Laura Gutman: ‘O que significa ser uma boa mãe? Boa para quem?’

Para a psicanalista argentina, o "maternar" é uma função e não é obrigatório ter tido um filho biológico para exercê-la

Camilla Hoshino Publicado em 25.05.2016
Garotinha beijando a bochecha de uma mulher.

Resumo

Em entrevista ao Lunetas, a psicanalista argentina Laura Gutman falou sobre adoção, vínculo, maternidade e paternidade.

“O ‘maternar’ é uma função, e não é obrigatório ter tido um filho biológico para exercê-la”, disse a especialista e temas de família, psicopedagoga e autora de livros best-sellers sobre universo da maternidade e os vínculos familiares, Laura Gutman.

Em entrevista ao Lunetas, a especialista, que esteve no Brasil recentemente a convite do projeto Somos Mães de Primeira Viagem para uma palestra, falou sobre adoção, vínculo, maternidade, e paternidade, e explicou também de que maneira as experiências vividas na infância de cada pessoa impactarão suas relações com seus filhos.

Confira a entrevista:

  • Lunetas: Como se dá a conexão com um filho recém adotado? O que você tem a dizer sobre famílias não biológicas?

Laura Gutman: Depende da nossa capacidade de amar. Não tem nenhuma importância se parimos um filho ou se ele chegou à nossa vida. As crianças precisam somente se sentir amadas em todos os sentidos. Isso é tudo.

“Não importa se se trata do pai, de um avô, de uma babá ou de um elefante. Quem estiver disposto a amar uma criança terá a possibilidade de fazê-lo”

  • Lunetas: O que significa ser uma boa mãe? E uma boa mãe adotiva?

Laura Gutman: Não sei o que significa ser uma boa mãe. Boa para quem? O “maternar” é uma função e não é obrigatório ter tido um filho biológico para exercê-la. No máximo, quem pretende amar uma criança, terá que saber sobre o que aconteceu à ela quando nasceu e ao longo de sua infância. Também terá que abordar o nível de desamparo ou de violência à que esteve submetida, para que possa compreendê-la e amá-la.

  • Lunetas: Como o pai pode participar do cuidado com os filhos e estabelecer vínculos com eles?

Laura Gutman: Não importa se se trata do pai, de um avô, de uma babá ou de um elefante. Quem estiver disposto a amar uma criança terá a possibilidade de fazê-lo.

  • Lunetas: Como os pais podem compensar com os filhos o tempo que passam fora de casa enquanto trabalham?

Laura Gutman: As crianças precisam somente sentir nossa proximidade emocional. Necessitam registrar que estamos sutilmente presentes e atentos para facilitar suas vidas, que estamos com a alma disposta a protegê-los, acariciá-los e tratá-los com carinho. Não importa o tempo que estamos trabalhando.

“A única coisa que importa é – quando voltamos para casa – assegurar toda nossa disponibilidade afetiva e nossos recursos em prol de suas necessidades, como assunto prioritário”

  • Lunetas: Como a nossa infância interfere na relação com nossos filhos?

Laura Gutman: Abordar e compreender nossa infância é a chave para toda a compreensão posterior de nós mesmos. Sem essa abordagem, é impossível sentir verdadeiramente nossos filhos. A primeira tarefa, insisto – e isso está descrito em todos meus livros – é abordar uma indagação pessoal.

Eu desenvolvi um sistema ao qual chamei “A Biografia Humana” através do qual podemos vislumbrar nossas experiências infantis reais, que podem ser muito diferentes ao que acreditamos lembrar. Sem um olhar amplo, honesto e livre de interpretações, não seremos capazes de reconhecer nossas habilidades e nossos obstáculos. Logo, essa mesma incapacidade vai refletir na distância que existe entre nossas boas intenções a respeito de nossos filhos e as cenas cotidianas concretas.

  • Lunetas: Pelos países que já visitou como você acha que as políticas públicas podem contribuir para que pais e mães tenham vínculos fortalecidos com seus filhos?

Laura Gutman: Eu acredito que as políticas públicas quase não tem incidência nos vínculos afetivos íntimos entre pais e filhos. Insisto em falar de vínculos íntimos. Se é intimo, não é público. A boa noticia é que mudar para o bem, depende de cada um de nós, não temos que esperar que ninguém mude o entorno.

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