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O Brasil está pronto para permitir que mais Franciscos sonhem?

Foto da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Da esquerda para direita: Aline Sousa, uma mulher negra de tranças; Flávio Pereira, um homem negro grisalho; Lula, um homem branco grisalho; Francisco, um menino negro de azul e óculos; Ivan Baron, um homem de pele clara e roupas brancas; Weslley Viesba Rodrigues Rocha, um homem negro de boné e roupas pretas; e Murilo de Quadros Jesus, um homem branco de óculos, terno e gravata.

O menino Francisco Carlos, 10, foi uma das pessoas que participaram da posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a solenidade de passagem de faixa, no último domingo (1). Após assistir “Lula, o filho do Brasil”, ele entendeu que para ser presidente de um país não é necessário nascer em uma família cujos antepassados também eram presidentes. 

“Você nascendo na periferia, sendo uma pessoa ‘normal’, também pode ser presidente!”

Morador de Itaquera, bairro da Zona Leste de São Paulo, Francisco diz, em entrevista ao Lunetas que, quando subiu a rampa do Palácio do Planalto com Lula e todo mundo, “senti que estava representando as pessoas negras e as crianças que têm sonhos grandes que querem realizar”, conta. Quando Francisco sobe a rampa, ele não sobe sozinho. Francisco nos lembra Miguel, João Pedro e as “crianças matáveis” em nosso país por conta da cor da pele. Como classificou a psicóloga Juliana Prates, nossa colunista, para falar das crianças e dos adolescentes negros mortos de forma violenta no Brasil. Segundo o Anuário Brasileiro da Violência 2022, em 2021, das 248 crianças vítimas de morte violenta intencional, 66% eram negras. O anuário registrou 2.303 mortes violentas, sendo 83,6% adolescentes negros.

Quem subiu a rampa com Francisco na posse de Lula?

  • Aline Sousa, 33, catadora
  • Cacique Raoni Metuktire, 90, líder indígena e ambientalista
  • Weslley Viesba Rodrigues Rocha, 36, metalúrgico
  • Murilo de Quadros Jesus, 28, professor
  • Jucimara Fausto dos Santos, 45, cozinheira
  • Ivan Baron, 24, pessoa com deficiência (paralisia cerebral)
  • Flávio Pereira, 50, artesão

“Como pais de um menino negro, eu e meu marido sempre conversamos com ele sobre racismo. Ele tem entendido bem, mas ficamos atentos o tempo todo”, conta Nascimento. Afinal, diante de um povo historicamente marcado pelo racismo estrutural, ainda é preciso defender o óbvio: infâncias negras importam. Para Prates, “é como se o fracasso fosse o destino dado às pessoas negras. Quando elas vencem, é quase uma vingança ao sistema”, diz. 

“Francisco é a vitória de todos que o antecedem. E abre portas para todos que virão depois dele”

Tomaz Silva/Agência Brasil

Cerimônia de posse do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no Palácio do Planalto

Reparação histórica e direitos humanos

Em seu discurso de posse na Câmara dos Deputados, o presidente Lula fala de reparação histórica para a população negra, ao mencionar “não ser admissível que negros e pardos continuam sendo a maioria pobre e oprimida de um país construído com o suor e o sangue de seus ascendentes africanos”. Na terça-feira (3), Silvio Almeida, Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, lembra que pessoas negras tratadas como sujeitos de direito são “a vitória de nossos ancestrais”, além de mencionar que não adianta um Ministério de Direitos Humanos se ele não funcionar para a infância.

“Levemos a sério a vida do povo brasileiro e, sobretudo, com absoluta prioridade, a vida das nossas crianças”

Para Prates, “a presença de Francisco representa mais do que o futuro, representa a infância como prioridade hoje e agora, com a garantia de um Estado que não vai matar as crianças negras, ao contrário, vai fazer elas vivas, presentes, existentes. Francisco só pôde subir naquela rampa pois muitos morreram pela liberdade! Francisco entra pela porta da frente do Planalto, em função da luta do movimento negro”, diz.

“Francisco na posse não foi um mero ornamento, mas uma criança sujeito de direitos, participando ativamente no momento de entregar a faixa ao presidente”

A psicóloga também observa como as infâncias estiveram presentes em vários discursos dos ministros empossados, que vão desde a valorização da educação e da cultura para a infância, por Margareth Menezes (Ministra da Cultura); da importância da vacinação e de políticas não-negacionistas, por Nísia Trindade (Ministra da Saúde); e da proteção integral das mulheres, por Cida Gonçalves (Ministra das Mulheres), “porque cuidar das mulheres é também cuidar das crianças”, arremata Prates. Ela destaca ainda a importância do discurso de Silvio Almeida (Ministro dos Direitos Humanos e Cidadania), quando ele fala “vocês existem e são especiais pra nós”. São diversos sinais que indicam que as crianças serão tratadas como prioridade absoluta, finaliza.

Uma carta, um convite, muita esperança

Até o último Natal, a vida de Francisco consistia em participar de campeonatos de natação pelo Corinthians e colecionar medalhas. O menino conheceu Lula no tradicional Natal dos Catadores, evento organizado pela Associação Nacional dos Catadores, em São Paulo, em 2022. Lá, pôde entregar uma carta ao presidente.

Telma Nascimento/Acervo pessoal

Carta de Francisco endereçada a Lula

“Na época que conclui a carta, eu pensava que era o único jeito de se comunicar com o Lula. Eu só queria colocar na carta o quanto eu gostava dele e o quanto o admirava, mesmo sendo novo”. Agora, as expectativas de Francisco para o Governo Lula passam pelo desejo de ver escolas, faculdades e creches reformadas, mais atenção para as crianças e para o esporte, principalmente a natação.

“Eu vi um texto que dizia que precisamos ter mais Pelés e mais Franciscos. Mas todas as crianças, não apenas os Franciscos e os Pelés, precisam acreditar em seus potenciais e não desistir”

Expectativas para o presente e o futuro

Apesar da expectativa para os próximos quatro anos serem as melhores possíveis, para a assistente social Telma Nascimento, mãe de Francisco, é preciso manter os pés no chão: “não estamos iludidos achando que vai ser fácil, mas com certeza será um governo de avanços e conquistas”, coloca. Nascimento ainda reforça a importância de não dizer apenas que as crianças são o futuro do Brasil, mas o hoje e o agora: “a gente espera que esse governo trate a pauta da criança e adolescente como prioridade, o esporte como prioridade. Que a gente possa ter um governo que olhe pra frente”, finaliza.

Logo após a posse, o presidente Lula assinou oito decretos, entre os quais quatro impactam diretamente as crianças e asseguram seus direitos: é derrubado decreto que incentiva matrícula de crianças com deficiência em instituições segregadas; o Fundo Amazônia é retomado e é revogado o decreto pró-garimpo, o que significa mais investimento e proteção às florestas; são derrubadas normas que facilitam acesso da população a armas de fogo, protegendo as crianças da cultura da violência; e, por fim, para vencer a fome, volta a existir o conselho de segurança alimentar.

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