Muito além das cores e luzes: a importância do teatro para bebês

Para Luiz André Cherubini, um dos fundadores do grupo Sobrevento, não se pode oferecer apenas coisas “fofinhas e coloridas” aos bebês

Camilla Hoshino Publicado em 16.05.2018
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Resumo

Nos palcos desde 1986, a companhia Sobrevento é especializada em Teatro de Bonecos e de Animação. O grupo têm aberto as cortinas da pesquisa e da experimentação para um novo desafio: o Teatro para Bebês. Confira a entrevista com o ator e um dos fundadores do grupo.

A arte não deveria ser entendida como objeto de consumo, mas como um direito de todos e um alimento para o espírito. É o que defende Luiz André Cherubini, um dos fundadores do Sobrevento, companhia teatral especializada em Teatro de Bonecos e de Animação. Nos palcos desde 1986, o grupo dedicado à pesquisa da linguagem teatral abriu as cortinas para um novo desafio: o Teatro para Bebês. “O Sobrevento encontrou nos olhos dos bebês, desde o primeiro dia, toda uma capacidade de comunicação e de emoção tão profundas, como jamais imaginara”, afirma.

Nesse sentido, o ator acredita que o teatro seja capaz de despertar entendimento em todas as pessoas, independente da idade. Não tem essa história de “os bebês gostam de som, luz, cores e movimento”. Para Cherubini, o teatro está muito além disso e o artista deve ser convidado a se questionar e ultrapassar fronteiras, não se limitando a preconceitos ou estereótipos. Portanto, restringir o Teatro para Bebês a características específicas seria restringir tanto a magia de criação do artista quanto o potencial do próprio bebê. Afinal, como ele mesmo acredita: “Todo ser humano nasce poeta”.

Não tendo limites na arte para a experimentação e para as possibilidades de surpresas e descobertas, o ator sugere que ao escolher os espetáculos, pais, mães e cuidadores se guiem pela seriedade dos artistas e pelas suas afinidades estéticas com os criadores. Em entrevista ao Lunetas, Luiz André Cherubini ainda fala sobre o papel do artista, o financiamento do Teatro para Bebês e como foi mergulhar no diálogo com esses espectadores tão especiais. Ele garante: “Temos vivido experiências incríveis.”

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O Sobrevento encontrou nos olhos dos bebês, desde o primeiro dia, toda uma capacidade de comunicação e de emoção tão profundas, como jamais imaginara

Confira o bate-papo

  • Lunetas: Qual a importância de se produzir cultura para bebês?

Luiz André Cherubini: Todo ser humano tem direito à arte, à cultura, à integração social, ao convívio comunitário, em qualquer idade. Os bebês têm direito a se encontrar com outros bebês. Portanto, pais de bebês não podem se impor um resguardo até que os bebês estejam prontos. Prontos para quê, para controlar suas necessidades fisiológicas, para se comportar de uma certa maneira, para trabalhar, para consumir? A arte para os bebês é mágica, é sagrada. A cultura é o alimento do espírito e todo ser humano nasce poeta.

  • Lunetas: Em relação à arte, o que um bebê pode consumir ou ter como experiência?

Luiz André Cherubini: A arte não é objeto de consumo: não deveria ser. Um bebê entende tudo. E entende poeticamente. É mentira que até uma certa idade o bebê vive no mundo concreto e é incapaz de abstrações. O teatro prova isto a cada espetáculo. O bebê é capaz da poesia e de emoções profundas e de um entendimento profundo das coisas. Há experiências que não viveram? Nós, mais velhos, também. E isto não nos impede de perceber as coisas que desconhecemos, de sentir o que os outros sentem. Como diz Carlos Laredo, um artista e pensador do Teatro para Bebês: ‘Os bebês não são o último fruto de nossa árvore: são a raiz mais profunda dela’. O Teatro para Bebês pode tratar de todos os temas, de todas as maneiras que um artista, um pai e um bebê quiserem.

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A companhia teatral Sobrevento é especializada em Teatro de Bonecos e de Animação.

  • Lunetas: Quais são as especificidades da produção cultural para bebês e crianças?

Luiz André Cherubini: Um artista não deve se restringir aos limites de seus preconceitos, deve ultrapassar fronteiras, deve se questionar. Um artista deve sonhar, buscar se expressar e buscar se comunicar com o público, promovendo encontros importantes e únicos com os espectadores. Não acredito em um artista que crie a partir do que é certo, do que é útil, do que é conveniente, do que é bonito, do que julga importante. Imagino um músico dizendo: mas, afinal de contas, o que aquele público gostaria de ouvir? Isso me parece uma aberração no que diz respeito à arte.

Assim, o que é preciso é ouvir as crianças, ouvir a si mesmo e tratar de promover este encontro desafiador e sagrado. Muitas vezes, diz-se: ‘Os bebês gostam de som, luzes, cores e movimento’. Ora, todos gostam disso. Mas isso não é o teatro. O teatro tem tudo isso, mas está muito além disso. Seria como dizer: “as mulheres podem ter cabelos pretos, ruivos, louros ou brancos”. Sim, está bem, mas o que isto diz sobre as mulheres? Além do mais, muitos preconceitos pesam sobre os bebês. ‘Bebê gosta de xilofone, de coisas fofinhas, de coisas coloridas, de tons pastel’. Sim, e gosta de preto, branco, marrom, violão, percussão, piano, flauta. E busca coisas de que não gosta ou gosta de coisas de que não gosta. Bebê gosta de sentir medo, gosta de chorar, de se emocionar.

Não podemos oferecer um mundo esdrúxulo, pobre ou estúpido aos bebês. O mundo é grande, a vida é grande e não podemos dar aos bebês, nos baseando em preconceitos, uma parcela medíocre do mundo, uma arte que é, francamente, uma aberração.

  • Lunetas: Por que o Sobrevento mergulhou neste campo?

Luiz André Cherubini: O Sobrevento encontrou nos olhos dos bebês, desde o primeiro dia, toda uma capacidade de comunicação e de emoção tão profundas, como jamais imaginara. Tendo-se dedicado à arte por tanto tempo, o Teatro para Bebês pareceu-lhe um desafio importante, uma missão, uma realização, uma obrigação, uma busca, tudo ao mesmo tempo. Qualquer um que olhe profundamente nos olhos de um bebê verá o mundo imenso que há por trás deles. E se verá refletido, espelhado nesses olhos. O Teatro para Bebês faz de um ator, um artista mais puro, mais franco, mais verdadeiro, mais profundo. O ator do Teatro para Bebês obriga-se a um renascimento, a um aprofundamento, porque os bebês lhe revelam o quão sagrado é o teatro.

  • Lunetas: Como escolher os melhores produtos culturais para bebês e crianças?

Luiz André Cherubini: Não há regras. Você pode gostar de uma música de que eu não gosto. Você pode estar num dia favorável à vivência de um espetáculo, ao desfrute de uma experiência ou não. Acho que os pais devem se guiar pela seriedade dos artistas, pelas suas afinidades estéticas com os criadores. Porque, como no teatro, como na música, sempre haverá um artista ou espetáculo de que você gostará mais, que combinará mais com você. 

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O ator do Teatro para Bebês obriga-se a um renascimento, a um aprofundamento, porque os bebês lhe revelam o quão sagrado é o teatro.

  • Lunetas: Como é o financiamento do teatro para bebês?

Luiz André Cherubini: Na busca de uma arte aberta a todos os espectadores, menos mercantilizada, menos de consumo, procuramos oferecer nossos espetáculos ao público de bebês gratuitamente. Isto não é garantia de que teremos uma plateia realmente misturada, em termos de origem, classe social, formação, mas é sempre uma busca de não nos colocarmos como prestadores de serviço, preservando o sagrado de nossa arte. Parece vaidoso dizer que a sua arte é sagrada, mas o caso é que existe um entendimento deste sentido sagrado mesmo para um espectador. Ninguém permite, por exemplo, que um fotógrafo suba ao palco para tirar uma fotografia (que ficaria linda) do fundo da cena. Nenhum espectador permite que um funcionário do teatro interrompa um espetáculo para avisar de um carro mal estacionado à porta, mesmo que se trate do próprio carro. Para financiar estes espetáculos gratuitos, buscamos o apoio de instituições públicas e privadas. Acreditamos que o governo tenha a obrigação de subvencionar a arte e a cultura, a fim de garanti-las a toda a população. Mas não é sempre que isso se dá e este não costuma ser o entendimento dos governantes, mesmo sendo o da maioria da população.

  • Lunetas: Dentro das diversas experiências do grupo, podem compartilhar alguma que tenha se destacado na relação das crianças com o palco?

Luiz André Cherubini: Todo encontro com os bebês é único e os espectadores do Teatro para Bebês sempre poderão perceber a profundidade de cada encontro. Temos vivido experiências incríveis. Inúmeras. Mas as apresentações em creches são particularmente especiais, porque subvertem o cotidiano, porque transformam o espaço e assim se tornam especialmente mágicos e sagrados.

A chegada de um espetáculo para bebês a uma creche é como a chegada de um circo a uma cidadezinha do interior. E nos dá a certeza de que arte e educação devem andar, sempre, juntas.

 

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