Sífilis na gravidez: estamos diante de uma epidemia no Brasil

A sífilis congênita é uma doença grave e acarretas sérios danos ao bebê. Porém, com diagnóstico a tempo, é fácil resolver. Saiba mais

Mayara Penina Publicado em 25.10.2017
Mulher deitada apalpando a barriga de gestante

Resumo

A sífilis na gestação leva a mais de 300 mil mortes fetais e neonatais por ano no mundo, e coloca um adicional de 215 mil crianças em aumento do risco de morte prematura. Por que, mesmo com um maior acesso das mulheres ao pré-natal, a sífilis congênita está aumentando?

  • A sífilis na gestação leva a mais de 300 mil mortes fetais e neonatais por ano no mundo, e coloca um adicional de 215 mil crianças em aumento do risco de morte prematura;
  • Em 2015, 1750 bebês morreram por sífilis congênita ou por aborto por sífilis no Brasil;
  • Em 2015, 78,4% das mães de crianças com sífilis congênita fizeram pré-natal, enquanto 15,0% não fizeram.

Os dados acima revelam que estamos vivendo uma epidemia de sífilis no Brasil, uma doença sexualmente transmissível que parecia apenas estar no imaginário da população. “Esse aumento não está acontecendo só no Brasil. Há um aumento global das doenças sexualmente transmissíveis como um todo, principalmente a gonorreia”, afirma Caio Oliveira, especialista em HIV/Aids do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância).

A sífilis é causada pela bactéria Treponema pallidum e pode apresentar várias manifestações clínicas e diferentes estágios (sífilis primária, secundária, latente e terciária). A sífilis pode, ainda, ser congênita. Nela, a mãe infectada transmite a doença para o bebê, seja durante a gravidez, por meio da placenta, ou na hora do parto.

Trezentos mil bebês no mundo morrem por ano no mundo em decorrência da sífilis

Em 2015, houve a morte de 1750 bebês sendo por sífilis congênita, aborto por sífilis ou bebês natimortos. Há também aqueles que sobrevivem da sífilis e acabam sofrendo uma série de consequências no desenvolvimento. “A criança pode ter comprometimentos neurológicos e físicos. A sífilis ataca os ossos, o sistema imunológico, pode causar surdez e comprometimento oftalmológico”, alerta Caio Oliveira, que é especialista em saúde coletiva.

Os efeitos da bactéria causadora da sífilis no desenvolvimento das crianças podem ser tão devastadores quanto os provocados pelo vírus da zika.  A diferença é que o tratamento contra a sífilis é simples, feito com um antibiótico, a penicilina benzatina, o único medicamento capaz de impedir a transmissão da mãe para o filho. O remédio é aplicado por injeção intramuscular e a dosagem varia de acordo com a fase em que a doença se encontra.

Por que uma doença tão facilmente curável voltou a ser uma ameaça?

No século XV, a sífilis foi responsável por uma das primeiras epidemias globais, com milhares de mortes por toda a Europa pois a penicilina ainda não havia sido descoberta. A partir da descoberta da penicilina, em 1928, a doença passou a diminuir. Um reforço importante ao combate à doença foram as campanhas para aumentar o uso do preservativo, que ganharam força com a descoberta do vírus da Aids, na década de 1980.

Em entrevista ao Lunetas, Caio Oliveira explicou o motivo pelo qual a doença chegou a números alarmantes.

“Um problema que impede o controle da sífilis foi o desabastecimento do medicamento básico para a cura: a penicilina benzatina. Houve um desabastecimento global a partir de 2014 no mundo todo e o Brasil também foi afetado”, esclarece.

Segundo ele, a penicilina é um medicamento muito barato e que não rende lucro aos laboratórios.

“Então, os laboratórios precisam parar sua linha de produção de medicamentos mais rentáveis para produzir a penicilina, isso fez com essa produção fosse diminuindo e o controle da doença acabou sendo prejudicado”. O Ministério da Saúde vem empreendendo algumas ações para controlar a doença: “Uma delas foi a compra emergencial dos medicamentos em 2015 e 2016 para tentar conter o avanço da epidemia”, diz Caio.

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Testes rápidos para diagnóstico da infecção pelo HIV e triagem de sífilis na Atenção Básica, do Sistema Único de Saúde (SUS).

Mesmo com a reversão do desabastecimento, as autoridades da saúde ainda tem outro desafio: a formação dos profissionais da atenção básica de saúde. Oliveira explica que os profissionais da atenção básica têm preocupação em ministrar a penicilina na gestante e causar um choque anafilático.  “Eles não têm suporte para fazer a reversão do choque anafilático, mas a probabilidade do choque é insignificante, 0,01% dos casos de pessoas podem ter choque anafilático”, garante.

Em 2016, ¼ das mães de crianças que nasceram com sífilis congênita, tinham entre 10 e 19 anos. Já as mães com 10 a 14 anos representam 1% dos casos. Outro dados que nos faz pensar é que 79, 5% tiveram ao menos três consultas no pré natal. As que tiveram tiveram o diagnóstico de sífilis durante o pré natal representam 55,5% e só 4,12% é que fez o tratamento adequado ou não realizou nenhum tipo de tratamento. Caio avalia que este dado é extremamente preocupante. “Há o diagnóstico, mas não há a medicação adequada”.

Em junho deste ano, o Cofen (Conselho Federal de Enfermagem) publicou nota técnica sobre administração da Penicilina Benzatina reforçando a importância da administração da Penicilina Benzatina nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) para conter avanço da sífilis.

“Uma série de estudos nacionais e internacionais demonstram que a ocorrência de reações alérgicas é estimada em 2% por curso de tratamento e reações anafiláticas ocorrem em apenas 0,01% a 0,05% dos pacientes”, diz a nota

No início de outubro Justiça Federal Brasília concedeu uma liminar ao Conselho Federal de Medicina que proíbe enfermeiros de realizar esses exames e ministrar penicilina nas pacientes. O Unicef enxerga esta medida com preocupação. “Se no passado, com profissionais disponíveis testando e ministrando medicamentos, tivemos um aumento de quase seis vezes em cinco anos entre 2010 e 2015, imagina, com redução dos profissionais de saúde  dedicada ao combate da sífilis e ao controle de epidemia”, lamenta. O CFM argumenta que estas atividades são exclusivas dos médicos e não de enfermeiros.

“Se a gestante não encontrar na UBS (Unidade Básica de Saúde), o teste rápido de sífilis ou a penicilina ela precisa solicitar o encaminhamento para um serviço mais próximo em que haja disponibilidade. É um direito da gestante e dever do Estado”

Prevenção

Como para qualquer outra doença sexualmente transmissível, a melhor prevenção é uso do preservativo feminino ou masculino.

“Para detectar a doença nos homens, não há o filtro que as mulheres têm que é o pré-natal. É nesse filtro que a gente consegue identificar.

“Ao detectar a sífilis na mãe, o ideal é que o parceiro também faça o tratamento para não haver reinfecção da gestante”, esclarece Caio

“O público masculino também tem a responsabilidade de se testar. Mas, culturalmente, o homem não busca os serviços de saúde para prevenção, apenas quando está muito doente. É impreciso interromper a cadeia de transmissibilidade”, finaliza.

Aqui, é possível ver os dados detalhados sobre a sífilis no Brasil.

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