Perdi o bebê: precisamos falar sobre óbito fetal

Abortamento, má-formação, óbito. Capacitar o profissional para acompanhar empaticamente as famílias na hora de transmitir as más notícias é essencial

Mayara Penina Publicado em 28.08.2018

Resumo

Profissionais de saúde estão diante também da morte. Nestes momentos, habilidade na comunicação de más notícias contribui para tornar menos difícil a experiência dos pais. Confira entrevista com a psicóloga Maria Vellutini Setubal, especialista em psicologia hospitalar.

O nascimento de um bebê em uma família é motivo de celebração, de realização de desejos, de felicidade em receber uma vida nova e de planos para o futuro.

Mas, muitas vezes pais e mães, se veem diante também da morte e de maus desfechos com abortos prematuros ou óbito fetal. Para os profissionais de saúde, transmitir a notícia da perda do filho pode ser uma tarefa extremamente difícil.

A maneira como a notícia é comunicada pode ter um efeito profundo nos pais. Diante disso, muitos profissionais sentem-se mal preparados para apoiar pais em luto após a perda de um filho natimorto ou recém-nascido que faleceu.

No entanto, a habilidade de conduzir o momento de comunicar estas más notícias com empatia e sensibilidade pode ser aprendida e melhorar conforme se pratica. “Estas habilidades devem ser ensinadas, treinadas e avaliadas como todas as outras habilidades técnicas necessárias para a boa prática médica”.

É o que defende a psicóloga Maria Sílvia Vellutini Setubal, especialista em psicologia hospitalar com foco no cuidado de mulheres em situações críticas na gestação, parto e pós-parto.

No dia 6 de setembro, quarta-feira, os profissionais que atuam na assistência à mulher no ciclo gravídico puerperal poderão participar de da oficina ”Transmissão da má notícia e atenção ao óbito fetal “ no V Simpósio Internacional de Assistência ao Parto na cidade de São Paulo.

A psicóloga Maria Silvia Setubal abordará situações como abortamento, malformações, mau prognóstico e óbito – para as quais um protocolo estruturado de comunicação de más notícias têm demonstrado maior eficácia na prática clínica e também em estudos.

“Estará presente uma atriz para simular situações reais e que podem ser discutidas em grupo”, contou ao Lunetas.

Para Maria Silvia, esta é uma habilidade que pode ser aprendida e deve ser ensinada e treinada, permitindo uma comunicação direta e simples, em um ambiente de apoio emocional que contemple as necessidades dos pacientes.

“A medicina se tornou uma ciência muito técnica do ponto de vista científico. Formamos profissionais tecnicamente competentes mas que também precisam desenvolver competências que contemplem as dificuldades emocionais dos pacientes”, afirma.

Conceitos e definições

Entenda melhor o que significa cada conceito aqui

Aprendendo a transmitir más notícias

“Como eu vou fazer algo bem se eu nunca fui treinado?”, questiona a psicóloga. Ela prefere não chamar este processo de protocolo, mas pensar em caminho, um norte que os profissionais podem seguir.

Em sua tese de doutorado “Avaliação da eficácia de um programa de treinamento de residentes utilizando pacientes simulados para comunicação de más notícias em perinatologia”, a psicóloga estudou diversos modelos que foram criados para treinar e instrumentalizar profissionais da saúde que enfrentam este momento.

Um deles foi criado pelo médico oncologista Robert Buckman em 1994, o chamado “protocolo Spikes” tem como finalidade principal guiar o médico nos quatro objetivos da transmissão da notícia ruim: obter informações dos pacientes, comunicar o quadro clínico e apoiar o paciente.

O modelo desenvolvido por Buckman para lidar com casos oncológicos é um dos mais utilizados em programas de treinamento de profissionais de saúde. Seu objetivo é instrumentalizar o médico a preencher os requisitos mais importantes na hora da comunicação com o paciente e desenvolver essa tarefa difícil de forma mais assertiva para os pacientes e também para si mesmo.

O modelo traz os seguintes pontos:

  • Preparar o ambiente, isso é, escolher um lugar adequado, privado, sem que seja interrompido, onde o paciente possa se sentir acolhido, respeitado, e sem pressa;
  • Enfoca a necessidade de verificar a percepção do paciente, o que ele sabe sobre a situação, a doença, os riscos, demonstrando habilidade de escuta pelo profissional;
  • Recomenda convidar  o paciente para receber a má notícia ou introduzir o tema daquilo que não correspondeu às expectativas, e compartilhar o conhecimento clínico sobre o problema;
  • Recomenda deixar tempo e espaço para responder às reações emocionais do paciente, incluindo o choro e o silêncio;
  • Recomenda oferecer um sumário dos próximos passos, o desenvolvimento de uma estratégia ou plano de acompanhamento com o qual o paciente concorde.

Fonte: “Avaliação da eficácia de um programa de treinamento de residentes utilizando pacientes simulados para comunicação de más notícias em Perinatologia” de Maria Sílvia Vellutini Setubal.

“Vida e morte não dá para ser mecânico. É preciso criar mecanismos para que haja diálogo e reflexão e para que cada profissional possa encontrar o seu caminho”, reflete a psicóloga.

Avanços

Apesar de ser um assunto ainda pouco falado pelo grande público, Maria Silvia é otimista com as mudanças. “De uns anos para cá, estamos vivendo um um movimento de maior demanda dos pacientes para mudanças na estrutura da relação médico paciente para que essa relação seja mais humanizada e de empatia, pois existia muita insatisfação”.

A resolução mais recente das diretrizes curriculares nacionais de 2014,  detalha a necessidade de incluir as habilidades de comunicação nos currículos. Propõe o modelo teórico do cuidado centrado na pessoa a ser seguido como a base para o aprendizado e define que estas habilidades devem ser ensinadas e aprendidas ao longo da graduação. Segunda a pesquisa de Maria Silvia, para a especialidade de pediatria, o tema da comunicação na relação médico-paciente é incluído, mas não há recomendações específicas sobre como ensinar ou avaliar.

“É um processo de mudança de paradigmas. Por exemplo, nos anos 80 um bebê nascia morto ou morria ao nascer e os pais nem viam o bebê. Era para poupar os pais do sentimento, não era para fazer mal. A partir de mudanças culturais, passamos a dar voz aos pais para que eles possam falar de suas necessidades”, explica.

“Uma má notícia dada com habilidade coloca os pais mais rapidamente na direção do restabelecimento psíquico. Uma má notícia dada com habilidade favorece o bem-estar do residente e o fortalecimento da sua identidade profissional. Todos sairiam ganhando!” escreveu Maria Silvia no fim da sua tese de doutorado.

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