Com escuta e combinados claros, dá para transformar o episódio em aprendizado e confiança
Mentir faz parte do desenvolvimento infantil, mas famílias podem transformar esses episódios em aprendizado e fortalecer a confiança.
Aos seis anos, Vicente descobriu algo que, mais tarde, descreveu como mágica: ele podia mentir. Isto é, conseguia mudar alguns fatos de um acontecimento para “se dar bem”. “Começou dizendo que não tinha lição de casa, quando na verdade tinha”, conta a mãe Mayra Vacari. “Nos dois primeiros dias, acreditei. No terceiro me dei conta do golpe, era mentira.”
Em outro episódio, o garoto riscou a mesa com caneta permanente e atribuiu a autoria ao irmão menor. Ali, Mayra percebeu que o filho estava dominando essa habilidade. “Quando questionei por que ele estava mentindo tanto, a resposta foi: ‘é como mágica pra eu não levar bronca.’”
Mentirinhas como essas são comuns e fazem parte do desenvolvimento infantil, de acordo com a psicóloga Flavia Carnielli. “Pode ser usada para se proteger de uma bronca, para agradar os pais, para experimentar limites, testar as possibilidades.”
A especialista ressalta que, no começo, a invenção surge misturada à brincadeira e à fantasia. À medida que cresce, a criança observa como os adultos lidam com verdades, meias-verdades e omissões — e aprende o “uso social” da mentira, geralmente por volta dos quatro a seis anos.
Mais cedo ou mais tarde, a criança vai aprender a mudar os fatos, inventar cenários, mas isso “não significa que ela vai se tornar mentirosa no futuro”, afirma Flavia. No lugar de rotular ou punir os filhos, é possível transformar esses episódios em aprendizado.
As sugestões são da psicóloga Flavia Carnielli:
1. Escute antes de julgar
Quando surgir uma mentira, converse com a criança. “O que aconteceu?”, “como você se sentiu?”, “o que você queria evitar?”. Tentar entender o motivo ajuda a diferenciar se foi uma invenção fantasiosa, alguma confusão ou uma mentira intencional.
2. Foque no comportamento, não na identidade
Evite dizer “você é mentiroso”. Tente entender o que está por trás daquela mentira. No lugar de punir, é mais proveitoso conversar, mostrar a importância da confiança e elogiar quando a criança fala a verdade. “Obrigada por me dizer o que aconteceu, isso ajuda a gente a resolver a situação.”
3. Reforce o ambiente de confiança
Acolha a criança quando ela fala a verdade, mesmo que tenha feito algo errado. Se ela sentir que pode se expressar sem medo de julgamentos ou castigos desproporcionais, tende a ser mais sincera. Por exemplo, diga: “aqui em casa, a gente fala a verdade e podemos consertar juntos o que der.” Os adultos podem mostrar como a mentira não é legal, ressaltando que a sinceridade é a base da confiança.
4. Mostre efeitos e repare junto
Explicar as consequências de determinada atitude ajuda a criança a refletir. Por exemplo, mentir que não tem lição de casa faz com que ela não faça algo importante para seu aprendizado. Aos poucos, a criança entende que toda escolha tem efeitos, inclusive a mentira.
5. Seja exemplo
Crianças aprendem muito mais observando do que ouvindo discursos. O exemplo em casa é o ensinamento mais potente. Afinal, nossas atitudes são espelhos para elas.
Além de “Pinóquio”, a clássica história criada por Carlo Collodi, na qual o nariz do menino de madeira cresce a cada vez que mente, outros bons livros podem ser aliados na hora de conversar sobre o tema com as crianças. Pensando nisso, Alfredo Caseiro, criador da livraria infantil Pé de Livro, sugere algumas obras e Lunetas complementa a lista.
Esta adaptação coloca Pinóquio diante de um espelho, que mostra quem ele é e quem poderia ser. A obra bagunça nossos pré-julgamentos, e nos coloca frente à frente com todas as possibilidades de nossas identidades.
Uma mentira sempre puxa outra. Arthur queria apenas esconder da mãe algo que tinha feito de errado. Começou torcendo a verdade só um pouquinho, mas aí precisou esticá-la. E escondê-la. Até que a coisa ficou insustentável.
A mentira pode se tornar ainda pior quando vem acompanhada por outros dois “bichos feios”: a maldade e a covardia. A obra conta a história de um menino que acusa outra criança para se livrar de uma punição. Quando desmascarado, além de enfrentar a ira dos amigos, ele tem que lidar com a própria consciência.
Quem foi que quebrou o vidro do carro? E pôs cereal no macarrão? Quem desenhou um dragão na parede? Na história, acompanhamos as travessuras de um garoto que não assume o que faz. Mas uma hora ele precisa aprender a lidar com as consequências de seus atos.
A mentira é algo comum e usada com frequência por um líder que governa de forma desleal, causando medo e terror. Um dia, um rapaz descobre que esse líder é, na verdade, um covarde. A história mostra o que pode acontecer quando escolhemos a verdade ou a mentira.