Parto humanizado: ‘ouvir as escolhas da mãe traz a humanização’

Seja qual for a escolha da mãe, as condições para que ela se concretize devem ser humanas e sensíveis às suas necessidades físicas e emocionais

Da redação Publicado em 24.10.2017

Resumo

Um parto saudável é feito de escuta, cuidado e amor. "Tudo começa ouvindo a paciente", diz Rita Sanchez, coordenadora do Projeto Parto Adequado.

Mentalize essas duas palavras: parto humanizado. Sem raciocinar muito, o que vem primeiro à sua mente? É provável que apareça a imagem de uma mulher em casa, rodeada por médicos particulares e doulas; talvez ela esteja de cócoras, quem sabe em uma piscina? A associação que muitas pessoas imediatamente fazem entre o chamado “parto humanizado” e o parto normal domiciliar é mais um indício de como deixamos escapar a naturalidade do ato de nascer. Quantas mulheres podem bancar as condições descritas acima? Se o mesmo exercício fosse feito perguntando “agora imagine um parto hospitalar”, muito provavelmente o cenário fosse outro.

A boa notícia é que apesar do que podem indicar o senso comum e as livres associações, o parto humanizado pode ser via normal, vaginal, ou cesárea. Da mesma forma, lutar contra a violência obstétrica não significa condenar a prática da cesárea. Afinal, importa menos qual desses tipos de parto for escolhido, do que a forma como serão conduzidos. O parto, seja qual for e onde for, deve ser feito de escuta, cuidado e afeto.

Para Rita Sanchez, coordenadora do Programa Parto Adequado, do Hospital Israelita Albert Einstein, o que o define como tal é a qualidade do atendimento – seja ele qual for, dentro ou fora dos centros hospitalares. Em entrevista ao Lunetas, ela defende que é preciso haver escuta, cuidado e presença ativa da equipe envolvida.

“As boas práticas que promovem o respeito à paciente, ouvir suas escolhas durante o trabalho de parto e após o parto, é que trarão a humanização ao atendimento. Como exemplos, podemos citar o fato de  que não se deve manter jejum durante as contrações e dilatação, que um acompanhante da escolha da paciente fique o tempo todo com ela, ou ainda que a paciente  escolha sua posição no parto vaginal. Além disso, durante a indicação de cesárea, esta deve estar baseada em evidências científicas, sem privar a paciente de aguardar o termo da gestação e o trabalho de parto; o bebê pode ter contato imediato com a mãe, e ser amamentado na primeira hora, mesmo nas cesáreas (quando as condições de mãe e bebê permitirem, claro)”, explica Rita.

Image

Seja qual for a escolha da mãe, as condições para que ela se concretize devem ser humanas e sensíveis às suas necessidades físicas e emocionais.

Resgatando a naturalidade do nascer

Afinal, por que precisamos adjetivar a palavra “parto”, uma prática que nasceu junto com a humanidade? A que – ou a quem – serve este adjetivo colocado aqui? Que indícios ele traz de que há um pedido de cuidado em torno do parto? É preciso resgatar o humano no ser humano? Foram estas as perguntas que fizemos a Sanchez, na tentativa de compreender quando é que perdemos a humanidade que hoje buscamos resgatar.

“Como em todas as áreas, hoje em dia, a questão da humanização vem sendo buscada, o respeito ao indivíduo como um todo. Nas últimas décadas, o Brasil passou por acomodação nas práticas obstétricas que buscaram interesses de profissionais, hospitais, operadoras, órgãos públicos e outros, ao invés de pensarem no interesse de mães e bebês. Pelo lado das pacientes, a falta de cuidado voltado a elas fez com que a preferência pela cesárea prevalecesse”.

A especialista explica que foi essa acomodação do atendimento ao nascer aos interesses da classe médica que culminou numa transição progressiva do parto natural à cultura de cesáreas. Consequentemente, ocorre um aumento no número de atendimentos e, portanto, menos atenção individualizada a cada parturiente. O efeito direto deste ciclo vicioso é a violência obstétrica, que se define inicialmente pela inexistência de atendimento individualizado, e um desrespeito às decisões e necessidades (físicas e emocionais) da mulher em nome de um protocolo hospitalar a ser seguido.

“Todo o sistema foi evoluindo para uma cultura de cesáreas, principalmente no setor privado, sem que se raciocinasse nas consequências. Originalmente, o termo Parto Humanizado surgiu de um projeto no Setor Público lançado em 2000, onde se buscou dar suporte às pacientes durante o trabalho de parto, para que esse fosse um momento de felicidade, pois estaria nascendo seu filho, e não momento de stress por estar sozinha, ou com dor nos casos onde não havia acesso à analgesia no parto.

Como conduzir o parto para a humanização?

Diante de todo esse cenário, vem a importância de investir em iniciativas que garantam a consolidação dos direitos da gestante e ofereça o ambiente adequado para um nascimento saudável e sem traumas. Principalmente dentro dos hospitais, onde a mulher naturalmente fica mais sujeita a regras internas.

Um deles é o Parto Adequado, que iniciou sua segunda fase de desenvolvimento no primeiro trimestre deste ano, com resultados surpreendentes. Trata-se de um projeto do Hospital Albert Einstein em parceria com a ANS (Agência Nacional de Saúde) e IHI (Institute Healthcare) pela diminuição dos partos cirúrgicos e pela valorização da humanização tem o objetivo de identificar modelos inovadores e viáveis de atenção ao parto.

“O projeto veio da necessidade de diminuir os índices de cesárea nos hospitais privados, e ampliou-se para a segurança de mães e bebês por meio de boas práticas obstétricas. Nas últimas décadas, houve tentativas de se reduzir partos cesárea, sem sucesso. A porcentagem apenas aumentou até 2014. Já com o projeto piloto de 18 meses, e a metodologia de melhoria em saúde, vimos uma queda de 15 pontos percentuais nos partos cesárea nos hospitais do projeto. Com os aprendizados da fase piloto, o projeto virou Programa e foi ampliado para 136 hospitais, que terão agora dois anos para mostrarem seus resultados”, conta a coordenadora.

A missão principal da iniciativa é promover um atendimento integrado, e garantir que toda a assistência ao parto seja multiprofissional.

“Tanto da parte assistencial, quanto de remuneração, o Programa está promovendo que a assistência seja multiprofissional, ou seja, que não só médicos, mas também enfermeiros, obstetrizes, doulas e fisioterapeutas participem dessa assistência. Para isso, hospitais devem criar condições físicas e de processos assistenciais, como salas de parto PPP (pré-parto, parto e pós-parto), definição dos papéis de cada profissional, qual o nível de atuação e responsabilidades de cada um, para que essa interação de profissionais beneficie as mães e os bebés”, conta a coordenadora do projeto.

Como funciona?

Ao todo, serão 150 hospitais participantes, sendo 25 públicos, 90 novos hospitais e 35 hospitais que fizeram parte da primeira fase e seguem sendo acompanhados. Alguns hospitais que tiveram performance muito boa na fase I serão multiplicadores, formando hubs. Serão treinados pelo IHI e Einstein em ciência da melhoria e cada hub terá de 10 a 15 hospitais para orientar.  O Einstein e a ANS estarão presentes em todos os treinamentos. (Fonte: Hospital Albert Einstein).

Image

Os dados acima são acima são de 2016, e apontam os resultados positivos do projeto. Em 2017, o PPA entrou em sua segunda fase de desenvolvimento.

Qual a principal característica de um parto humanizado? Para Rita, a escuta é imprescindível.

“Tudo começa ouvindo as pacientes. Para isso, o plano de parto é o instrumento ideal. A paciente detalha suas escolhas e um diálogo sincero e construtivo pode ser iniciado ainda no pré-natal. O médico pode acompanhar o trabalho de parto respeitando os desejos da paciente, e sendo responsável pela segurança da mãe e do bebê, esclarecendo cada conduta e tomando decisões conjuntas”, resume.

Entre as condições favoráveis para que as decisões de parto da mãe não sejam respeitadas está o receio que a maioria das mulheres tem de questionar a autoridade médica. Como se apropriar de suas escolhas mesmo sendo “leiga” no assunto?

“A maneira mais adequada de a mulher se empoderar é se informando, sabendo muito sobre o trabalho de parto, sobre sua condição de saúde, realizando pré-natal, tirando suas dúvidas, ouvindo a experiência de outras mães, perguntando sobre suas opções e escrevendo seu Plano de Parto” – clique aqui para saber mais sobre o assunto, como fazer o seu.

É evidente a importância de a mulher buscar informações e empoderar-se em seu próprio caminho até o parto. Mas, consideramos que vivemos em uma sociedade que já não respeita as escolhas das mulheres de diversas maneiras, qual o limite entre defender o protagonismo da gestante e culpabilizar a mulher pelo que eventualmente der errado?

“Não existe apenas um culpado. O sistema é que levou as pacientes a criarem a cultura de que a cesárea é melhor. O limite se encontra na segurança das mães e dos bebês”

“O profissional deve respeitar as escolhas da mulher, apoiá-las em todos os passos da assistência ao parto, mas  tem também a responsabilidade de esclarecê-la dos riscos em cada situação, e fazer o melhor para ela e o bebê”, defende a obstetra.

É preciso lembrar: quem nasce é o bebê

O protagonismo da mulher no parto é fundamental para que ela possa concretizar suas escolhas e vivenciar o ato de dar à luz da forma mais tranquila possível. Porém, não podemos esquecer que quem nasce é o bebê. É ele quem vai deixar o conforto da barriga da mãe e chegar a este mundo completamente novo.

Os primeiros instantes nesse ambiente desconhecido do lado de fora do útero têm valor, e muito. O bebê irá direto para o seio de sua mãe, passará por procedimentos médicos desnecessários ou terá colo em suas primeiras horas de vida? Ficará isolado em uma sala fria e esterilizada? São estes os primeiros sinais que vão mostrar que mundo é este que aquele bebê vai habitar.

O obstetra francês Frédérick Leboyer – considerado um dos precursores da humanização ao parto -, no livro “Nascer Sorrindo”, fala sobre sobre o impacto desse ritual de boas-vindas logo após o nascimento.

“O que é o medo senão o desconhecido, o absolutamente novo? Aquilo que não podemos reconhecer nem classificar? Para que o recém-nascido não sinta medo é preciso revelar-lhe o mundo lentamente, de forma progressiva. Não oferecer mais sensações novas do que ele possa suportar, assimilar. E, assim, é preciso multiplicar as lembranças, as impressões do passado, para que o bebê possa relacioná-las. Até que, no universo totalmente desconhecido e, portanto, hostil, algo familiar venha tranquilizá-lo, acalmá-lo.”

*Este conteúdo foi produzido pelo extinto Catraquinha em outubro de 2017, em parceria com o Hospital Israelita Albert Einstein. Em maio de 2018, o Catraquinha migrou para o Lunetas.

Comunicar erro
Comentários 1 Comentários Mostrar comentários
REPORTAGENS RELACIONADAS