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Para Vitalina Silva, o viés racial nas avaliações de alunos negros acontece quando professores brancos relacionam o mal desempenho à cor da pele. A professora afirma que, mesmo de maneira inconsciente, isso revela um racismo estrutural dentro da escola.

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O professor e psicólogo Mário Augusto Almeida explica que o racismo na escola tem raiz na desigualdade histórica do acesso da população negra à educação. Para combater essa situação, é necessário um letramento racial e formação continuada.

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O que fazer quando o racismo vem dos professores?

Imagem de capa para matéria sobre racismo na escola mostra a metade do rosto de um menino negro e riscos coloridos perto dos olhos.

Ano passado, em uma escola municipal do Rio de Janeiro, a filha de Gabrielly Bazilio ouviu ofensas racistas de uma professora. “Preta! Você mora embaixo da ponte”. A menina, então com oito anos, contou à mãe que não era a primeira vez que passava por essa situação. Na época, a professora foi presa em flagrante após denúncias das famílias à polícia.

Esse não foi um caso isolado: crianças negras sofrem violência racial desde cedo no Brasil. Segundo a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, uma em cada seis crianças de até 6 anos foi vítima de racismo no país, sendo 54% em creches e pré-escolas.

Além do preconceito entre os estudantes ou entre professores e alunos, um outro tipo de racismo acontece em sala de aula. Foi o que apontou um recente estudo da USP (Universidade de São Paulo), sobre um “viés racial” nas avaliações feitas por professores brancos.

A pesquisadora Júlia Batista comparou as notas de duas avaliações de matemática de alunos do ensino médio de Minas Gerais, estado onde há mais estudantes autodeclarados negros. Ao observar o boletim escolar e o desempenho no Proeb (Programa de Avaliação da Rede Pública de Educação Básica) desses mesmos alunos, ela notou que, embora as notas do Proeb sejam similares, houve uma distância de 10,9% na avaliação da escola entre alunos brancos e negros.

A pesquisa constatou que os estudantes negros foram mais mal avaliados por professores brancos nas provas das escolas. No entanto, quando esses professores eram negros, o viés racial não foi significativo.

Explicação tem raiz histórica

Para a professora Vitalina Silva, coordenadora estadual da Política Nacional de Equidade e Educação da Bahia, a pesquisa demonstra um racismo estrutural que é sutil, mas que as escolas precisam reconhecer e reverter. “Alguns professores, mesmo sem intenção consciente, podem ter expectativas mais baixas sobre alunos negros e indígenas.”

O professor e psicólogo Mário Augusto Almeida, ex-diretor de diversidade e inclusão da Secretaria de Educação do Pará, também acredita que professores brancos avaliam alunos negros com notas baixas muitas vezes por questões estruturais.

Para os especialistas, a raiz está nas desigualdades históricas dos direitos das pessoas negras em relação à educação.

“Essa realidade tem origem na história da introdução da negritude nas escolas, que foi um processo desigual”, argumenta Mário. “Então, entende-se que alunos negros estão em desvantagem porque não partimos do mesmo lugar.”

“A educação formal brasileira sempre foi um espaço de exclusão para pessoas negras“, reforça Vitalina. “Existem avanços, mas ainda são lentos.”

“O professor branco deve reconhecer o seu papel no enfrentamento ao racismo não como opção, mas como dever institucional. Deve também garantir que todos os alunos tenham igualdade de oportunidades e que sejam avaliados de forma justa.”- Vitalina Silva

Letramento racial precisa ser efetivo

Mário Augusto Almeida defende que, mesmo se um professor branco tiver a compreensão da Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de história e cultura afro-brasileira em todas as escolas, é necessário um letramento racial efetivo.

“Como o professor de matemática, por exemplo, vai ensinar a matéria do ponto de vista da negritude ou dos povos indígenas? Isso não é mostrado na formação inicial na faculdade, nem de forma continuada”, questiona. “Então é importante que as secretarias de educação olhem para isso e incluam em seus projetos pedagógicos uma educação étnico-racial de maneira transversal.”

Vitalina Silva concorda que se os professores brancos não tiverem formação e compreensão de seus papéis nas lutas antirracistas “vão continuar com atitudes que reforçam o estigma de relacionar a cor da pele com a inteligência ou a aprendizagem”. Portanto, ela diz que as instituições devem garantir uma trajetória escolar de empatia à realidade e à história dos alunos.

Ao mesmo tempo, Mário sugere que a escola apresente personalidades negras da literatura, da arte e da ciência e façam um paralelo com pesquisas sobre países africanos. “Se o professor não está atualizado com as questões raciais e não olha para a Lei 10.639, então teremos resultados desastrosos. Precisamos olhar para a nossa história e para a nossa gente.”

“Não dá para trabalhar o antirracismo somente em novembro [mês da Consciência Negra], pois o estudante é negro o ano inteiro. Ele sofre racismo o ano inteiro.” – Mário Augusto Almeida

Iniciativas para combater o racismo na escola: 

Vitalina Silva, que já venceu o Prêmio LED – Luz na Educação, com o projeto “Educação antirracista” da escola Maria Quitéria, de Salvador, aponta o que as escolas precisam fazer após reconhecer situações de racismo partindo de professores. 

  • Criar protocolos de enfrentamento: debates, canais de diálogo com os estudantes, registro de ocorrência, acolhimento e apoio;
  • Reformular o currículo escolar para atender às especificidades da Lei 10.639/03; 
  • Promover a formação continuada com temas que abordem a educação na perspectiva antirracista;
  • Avançar no letramento racial da equipe pedagógica;
  • Analisar os resultados das avaliações dos alunos para identificar viés racial e construir estratégias de enfrentamento.

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