Para o líder indígena Ailton Krenak, a pergunta desconsidera a integridade da criança. "Ela já é", defende
Durante a Ciranda de Filmes, diversos nomes do universo das infâncias se reuniram para conversar sobre o assunto. Entre eles, o líder indígena Ailton Krenak, o educador português José Pacheco e a educadora Lira Marques.
Era mais uma das tardes frias de São Paulo, mas quem esteve na primeira roda de conversa da Ciranda de Filmes no dia 9 de junho, teve seu coração aquecido. Com o tema “Mediador de mundos”, Fernanda Heinz Figueiredo, uma das curadoras da Ciranda recebeu o líder indígena Ailton Krenak, o educador José Pacheco e a cantora de cantigas populares Lira Marques para uma conversa sobre os mestres.
Neste bate-papo, os mestres apareceram nas figuras de lideranças comunitárias, guardiões de tradições originárias e educadores das práticas democráticas.
Lira Marques é educadora popular de Araçuaí (MG), cantora de cantigas populares, mestra na cerâmica.
“Se eu sou uma artesã hoje é porque tudo que sei eu aprendi com minha mãe. Em época de Natal, ela fazia presépios para doar às famílias. Eu observei muito até começar a trabalhar com cera de abelha. Foi minha mãe também que me ensinou os cantos de roda. Nós sentávamos nas calçadas para cantar e brincar de roda com adultos e crianças. Minha mãe foi minha principal mestra. Com ela aprendi a valorizar o que é próprio do nosso povo.
Há mestres de sabenças ancestrais, como os avós, e mestres de saberes ligados ao embrião da humanidade, as crianças, aquelas que nascem mais para ensinar do que para aprender.
“Por isso, perguntar para uma criança o que ela quer ser quando crescer é uma ofensa. Como se ela fosse receber um crachá de ‘ser’ só quando adulto. Isso é apagar o que ela já é”, criticou Ailton
Complementando a ideia de que a natureza é um mestre, a educação e escolarização foi um dos temas bastante analisados por Ailton durante o evento. Para ele, “a pasteurização das culturas chegou ao cúmulo de criar um formato do que seria uma escola. Isso é apagar todas as culturas, empastelar toda uma civilização”. O povo Krenak é extremamente resistente a ideia de alfabetização, letramento, escolarização.
“Eu resisto bravamente à escrita pois é necessário que se mantenha a tradição oral”, diz Krenak
A artista Lira ratifica a importância das relações com os antepassados, a tradição e memória. Lira fez uma vasto trabalho de pesquisa e registro de cantigas de roda e festejo local do do Vale do Jequitinhonha.
Em outra experiência, o português José Pacheco, um dos grandes dinamizadores da gestão democrática, contou sua experiência com escolas, que em sua opinião, também pode ser um instrumento de mudança.
José Pacheco fundou em 1976 a Escola da Ponte, referência mundial em pedagogia inovadora.
Neste modelo, “numa aula não se aprende nada e uma prova não prova nada e, as escolas não são edifícios, são pessoas”. Reiterando a fala de Krenak, ele também citou as crianças como os mestres, que nos ensinam todos os dias.
Ailton Krenak dirige o Núcleo de Cultura Indígena, é idealizador do Festival de Dança e Culturas Indígenas, ambos na Serra do Cipó (MG).
“Eu nasci num cortiço onde não entrava polícia nem ambulância. O senhor Cardoso me livrou de um destino horrível, pois, na rua da minha infância, o ele era o único que lia livros. Todos os meus companheiros de infância morreram com menos de 30 anos e eu fui salvo pelos livros. Mais adiante fui encontrando outros mestres e hoje vejo que os maiores mestres são as crianças.
São muitos os mestres que inspiram e iluminam a longa jornada de aprendizado que é a vida e para exemplificar este pensamento, cada participante iniciou a conversa compartilhando uma memória de seus mestres da infância.”
O mestre que quero compartilhar é esta entidade intangível que é a natureza. É uma aventura viver e sobreviver quando se está em fricção com a natureza. A natureza me ensinou o sentido da liberdade e que reconhece todos os outros como iguais. Isso é liberdade. E como vivo num mundo de iguais, não tenho do que ter medo.”