Organizações da sociedade civil se posicionam contra projeto que prevê o fim das multas para motoristas que deixarem de usar a cadeirinha
A proposta do governo é acabar com a multa por não usar cadeirinha e transformá-la numa advertência por escrito. Entenda os argumentos das organizações.
No dia 4 de junho, o presidente Jair Bolsonaro apresentou na Câmara dos Deputados o projeto de lei 3267/2019 que, entre outras medidas, prevê eliminar a multa para os motoristas que transportarem crianças em veículos sem o uso dos dispositivos de retenção veicular infantil, o chamado bebê conforto, a cadeirinha ou assento de elevação.
O projeto mantém a obrigatoriedade de cadeirinha para crianças com até sete anos e meio, no banco traseiro do veículo, no entanto, prevê apenas advertência por escrito para quem descumprir a regra. Hoje, não utilizar cadeirinha é considerado infração gravíssima punida com multa. Atualmente, o assunto é regulamentado pelo Conselho Nacional de Trânsito (Contran). Para ser aprovado, o PL deverá passar ainda por discussão e votação na Câmara e no Senado antes de ser sancionado pela Presidência da República.
Em uma carta aberta, organizações da sociedade civil se manifestaram contra a proposta e pedem aos congressistas: “Avaliem bem o possível impacto dessa medida, pois ela pode prejudicar de maneira irreversível o futuro de milhares de crianças e famílias brasileiras, além de elevar o custo para o governo do atendimento em saúde.”
O departamento Científico de Segurança Sociedade Brasileira de Pediatria, o Instituto Alana, a ONG Visão Mundial e a Sociedade de Pediatria de São Paulo estão entre as organizações que assinam o documento.
O texto cita um estudo observacional realizado na cidade de São Paulo pela Iniciativa Bloomberg para Segurança Global no Trânsito, Johns Hopkins e USP. O trabalho mostra que 47% dos motoristas não utilizam a cadeirinha ao transportar crianças em veículos.
Para as organizações, esse dado é extremamente preocupante, pois os dispositivos de retenção veicular são a única forma segura de transportar crianças dentro de um veículo. Os bancos dos carros e os cintos de segurança são projetados para pessoas com mais de 1,45 m de altura (esta altura é atingida por volta dos 11 anos de idade). Sendo assim, para que a criança esteja de fato protegida em caso de um acidente de trânsito, é essencial que ela utilize o equipamento correto para sua idade, peso e altura. Esses dispositivos, quando usados corretamente, reduzem em até 71% o risco de morte em caso de colisão.
Confira aqui a carta na íntegra.
No Brasil, o trânsito é a principal causa de morte acidental de crianças e adolescentes de zero a 14 anos. Todos os dias, três pessoas dessa faixa etária morrem por esse motivo. A maioria desses óbitos são decorrentes de acidentes de carro.
Especificamente na faixa etária de zero a nove anos, que é o grupo etário que deve utilizar os dispositivos de retenção veicular, em 2017, 40% das crianças que morreram em acidentes de trânsito eram passageiras de veículos. Naquele ano, 279 crianças perderam a vida e outras 579 foram internadas em estado grave só no SUS em razão de acidentes de carro. Muitas dessas crianças acabaram com lesões permanentes, que as acompanharão pelo resto de suas vidas.
Trata-se de consenso entre especialistas em prevenção de acidentes, com embasamento em sólidas evidências científicas, que apenas campanhas educativas e ações de orientação por parte de profissionais não são suficientes para mudar comportamentos de forma efetiva e, assim, reduzir o número de mortes no trânsito. É preciso que a essas campanhas se aliem leis e fiscalização que reforcem a importância do uso desses equipamentos e até mesmo que sejam feitas mudanças estruturais, como a redução da velocidade máxima permitida nas vias.
“É muito importante que toda a população entenda a importância de utilizar os equipamentos de proteção para crianças ao transportá-las em veículos independentemente da penalidade de uma multa. Porém, sabemos que, na prática, a medida que o governo está propondo irá resultar na diminuição do uso desse equipamento de proteção. O que, sem qualquer dúvida, aumentará muito o número de morte de crianças em acidentes de trânsito no país”, diz o texto da carta.