O choro é um recurso de sobrevivência para os pequenos e desperta, nos adultos, o instinto do cuidado e da atenção
Pesquisas apontam que o choro é o principal método de interação entre mãe e filhos e recurso de sobrevivência para os pequenos, despertando nos adultos um estímulo de alerta para o cuidado. Entenda por que isso acontece.
O choro do bebê é uma das principais formas de comunicação com a mãe – e isso não é exclusivo do ser humano. Testes realizados por cientistas do Centro Max Delbruck de Medicina Molecular, de Berlim, com camundongos recém-nascidos, apontam que os chamados vocais para expressar desconforto ou em casos de emergência são essenciais para atrair cuidado materno adequado.
Chorar é muito mais do que uma estratégia usada pelos filhotes para dizer que precisam de alguma coisa: trata-se de um recurso de defesa para garantir a sobrevivência. Na mesma pesquisa, os cientistas observaram que camundongos com desenvolvimento prejudicado no núcleo neuronal, responsável por gerar pressão expiratória para a vocalização, são capazes de respirar lentamente, mas não emitem som. Consequentemente, são ignorados pela mãe e morrem mais cedo.
Para os seres humanos, não é tão diferente assim. Como explica o neurologista pediátrico André Luis do Carmo, o choro patológico ou imotivado, que pode indicar doenças no sistema nervoso, também são reconhecidos pela intensidade. “Ele é mais fraco, emitido por gemidos e indica dificuldade de comunicação”, diz. Caso contrário, o choro deve esconder alguma razão: bebês choram quando estão com fome, quando sentem dor, muito calor ou ao nascer.
Logo após o parto, por exemplo, o grito é um indicativo de que está chegando ao mundo uma criança com saúde. “O parto é uma situação traumática, pois o bebê sai de um ambiente quente, escuro e protegido e de repente passa pelo processo fisiológico complexo de respirar. Portanto, sente a mudança drástica”, descreve.
De acordo com o neurologista, é a relação dos pais e de cuidadores que permite a interpretação do choro do bebê. Com o tempo, as queixas de cólica, roupa apertada, vontade de mamar, fralda suja e outras dores vão sendo associadas a outros gestos e expressões faciais como a careta.
“O primeiro mês é um momento de descoberta e, a partir daí, cada choro vai ganhando significado”
Se você é daquelas pessoas que parecem entrar em “curto-circuito” quando escuta uma criança chorando, saiba que não é só impressão: os gritos de um recém-nascido alertam os ouvidos dos adultos e frequentemente estimulam o comportamento de cuidado. É o que indica uma pesquisa publicada pela revista científica Cerebral Cortex, que encontrou diferença de atividades neuronais auditivas, emocionais e motoras nos adultos em resposta ao choro dos bebês.
O estudo foi realizado por pesquisadores da Universidade de Aarhus, Dinamarca, e da Universidade de Oxford, Reino Unido, utilizando uma técnica de mapeamento das atividades cerebrais humanas capaz de detectar o campo magnético produzido por correntes elétricas que existem naturalmente no cérebro. Os autores propõem que os circuitos neurais afetivos e motores estimulam uma resposta comportamental dos pais, antes mesmo da percepção consciente, mais uma evidência de um funcionamento para garantir a sobrevivência da prole. O interessante é que os mesmos resultados foram observados em adultos sem filhos.
“Podemos dizer que essa reação automática é como uma sensação de incômodo que, no caso de pais e profissionais que trabalham diretamente com o bebê, pode ser dessensibilizada depois de um tempo”, pondera o neurologista. Ele explica que o estímulo se mantém, mas as pessoas conseguem “desconectar-se”, pois se acostumam com aquele chamado.
Se por um lado as evidências científicas indicam que a urgência em acalmar o bebê é quase “instintiva”, por outro, não saber a causa do choro pode ser motivo de angústia e culpa para os pais. A sugestão da psicóloga e educadora parental Yolanda Basílio é optar pelo toque e pela palavra. Para ela, colo, afeto e a voz em tom acolhedor podem ser o melhor remédio quando o pranto persistir. “É bom que o corpo esteja relaxado e ofereça uma disponibilidade emocional no toque e na troca. Caso contrário, os adultos podem transmitir a tensão ou o nervosismo e piorar o mal estar do bebê”, explica.
Se o choro é uma das primeiras formas de comunicação dos pequenos, então nada mais positivo do que os adultos estarem disponíveis para se comunicar. Mas lágrimas e gemidos podem ser uma oportunidade de vínculo para desenvolver uma relação, dependendo da forma como a situação for encarada. Segundo Yolanda, o mais importante é validar os sentimentos da criança e aproveitar o momento para ajudá-la a se conectar com aquela emoção.
“Escuta ativa e olhar curioso ao que a criança está vivendo são chaves para a comunicação”
Isso significa que as tentativas de distraí-las com as frases “já passou” e “não foi nada”, por exemplo, bastante comuns no dia a dia das famílias, não ajudam a trabalhar a inteligência emocional na primeira infância. A empatia, pelo contrário, é aliada em todas as fases do desenvolvimento. Apesar disso, mães e pais podem se perdoar quando não conseguirem acalmar o choro do bebê e precisarem pedir ajuda ao pediatra ou à rede de apoio.
O melhor caminho, como sugere a psicóloga, é ensinar as crianças, desde cedo, que é permitido sentir, experimentar e expressar as emoções por meio do choro.
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