Tudo que você precisa saber sobre toxoplasmose na gravidez

Uma vez identificada, a doença deve ser tratada imediatamente para prevenir sequelas permanentes nos recém-nascidos

Camilla Hoshino Publicado em 23.06.2022
Uma mulher negra de jaleco branco, com luvas cirúrgicas e máscara está sentada em frente a outra mulher. Ela está grávida e com as mães segurando a barriga. O texto é sobre toxoplasmose na gravidez
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Resumo

A toxoplasmose é uma doença que ganha relevância em gestantes, já que uma das formas de transmissão é via placenta e pode comprometer a vida dos bebês. Uma vez identificada, é preciso ser tratada o quanto antes para evitar sequelas.

Os exames pré-natais não detectaram a doença, o que indica que a jornalista Carla de Paula Barbosa pode ter se contaminado no penúltimo mês de gestação. Os únicos sintomas foram manchas vermelhas no corpo, que levaram os médicos à suspeita de dengue. Como não houve tratamento nesse período, a toxoplasmose foi transmitida ao filho João Vitor, sendo detectada apenas dois meses depois do nascimento, durante o teste do pezinho. “Meu filho desenvolveu uma lesão nos dois olhos e precisou de tratamento durante um ano”, lamenta a mãe. 

A toxoplasmose é uma das zoonoses (infecção transmitida por animais) mais comuns no mundo. No Brasil, estudos apontam que 40 a 80% da população seja afetada. Essa variação depende de condições sanitárias e índices socioeconômicos da região, já que a doença é causada pela ingestão de água e alimentos contaminados, como carnes sem processamento térmico adequado, contendo o protozoário“toxoplasma gondii”, que pode ser encontrado em fezes de gatos e outros felinos. Transfusões de sangue e transplantes de órgãos contaminados são formas mais raras de transmissão. 

A infectologista da prefeitura de Itajaí (SC), Letícia Ziggiotti, explica que a toxoplasmose pode ser assintomática ou apresentar sintomas variáveis, similares a gripes, com dores musculares ou alterações dos gânglios linfáticos e que, geralmente, não é necessário tratamento específico, pois o próprio sistema imunológico age contra a doença. “A toxoplasmose costuma ser mais preocupante em pessoas com imunidade comprometida”, afirma. É o caso, por exemplo, de pacientes infectados por HIV, transplantados ou em tratamento oncológico.

Mitos e verdades

É mito que apenas o contato com gatos e outros felinos causa a doença. A contaminação com o protozoário em felinos acontece apenas uma vez na vida do gato, por no máximo sete dias, período em que os cistos são eliminados nas fezes dos animais, podendo contaminar mãos, água e alimentos, se não houver a higienização correta. 

Toxoplasmose na gravidez

Apesar de muitas pessoas não apresentarem sintomas, a toxoplasmose ganha relevância em gestantes, considerando que uma outra forma de transmissão é via placenta (transmissão congênita). “As chances de transmissão da toxoplasmose da mãe para o feto no início da gestação são menores, já que as trocas nesse período são menos intensas. Mas, se acontecer, como se trata de uma fase inicial de formação, as sequelas serão maiores para o bebê”, afirma Letícia. De maneira inversa, a doença costuma ser mais leve ou assintomática quando os fetos são infectados durante o terceiro trimestre, quando o risco de transmissão é maior. Em qualquer um dos casos, segundo a médica, as gestantes devem ser tratadas o quanto antes. 

No Brasil, o relatório “Atenção à saúde do recém-nascido”, do Ministério da Saúde (MS), estima que 50 a 80% das gestantes e mulheres em idade fértil já foram infectadas e 4 a 5% correm risco de se infectar durante a gestação. De acordo com o infectologista e vice-diretor técnico do hospital pediátrico Pequeno Príncipe, em Curitiba (PR), Victor Horácio, a contaminação pode impactar o crescimento intrauterino do feto, além de causar abortamento ou prematuridade. 

“A criança pode nascer assintomática ou apresentar os sinais mais comuns chamados de ‘Tétrade de Sabin’, que são hidrocefalia, calcificação cerebral, retardo mental ou coriorretinite”

Cerca de 85% dos recém-nascidos infectados não apresentam manifestações clínicas evidentes. O relatório do MS também aponta que, mesmo entre bebês assintomáticos durante o nascimento, 85% apresentaram retinocoroidite nas primeiras décadas de vida, e 50% evoluirão com anormalidades neurológicas. As sequelas são ainda mais frequentes e mais graves em quem já apresenta sinais ao nascer. Por isso, como insiste Victor, todas as crianças com toxoplasmose congênita comprovada devem receber tratamento durante um ano, independente da presença de sintomas ou sinais da doença.

Mitos e verdades

É mito que mães com toxoplasmose não podem amamentar. De acordo com Victor Horácio, não há evidências de que a doença seja transmitida por meio do leite materno. Se a mulher contrair toxoplasmose durante o puerpério, não há necessidade de tratamento, a não ser que ela apresente alguma lesão ou esteja em grupo de risco, com a imunidade comprometida.  

Tratamento

É possível realizar o tratamento de toxoplasmose pelo Sistema Único de Saúde (SUS), de forma integral e gratuita. No caso de contaminação em gestantes e crianças, o MS possui protocolos e recomendações especiais a serem seguidos, dependendo do caso. “Uma vez que o paciente é tratado, mesmo que o protozoário permaneça no organismo, as chances de reativação da doença são muito baixas em pessoas que não têm imunidade comprometida”, afirma Letícia. 

Ainda assim, as famílias devem estar atentas. No caso do tratamento de João Vitor, que apresentou coriorretinite bilateral ao nascer, a mãe não teve acesso gratuito a um dos medicamentos necessários, a sulfadiazina, indisponível pelo SUS. “Eu consegui o remédio por contato do grupo de WhatsApp de mães infectadas por toxoplasmose, e tive que pedir para me enviar lá do Piauí, todos os meses”, conta Carla, residente em Ribeirão Preto (SP). O filho foi tratado por um ano e, hoje, com dois anos e quatro meses, João Vitor ainda apresenta cicatriz nos olhos e precisa de acompanhamento oftalmológico. 

Como prevenir?

Uma das maneiras mais eficientes de evitar a toxoplasmose, segundo os especialistas entrevistados, é a informação e a higiene. No caso de gestantes, o cuidado deve ser redobrado:

  • Lavar as mãos após o manuseio de carnes cruas e outros alimentos, além de tábuas de corte e utensílios de cozinha para evitar contaminação cruzada;
  • Lavar bem frutas e legumes (inclui escovação de alimentos), com água tratada;
  • Evitar carnes vermelhas mal passadas e cruas;
  • Evitar leites não pasteurizados e produtos à base de leite não pasteurizado;
  • Frutos do mar devem ser bem cozidos;
  • Consumir apenas água tratada;
  • Limpar periodicamente caixas d’água e mantê-las bem vedadas;
  • Utilizar luvas para jardinagem;
  • Manter limpas as caixas de areia dos gatos de estimação (evitar manuseio da própria gestante) e evitar alimentação dos felinos com carne mal passada;
  • Estimular boas práticas na indústria agrícola, como utilização de água tratada e manter roedores fora da área de produção. 

Mitos e verdades

É mito que há risco de contaminação de toxoplasmose pela ingestão de peixes crus. Peixes não são hospedeiros dos cistos do protozoário “toxoplasma gondii”. No entanto, o cuidado em relação a essa dieta está ligado à transmissão de outras parasitoses. 

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