criança em um lugar menor”, mesmo elas compondo uma parcela expressiva da população.

Para Gandhy Piorski, as políticas públicas precisam ter “sensibilidade em sua formulação e percepção, porque precisamos olhar o que impacta a constituição das crianças”. O coordenador reforça que a multiplicidade de olhares das crianças “revelam os processos que estamos fazendo no planeta e que impactam no que as constituem”, tornando a pesquisa um bom caminho para sensibilizar as pessoas para as perspectivas dos pequenos sobre mudanças climáticas. 

“As crianças não falam de um lugar comum que insistimos em colocá-las, não como se fossem seres especiais, mas porque estão em um processo de se encaixar no tempo e espaço” – Gandhy Piorski

As pesquisas também estão disponíveis em inglês no site do Instituto Alana.

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