‘Favela Orgânica’: mães do Rio espalham receitas pelos muros
Receitas como cocada de casca de banana são sucesso entre as crianças. A chef Regina Tchelly criou o projeto para democratizar a cozinha e evitar o desperdício
Receba no seu e-mail destaques da semana e agenda de eventos
COMPARTILHE TAMBÉM
OUVIR
Resumo
O projeto Favela Orgânica acrescentou cores e sabores aos muros e ao cardápio dos moradores dos Morros da Babilônia e Chapéu Mangueira, no Rio de Janeiro. Dentre as receitas que fazem mais sucesso, estão o hambúrguer de arroz dormido e a cocada de casca de banana.
Quem caminha de olhos atentos pelos Morros da Babilônica e Chapéu da Mangueira, na zona sul do Rio de Janeiro, provavelmente vai perceber um colorido diferente nas paredes. No lugar dos grafites, um tipo bem diferente de arte de rua: receitas orgânicas e saudáveis pintadas nos muros. É o projeto “Favela Orgânica” de cozinha consciente. Se parece improvável que a gastronomia ocupe as paredes de algumas das maiores comunidades do Brasil, é porque você, leitor, ainda não conhece a perspicácia de quem teve a ideia.
Regina Tchelly, de 38 anos, tem um lema em sua profissão: “até o talo”. Após o nascimento da filha, aos 20 anos, ela mudou-se da Paraíba para o Rio de Janeiro, onde trabalhou como empregada doméstica para sustentar a família.
Menos desperdício na cozinha
Foi da experiência como cozinheira em casas de classe média alta e da observação de um modo de vida que induzia à descartabilidade dos ingredientes que Regina se deu conta do seu desejo: queria dar fim ao desperdício – ou, pelo menos, contribuir para que as pessoas refletissem sobre ele. Começou recolhendo alimentos descartados no fim das feiras de rua, onde também se chocava com a quantidade de comida jogada fora, e passou a testar receitas por conta própria, em casa.
Segundo a organização Food Loss and Waste, apesar da desnutrição atingir uma em cada nove pessoas no planeta, mais de 1 bilhão de toneladas de alimentos são desprezadas todos os anos. (Fonte: Believe Earth)
Com um investimento inicial de R$ 140 e muita certeza da importância da tarefa que colocava para si mesma, a ex-doméstica e agora chef começava ali o embrião de um enorme projeto de aproveitamento orgânico e democratização do ato de cozinhar e comer, partindo de oficinas e palestras sobre culinária alternativa, hortas caseiras e compostagem.
Então, surgiu mais uma ideia: espalhar possibilidades de comer bem, barato e sem jogar comida fora pelos muros da favela, que é para onde as pessoas olham o tempo todo. De uma fruta, verdura ou legume ela procura usar tudo o que é possível, passando por talos, sementes, caroços, cascas e folhas, e incluindo uma boa dose de afeto e irreverência.
“São receitas simples, porém afetivas, e que eu acredito que possam chegar ao maior número de pessoas de maneira transformadora”, escreveu Regina em seu Instagram.
“É uma alegria imensa compartilhar sabores e saberes”
Como surgiu o Favela Orgânica?
Tudo começou em 2011, no quintal da sua casa, quando ela convocou cerca de seis mulheres e mães para ajudar a construir um projeto de cozinha sustentável, saudável e democrática. A motivação de Regina era praticar o que aprendeu com sua comunidade paraibana, honrar o destino dos alimentos como um meio de devolver à terra o que ela nos dá. O grupo cresceu e as seis pessoas viraram dez, depois 20 e depois 40. Até que o potencial de crescimento da iniciativa impôs a necessidade de um lugar mais amplo. Hoje, o Favela Orgânica funciona em um espaço alugado, no Morro da Babilônia, zona sul da capital carioca.
“A partir de uma abordagem holística que engloba conceitos como consumo consciente, gastronomia alternativa, compostagem caseira e hortas em pequenos espaços, o projeto já levou suas oficinas e palestras para diversos Estados do Brasil, bem como países como França, Itália e Uruguai”, diz a descrição oficial do site.
Hoje, Regina estufa o peito para dizer que já viajou o Brasil e o mundo, incluindo dez idas à Europa, para apresentar o seu projeto para o maior número de pessoas que conseguir. Em 2015, a cozinheira ganhou o Prêmio Mulher do Ano na Itália, mesmo ano em que foi homenageada pelo Prêmio Trip Transformadores. Atualmente, ela trabalha oferecendo formação em cozinha consciente para outras 19 comunidades cariocas. Em entrevista ao Lunetas, ela compartilha que seu embrião gerou frutos e que hoje muitas outras comunidades já estão capacitadas para replicar o modelo do Favela Orgânica.
Em julho deste ano, o Favela Orgânica foi lançado em livro, mas se engana quem pensar que a publicação impressa desvirtuou a ideia inicial, pois o livro nada mais é do que um apanhado de fotos das receitas que estampam as paredes da Babilônia. No final do mês de agosto, o projeto ganhará também uma campanha de financiamento coletivo na plataforma Benfeitoria. A proposta, daqui para frente, é oferecer para empresas e organizações uma série de cursos de geração de renda e economia familiar.
Nova relação com a comida
Regina conta que o projeto faz sucesso com as crianças que participam das formações, botam – literalmente – a mão na massa, e experimentam com surpresa os novos sabores e combinações de alimentos sugeridos, ressignificando a relação que estabelecem com aquilo que comem. O público infantil também se engaja em atividades sensoriais, quando podem brincar de cheirar, tatear e degustar alimentos, além de caminhar pelo território e observar o que brota das hortas, dos canteiros e dos quintais.
“Eu defendo mais autonomia para as crianças na cozinha. Cada vez mais, eu acredito que juntos somos os temperos do futuro”, diz Regina.
Tanto é assim que a filha da empreendedora, Maria Clara, leva até as amigas do colégio para participar das brincadeiras culinárias que o Favela Orgânica oferece. Um deles é o #Oquetemprahj, que incentiva as crianças a prepararem delícias na cozinha.
Dentre as receitas preferidas pelos pequenos, estão o hambúrguer de arroz dormido, a cocada de casca de banana ou melão e o sacolé de hibisco. O feijão de mãe, o dengo de lasanha e os sucos arretados também são hits na comunidade, cujos nomes descontraídos acompanham o bom humor de sua criadora. Para o futuro, Regina Tchelly não desanima: “eu vou até o talo”.
Confira algumas receitas do Favela Orgânica
Receita de brigadeiro de casca de banana
Ingredientes
12 unidades de bananas bem maduras
5 colheres de cacau
1 copo de água gelada
1 colher de manteiga ou 1 colher de óleo de coco
Modo de preparo
Lave em água corrente a casca da banana com uma escovinha, deixe de molho de 10 a 15 minutos (para cada litro de água, uma colher de sobremesa de bicarbonato de sódio);
Pique as bananas com casca em pedaços pequenos e coloque em um liquidificador com o cacau em pó e a água gelada. Bata por 5 minutos;
Leve ao fogo com 1 colher de manteiga e mexa até o fundo desgrudar da panela;
Enrole e passe no amendoim ou gergelim;
A receita pode ou não ser levada ao fogo, fica a critério;
Caso a pessoa não queira levar ao fogo pode servir após bater no liquidificador;
Servir em cestinhas ou pote individual. Serve 30 porções.
Strogonoff sustentável
Ingredientes
6 talos de brócolis
2 cebolas médias
2 tomates
1 pimentão
2 folhas de alho-poró
2 folhas de couve
1 lata de creme de leite
Curry a gosto
Sal grosso
Cheiro verde à vontade
Azeite a gosto
Modo de preparo
Para fazer a higienização de cada ingrediente, prepare 1 litro de água com 1 colher de sobremesa de bicarbonato de sódio;
Lave em água corrente cada ingrediente e deixe de molho de 10 a 15 minutos;
Corte todos os ingredientes em pedaços;
Coloque os talos de brócolis e as cebolas;
Refogue com o azeite (não é para fritar o azeite, é só para cozinhar);
Acrescente as folhas de alho-poró cortadas em pedaços pequenos;
Mexa até cozinhar e lembre de tampar a panela para abafar;
Coloque os demais ingredientes, o sal grosso e o curry a gosto.
We use cookies to ensure that we give you the best experience on our website. If you continue to use this site we will assume that you are happy with it.Ok
Segundo a organização Food Loss and Waste, apesar da desnutrição atingir uma em cada nove pessoas no planeta, mais de 1 bilhão de toneladas de alimentos são desprezadas todos os anos. (Fonte: Believe Earth)