O nascimento de João foi um misto de alegria e medo para a mãe Marina Tófoli. Era nove horas de uma manhã festiva para a família quando ele veio à luz. Mas, no meio daquela tarde, João precisou ir para a UTI. Lá, os médicos identificaram uma cardiopatia e hipertensão pulmonar, o que acendeu, então, o alerta para a equipe de que ele poderia ter síndrome de Down.
“O João não era tão molinho nem apresentava flacidez muscular significativa. Ele nasceu bem e se mexia bastante. Os olhinhos puxados, que é uma das características da síndrome de Down, pareceu para nós uma herança do pai, que é oriental”, lembra Marina. Além dos olhos amendoados, bebês com síndrome de Down também costumam ter feições delicadas, orelhas pequenas, mãos com dedos curtos e prega palmar única, por exemplo.
Quando o inchaço passou, as características físicas da síndrome de Down ficaram mais evidentes. Com o diagnóstico clínico, João foi submetido ao teste genético para identificar possíveis alterações cromossômicas. Assim, o exame confirmou que João nasceu com a condição. “Tive muito medo quando recebi a notícia, o medo do desconhecido”, conta Marina. “A ideia que eu tinha naquela época era que o João não poderia ter uma vida autônoma. Eu sabia pouquíssima coisa sobre a síndrome.”
Mas, “a pediatra foi encantadora. Ela falou que ter a síndrome não era problema e que hoje uma pessoa com a condição consegue viver bem, feliz, e ser independente”, diz.
Já Diná Esteves recebeu a notícia de “maneira ríspida e grossa”. “A médica não soube se expressar de forma empática ao nos dizer isto. Fiquei muito triste. Ela é minha primeira filha e a gente idealiza o filho ou filha ‘perfeito’”, lembra a mãe de Pietra, hoje com um ano de idade. Apesar do primeiro impacto, “a cada dia vou aprendendo como criar ela”.
O que fazer ao receber a notícia?
Hoje, Diná e Pietra frequentam o Ambulatório Multidisciplinar de Atendimento à Criança com Síndrome de Down (AmbDown). O espaço foi criado há oito anos para atender crianças com síndrome de Down e suas famílias no Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), no Rio de Janeiro, onde Anna Paula Baumblatt trabalha. A pediatra com mais de 10 anos de experiência com crianças com síndrome de Down sabe muito bem o que são os medos e as inseguranças dessas famílias: seu filho Fernando, hoje com 13 anos, foi diagnosticado logo após seu nascimento. Desde então, ela passou a estudar e se dedicar à síndrome, combinando sua vivência como mãe atípica e sua experiência profissional.
A ideia era oferecer atendimento multiprofissional, fator fundamental para garantir atenção integral à saúde e qualidade de vida às crianças com síndrome de Down, pois permite um plano de cuidados individualizado e mais harmônico. Afinal, a comunicação entre os profissionais só traz benefícios para quem é atendido. Além de promover a troca entre profissionais, o objetivo era facilitar a logística de pais e mães de crianças com a síndrome que muitas vezes precisam consultar diferentes especialistas, cada um em um lugar.
Segundo ela, o tratamento oferecido pelo SUS às crianças com a síndrome enfrenta desafios, principalmente de falta de recursos humanos. “Mas também de espaço físico adequado para atendimento multidisciplinar, de recursos financeiros e investimentos para diagnóstico e tratamento com as especialidades necessárias, e de centros de reabilitação para as terapias complementares.”
Então, com apoio da chefe da Genética Médica Pediátrica do Hupe e amiga Raquel Boy, Baumblatt coordena o ambulatório, que é o único centro de referência para pacientes com a síndrome no estado. Se no começo o local atendia só três pacientes, atualmente, acolhe de cinco a seis famílias por semana que moram na cidade do Rio de Janeiro e também em municípios vizinhos, e têm crianças de zero a três anos diagnosticadas com a síndrome.
De acordo com Baumblatt, as mães que frequentam o AmbDown costumam descobrir o diagnóstico após o nascimento dos filhos. Além do impacto de como essa notícia é comunicada – nem sempre de forma gentil – geralmente existem muitas dúvidas sobre o que a presença de um bebê com síndrome de Down pode representar para a vida futura da família. “Elas chegam sem compreender a complexidade da síndrome de Down e perdidas em relação ao acompanhamento e como devem proceder nos cuidados com seus filhos.”
“Mas, pela minha experiência e vivência clínica, a maioria das famílias aceita seus filhos e se sente feliz com eles. Desfrutam de uma vida plena, uma vez que a presença da síndrome não constitui impedimento para tal. O que todo pai e mãe precisa saber é que crianças com a síndrome precisam de afeto e oportunidades para se desenvolverem no máximo do seu potencial. Ao receber um diagnóstico, eles podem buscar orientação médica, terapias e recursos que ajudem a promover o desenvolvimento saudável e o bem-estar da criança.”
“Um diagnóstico não define a pessoa. Cada criança é única e pode alcançar marcos de desenvolvimento significativos com o suporte adequado”, diz a pediatra.
Contra o medo: apoio psicológico, informação e brincadeira
A notícia do diagnóstico de síndrome de Down, como de qualquer outra condição genética que seja detectada nos exames de pré-natal ou após o nascimento da criança, pode trazer estresse e ansiedade para pais e mães. O nascimento de uma criança atípica demanda que toda a família se reorganize. Nesse sentido, o acolhimento psicológico pode ajudá-los a compreender e elaborar melhor os sentimentos.
“Os pais que se depararam com o diagnóstico da síndrome dos filhos se beneficiam muito de um espaço onde podem falar sobre suas angústias, desconfortos, medos, expectativas e aspirações“, afirma Andressa Diniz, psicóloga com experiência no acompanhamento psicológico dos pacientes com síndrome de Down e de seus familiares. Assim, eles podem “se instrumentalizar para poder lidar com as questões que atravessam o cotidiano dessas crianças.”
No entanto, ter uma rotina nem sempre é fácil. Bruna, 3, que nasceu com a síndrome, faz terapia e vai à creche três vezes por semana. “Esta rotina intensa traz uma instabilidade emocional grande. A vida atípica é muito pesada. O apoio psicológico é muito importante”, conta a mãe, Gisele Victorino, que atualmente faz terapia on-line e em grupo com outras mães atípicas.
Também por conta das múltiplas demandas com o filho Guilherme, 2, diagnosticado com síndrome de Down ao nascer – que inclui sessões de fisioterapia e fonoaudiologia, além das idas à creche – Tatiana Guimarães não conseguiu manter as consultas com a psicóloga.
“No começo, não achei que ia adiantar, mas, com o tempo, fui vendo como era importante falar. Até porque com a psicóloga eu me sentia à vontade de comentar coisas que não conseguia falar com ninguém”, afirma Tatiana. Além disso, “junto ao diagnóstico, vem uma enxurrada de incertezas e cobranças que às vezes a gente mesmo se coloca”, diz. “Depois que Gui nasceu, o tempo que tenho me dedico a conseguir as coisas para ele. Mas pretendo voltar para a consulta em algum momento. Sinto falta.”
“Olhem menos para o diagnóstico e para a síndrome, e mais para a criança”, recomenda Marina Tófoli.
“Essa criança, antes de ter uma síndrome, que é apenas uma característica, é uma pessoa com potenciais e vontades“, diz Marina. “Claro que vocês precisarão atender algumas necessidades terapêuticas, mas a síndrome de Down não define nossos filhos.”
Além das sessões de fonoaudiologia, com uma psicopedagoga e terapia ocupacional, João vai começar aulas de futebol, esporte que ama, e também de natação. “É uma rotina puxada. Precisamos sempre nos vigiar para que ele tenha tempo de ser criança também e escolher o que gostaria de fazer com o tempo dele.”
Como reforça a pediatra Baumblatt, “o brincar inclusivo, que envolve crianças com e sem síndrome de Down, é um momento em que a criança pode desenvolver habilidades sociais e construir amizades”. Essa interação, além de promover um ambiente de inclusão e de interação social, ajuda a criança com síndrome de Down a superar desafios na comunicação, estimula a cognição e melhora as habilidades motoras.
Onde encontrar acolhimento e informações de qualidade?
- Chat 21
O site oferece acolhimento e informação gratuitos a distância, direcionado a famílias de pessoas que têm síndrome de Down.
- Movimento Down
O site reúne conteúdos e iniciativas que contribuem para a inclusão de indivíduos com síndrome de Down na sociedade.
- Guia para mães e pais de crianças com síndrome de Down
A cartilha traz o relato de pais sobre o que sentiram, além de informações que gostariam de ter recebido ao saber do diagnóstico dos filhos.
- Crescer com síndrome de Down – Histórias de inspiração
A série de vídeos traz histórias inspiradoras de pais e suas crianças com síndrome de Down.
Para estimular a conscientização da necessidade de inclusão, do respeito à diversidade e do protagonismo das pessoas com síndrome de Down, além de combater o capacitismo (discriminação contra pessoas com deficiência), hoje se comemora o dia internacional da síndrome de Down em todo o mundo. Este ano, o tema da campanha é “Chega de rótulos”.
Esses sinais podem ser identificados no exame físico logo após o nascimento, mas também é possível fazer o diagnóstico por meio de exames durante o pré-natal. Quando se suspeita da presença da síndrome, a confirmação é realizada por meio do teste genético chamado cariótipo, que indica a presença de três cromossomos 21, caracterizando a trissomia do cromossomo 21. A síndrome de Down não é uma doença, mas uma condição genética causada pela presença de um cromossomo extra no par 21. Essa carga genética a mais é que afeta o desenvolvimento físico e cognitivo na pessoa diagnosticada. No Brasil, estima-se que 300 mil pessoas têm a síndrome. Contudo, a notificação ao nascimento de que o bebê tem a condição, apesar de compulsória, não é efetiva por dificuldades relacionadas ao diagnóstico clínico e a pronta realização do teste genético.