O Rei Leão da Amazônia: em releitura, Timão dança carimbó

Nas ilustrações de Vilmar Rossi Júnior, Simba e Mufasa são onças-pintadas, Rafiki é um uacari, Timão é uma irara e Pumba é um cateto

Da redação Publicado em 12.08.2019
Ilustração do filme “O Rei Leão”- Mostra animais, O Hakuna Matata, Timão e Pumba dançando.
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Resumo

O Rei Leão da Amazônia é uma série de ilustrações do designer gráfico Vilmar Rossi Júnior que começou como uma homenagem ao filme, e ganhou proporções socioambientais ao chamar a atenção para a preservação das espécies da floresta amazônica. Conheça!

“E se O Rei Leão acontecesse na Amazônia?” Foi essa a pergunta que o ilustrador e designer gráfico Vilmar Rossi Júnior fez aos seus pouco mais de 2.200 seguidores no Instagram, no começo do mês de julho. A partir daí, nasceu a pesquisa que daria origem a uma série de ilustrações que ficou conhecida nas redes como “O Rei Leão brasileiro”, ou O “Rei Leão da Amazônia”. Na releitura de Rossi, as savanas africanas e os desfiladeiros característicos do filme dão lugar à mata fechada da maior floresta tropical do mundo.

Personagens de “O Rei Leão da Amazônia”

Com a ajuda dos amigos e das pessoas que o acompanham nas redes, ele compôs um a um o elenco de animais amazônicos para substituir Simba, Mufasa, Rafiki, Timão, Pumba e toda a turma do original da Disney.

Na pesquisa, o autor descobriu quais são os animais típicos da região amazônica que mais se encaixam no perfil dos heróis do desenho. Foi aí que ele escolheu a estrelada fauna da Amazônia: a onça pintada fazendo o papel do leão Simba, o cateto no lugar do javali Pumba, uma irara (ou papa-mel) no lugar do simpático suricate Timão.

O artista procurou dar visibilidade a espécies pouco conhecidas, como o uacari que faz as vezes do babuíno Rafiki. Inicialmente, ele seria um mico-leão, mas os leitores problematizaram que o mico não é tão característico da Amazônia. Para cumprir o papel das hienas vilãs, Vilmar recorreu ao cachorro-do-mato-vinagre, também conhecido como janauí ou januara, um canídeo nativo da floresta amazônica.

Ao apresentar espécies tipicamente brasileiras que muitas vezes ficam fora dos livros de ciências e biologia, “O Rei Leão da Amazônia” se transforma em uma potente ferramenta pedagógica e cultural para os professores, as famílias e, claro, as crianças.

Conheça alguns animais amazônicos

  • Araçari-castanho – De nome científico Pteroglossus castanotis é uma ave da família Ramphastidae. Frequente da Colômbia ao Paraguai e no Brasil centro-meridional. A espécie mede cerca de 43 cm de comprimento, com um grande bico multicolor, bochechas, garganta e nuca castanhas, e uma barriga com faixa vermelha alargada dos lados.
  • Cateto – Semelhante ao javali ou porco-do-mato, este animal é um mamífero, e recebe muitos nomes, como patira, caitatu, pecari e tateto. Seu nome científico é Tayassu tacaju e sua ocorrência é na América do Sul.
  • Irara – É uma espécie tipicamente florestal, podendo ser encontrada desde do dossel de árvores até galerias de matas. O nome popular irara vem da junção dos termos tupis i’rá (mel) e rá (tomar). Já o nome científico da espécie (Eira) tem origem na língua guarani. No Brasil também é chamada de papa-mel, um dos seus alimentos preferidos.
  • Onça-pintada – De nome científico Panthera onca, é considerada o maior felino das Américas. No Brasil, ela é encontrada em todos os biomas, mas com grandes níveis de ameaça. A espécie é considerada uma das prioridades da Red List (Lista Vermelha) da IUCN (União Internacional de Conservação da Natureza).
  • Cachorros-do-mato-vinagre – Também conhecido como janauí ou januara na Amazônia e jaracambé ou aracambé no Brasil meridional, é um canídeo nativo da América do Sul. Segundo a IUCN, o cachorro-vinagre é uma espécie “quase ameaçada”. A espécie encontra-se nessas condições por conta do isolamento e da esparsa densidade das suas populações. Além disso, um outro fator agravante é a destruição do seu habitat

Inspiração para as ilustrações

Fã de animação, Vilmar se inspirou para fazer sua criação na nova versão de “O Rei Leão”, em cartaz nos cinemas em live-action. A proposta de criar uma releitura amazônica do filme surgiu da intenção de despertar um olhar sensível das pessoas para a questão da preservação da floresta, uma das pautas nacionais de maior relevância geopolítica no país. O autor conta que a ideia que nasceu como brincadeira ganhou uma perspectiva ecológica e política que ultrapassa o filme.

“Comecei essa série como uma homenagem ao filme, mas ela ganhou uma importância diferente pra mim diante das violências recentes que a Amazônia vem sofrendo: tornou-se minha forma de protestar”

Assim, na releitura, o cenário deixa de ser só pano de fundo, e torna-se também conteúdo, pois nele estão subentendidas as temáticas que circundam a floresta amazônica, como o desmatamento, as queimadas, a questão dos madeireiros e latifundiários e a extinção de espécies. O ilustrador está trabalhando em sua criação. Até o momento, foram criadas cerca de oito cenas, entre elas a mais icônica do filme, a sequência de Hakuna Matata. No lugar de dançar a hula havaiana, Timão aparece vestido com flores na cabeça e uma saia de chita.

— Isca viva!
— Boa ideia. Ei!!? O que quer que eu faça? Me fantasie e dance carimbó?

No desenho original, a cena receberia uma roupagem estilo Michael Jackson, mas ficou mesmo a hula. No musical, porém, foi substituída por um Charleston. Na versão espanhola, virou uma dança andaluz.

“Poderia ser tanta coisa, pois temos uma infinidade de danças lindíssimas e que mereceriam uma representação. Pensei muito em colocar o Timão dançando o boi estilo parintins, ou uma chula do Rio Grande do Sul, ou mesmo alguma dança típica do Pará, de origem indígena, representando assim a cultura popular da região amazônica”, conta o autor em seu Instagram.

Mas, se na canção original o lema é “Os seus problemas você deve esquecer”, aqui, talvez, cabe arriscar que o envolvimento com a floresta convide para um outro olhar para os problemas que ameaçam sua existência. Para acompanhar a continuação das cenas que Vilmar Rossi ainda vai criar para o seu “O Rei Leão da Amazônia”, acesse o perfil do ilustrador no Instagram.

Confira a entrevista com o autor

Lunetas – Por se passarem em uma floresta ameaçada por desmatamento, queimadas e uma série de outras ações do homem, as suas ilustrações trazem à tona o caráter político da Amazônia. Pode falar um pouco sobre isso?
Vilmar Rossi Júnior – Inicialmente, as ilustrações não tinham esse propósito específico, mas, com a crescente violência que o atual governo vem direcionando à Floresta Amazônica, me senti na obrigação de me posicionar – e, especialmente, de utilizar a plataforma que estava se formando, para passar informação e questionar.

A maioria das espécies que retratei até agora estão em algum nível de perigo e fui mudando alguns cenários para mostrar as ameaças que agem sobre a floresta: o cemitério de elefantes virou uma zona de desmatamento; o estouro de gnus transformei em um estouro de boiada.

“Quando Mufasa mostra à Simba seu reino, vemos uma queimada ao longe. Só que eu não imaginava que aconteceria esse inferno de chamas que está assolando a nossa floresta”

As duas últimas ilustrações foram sobre isso: a luta de Simba e Scar sob o fogo e a clássica imagem das silhuetas de Simba, Timão e Pumba no nascer do sol, que virou uma fuga do incêndio que consome a floresta há mais de 15 dias e produziu um “rio de fumaça” que cobre os céus do país e parte da América do Sul (e pode ser vista do espaço).

Além de anestesiados pela enxurrada diária de absurdos, muitos estão com medo. O carinho com que a série foi recebida me deu a abertura para isso: usar o que sei fazer (que é desenhar) para protestar e discutir. Estamos num momento onde os dados científicos são condenados como heresia e onde a verdade é reescrita a todo momento.

“Trazer a tragédia que está acontecendo agora na Amazônia para a fantasia transformou essa releitura numa parábola distópica. Esperemos que o fim, no mundo real, seja como na ficção”

Além disso, coincidentemente, a história do “O Rei Leão” também é bem representativa: um reino que é tomado à golpe por um tirano e seu séquito de hienas.

Lunetas – O material pode ser utilizado por professores, a fim de apresentar para as crianças espécies amazônicas e suscitar debates sobre preservação ambiental. Como você vê essa possibilidade pedagógica da sua arte?
VRJ – Adoro! Fiquei muito feliz com a quantidade de professores e biólogos seguindo o trabalho; alguns, até, já pediram para usar em apresentações. Eu gostaria muito mesmo que esse material se transformasse em um livro, editado junto com alguma instituição de proteção, trazendo dados sobre a floresta, ecologia, nossa fauna e flora, misturando essa fábula ilustrada com fotos e desenhos dos animais retratados, e distribuir para a maior quantidade possível de escolas.

Lunetas – Na sua opinião, qual a maior contribuição de um desenho que seja representativo da realidade brasileira?
VRJ – Representatividade importa. Esse mantra repetimos nos últimos anos na luta contra o racismo, o machismo, a homofobia. É preciso ocupar espaço, é preciso estar à vista, é preciso ser naturalizado para que as pessoas tragam isso para sua cultura, sua vida, seu dia-a-dia. Nos dias de hoje, é ir totalmente contra a maré: muitos sociólogos já falam que vivemos na pós-verdade (ou em uma “self true“), e essa “filosofia” quer que aquilo de que não gostam seja tirado das vistas.

É nossa obrigação fazer exatamente o contrário. Quanto mais replicarmos nossas produções culturais, mais divulgarmos nossas riquezas, mais expormos nossas mazelas, quanto mais nos apropriarmos disso tudo, melhor. Ilustrar é contar uma história. E contar histórias é a maior arma que desenvolvemos.

Lunetas – Como você acha que seria o Hakuta Matata brasileiro? Que questões seriam exaltadas na letra?
VRJ – O Hakuna Matata de Timão e Pumba é uma ode à vida, que deve ser aproveitada sem se importar com os problemas. Olha, o tema também é bem praticado aqui, não? Mas as duas características que sempre são exaltadas nos brasileiros são a afabilidade e a capacidade de se adaptar. Acho que ambas se encaixariam bem numa versão brasileira: tenha empatia e enfrente os problemas de maneira criativa!

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