Em Maceió, faltam espaços de lazer para os pequenos exercerem o livre brincar e desenvolverem sua formação como cidadãos
Na capital alagoana, a dificuldade no acesso e a falta de qualidade dos espaços de lazer destinados ao público infantil evidenciam as desigualdades existentes entre crianças que moram em bairros de condições socioeconômicas distintas
A estudante Luíza Tenório espera apenas o sol dar os primeiros sinais de que está indo embora para poder proporcionar momentos de lazer ao ar livre para a filha, Liz, de 1 ano e meio. Do edifício onde moram, no bairro Ponta Verde, em Maceió (AL), caminham por poucos metros em direção a uma das praças, lugar que faz a alegria da pequena. Lá, ela encontra os amigos, brinca de correr sem preocupação e aproveita todos os momentos, como deve ser. Como uma pequena cidadã, Liz exerce o seu direito à cidade.
“Como popularmente falamos, ela se torna uma criança ‘raiz’. Brinca descalça na praça, na areia, cai, levanta e se diverte”, conta Luíza.
“Moramos perto, mas as ruas que nos levam até a outra praça não têm infraestrutura, há desníveis no solo. Quando a gente vai com o carrinho de bebê, alguns motoristas nos atrapalham e estacionam nas rampas de acesso”, acrescenta.
Apesar de enfrentar dificuldades de estrutura, o bairro de Ponta Verde possui um dos metros quadrados mais valorizados da capital alagoana e está em melhor situação se comparado a outras regiões da cidade quando o assunto é o acesso das crianças aos espaços de lazer.
A nove quilômetros dali, em Ponta Grossa, periferia de Maceió, a realidade é bem diferente. O pequeno Bernardo, de 7 anos, que o diga. “A praça é ruim, no escorrega tem esta barreira que machuca. Não tem nada aqui! Teve uma vez que eu ralei ali, aí fiquei com medo do ‘rela rela’ [escorregador]”, conta.
A economista Tâmara Soares, mãe de Bernardo, frequentava as praças do bairro quando criança. Tudo ficou apenas na lembrança. Hoje, ela lamenta por Bernardo não ter vivido a mesma experiência. A estrutura da praça mais próxima de casa, ou melhor, a falta dela, deixa o pequeno receoso na hora de brincar.
“Aqui é bem inseguro para as crianças porque falta manutenção. Os degraus até o escorrega estão soltos, o ferro está aparente e os balanços têm a estrutura enferrujada. Às vezes, a criança vai brincar e volta arranhada”, reclama. “Vejo que meu bairro não tem as mesmas características de outros. Por exemplo, os brinquedos daqui são de cimento e não de madeira, o que poderia proporcionar uma diversão mais segura.”
“É um direito negado às crianças nas poucas opções e falta de diversidade do bairro”
Confira, no mapa, o número e a situação das praças e dos parques infantis nos bairros de Ponta Grossa e Ponta Verde.
Das sete praças do bairro de Ponta Grossa, na periferia da cidade, cinco estão em melhor estado de conservação, mas apenas duas apresentam parques infantis, todos deteriorados.
Tâmara defende que a cidade ofereça mais oportunidades às crianças, pois são nesses espaços que elas podem interagir com diferentes linguagens e recursos para explorar o mundo que as cerca.
Afinal, uma cidade que proporcione acesso aos equipamentos de lazer forma cidadãos melhores e assegura uma infância plena para um desenvolvimento, de fato, integral.
No Brasil, as discussões sobre o direito à cidade começaram na década de 1960 e culminaram nas diretrizes da Constituição Federal de 1988, com o capítulo sobre a Política Urbana (art. 182 e 183). Embora não existam instrumentos legais que regem ou determinem a existência de espaços de lazer a cada habitante do bairro ou em determinada área, segundo as diretrizes da Constituição e do Estatuto da Cidade, toda a gestão da política urbana precisa ser democrática. Assim, no âmbito municipal, tanto as câmaras de vereadores quanto as prefeituras devem decidir, com participação pública, sobre a instalação desses equipamentos.
Originalmente, o conceito do direito à cidade remonta ao livro “Le droit à la ville” do francês Henri Lefebvre, publicado em 1968. Com base em Karl Marx, o sociólogo defende o rompimento com as estruturas do capitalismo, que segrega as pessoas na cidade. Assim, não bastaria a construção de espaços públicos de lazer em todos os bairros, por exemplo, se as pessoas não podem circular entre esses espaços e usufruí-los livremente.
O advogado Victor Magalhães, que integra o Núcleo de Estudos do Estatuto da Cidade da Universidade Federal de Alagoas e o Núcleo de Assessoria Jurídica Popular Aqualtune, analisa que os espaços de lazer às crianças de Maceió têm crescido, todavia precisam ser descentralizados.
“Quase tudo na cidade é concentrado nas áreas nobres, principalmente na orla marítima dos bairros de Jatiúca, Ponta Verde e Pajuçara. Na minha opinião, faltam mais parques para a cidade, em especial em áreas subutilizadas (como a sede do Exército na Avenida Fernandes Lima) e em áreas públicas nos bairros da parte alta da cidade (como Benedito Bentes)”, defende.
Especialista em Direito Público e autor da obra “Direito à cidade de Maceió”, Victor alerta que a capital alagoana não está preparada para oferecer espaços de lazer para o público infantil de maneira adequada, principalmente neste momento agravado pela pandemia de covid-19.
“É importante a revalorização dos espaços públicos e abertos de lazer onde é possível a sua utilização com o adequado distanciamento social. Esses espaços são muito mais seguros que os espaços fechados aos quais as famílias estavam acostumadas a levar as crianças para o lazer, como cinemas e shoppings”. O especialista acrescenta:
“Uma criança que cresce numa cidade pensada para elas retém em sua memória afetiva aqueles espaços, contribuindo para sua valorização. Quando adultas, estas crianças tendem a buscar a conservação e o bom uso daquelas áreas públicas”
Victor acredita que a cidade deve ser pensada para preservar todos os direitos das crianças e assegurar seu pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Ele pontua alguns aspectos fundamentais para que o direito à cidade ocorra de fato:
Quem luta pela implementação de espaços de lazer para as crianças na cidade é o líder comunitário, Petrúcio dos Santos, mais conhecido como Peu, que há mais de 50 anos atua no campo da defesa e dos direitos das crianças, adolescentes e pessoas idosas na Associação Pontagrossense de Assistência Comunitária (APAC). “Aqui em Maceió, não há equipamentos para atender as nossas crianças nas áreas de lazer e esporte, e os que existem põem elas em risco. É um total descaso do poder público e ainda fere o artigo 4° do Estatuto da Criança e do Adolescente”, ressalta.
O artigo 4º da Criança e do Adolescente é praticamente uma transcrição do Artigo 227 da Constituição Federal, em que a criança é considerada “absoluta prioridade”. “É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária”
Com a gestão recém-empossada, o líder comunitário espera que a prefeitura possa traçar estratégias para a melhoria não só do bairro de Ponta Grossa, como de todos os outros espaços públicos da capital alagoana. “É de suma importância investir na criança e no adolescente, priorizando educação, saúde e lazer, pois são nosso futuro e precisam de toda nossa atenção”, destaca.
A reportagem do Lunetas questionou a gestão do prefeito de Maceió, JHC (PSB) — que se autointitula como entusiasta dos direitos das crianças — diversas vezes perguntando se há algum projeto na cidade para aumentar o número de praças ou revitalizar as que já existem, mas não houve retorno da sua assessoria de comunicação até o fechamento desta matéria.
A infectologista da Secretaria Municipal de Saúde de Maceió, Mardjane Lemos, explica a importância da interação social e do brincar para o desenvolvimento cognitivo das crianças, principalmente após tanto tempo isoladas em casa. Contudo, para que as atividades ao ar livre sejam mais seguras, ela recomenda:
Ponta Verde
O bairro com um dos metros quadrados mais caros de Maceió tem sete praças, todas em bom estado de conservação, mas apenas quatro oferecem espaço para as crianças.