Explicando fenômenos: o sucesso do Now United entre as crianças

Grupo com artistas de diversas nacionalidades esgotou shows no Brasil e movimenta multidões de crianças no ambiente digital

Eduarda Ramos Publicado em 23.06.2022
Foto do grupo musical Now United. A imagem mostra um grupo multiétnico de jovens.
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Resumo

O Now United nasceu em 2017 e acumula fãs por todo o mundo. O sucesso entre crianças e adolescentes é a ponta do iceberg do fenômeno.

Imagine que você é uma criança ou adolescente no ano de 2022: consegue identificar quais seriam os seus interesses vivendo nessa época? Além das dancinhas no TikTok, o consumo de mídias, produtos, músicas e coreografias do grupo Now United (NU) com certeza estaria entre essas atividades. O fenômeno marca a história cultural da geração “Alpha”, nascida após 2010, e o Lunetas foi investigar o porquê de tanto sucesso entre as crianças.

Formado em 2017 por meio de um reality show produzido por Simon Fuller (agente das Spice Girls e do ex-futebolista David Beckham), a seleção inicial do NU apresentou para o mundo 14 jovens artistas, de diferentes nacionalidades, em um processo que aconteceu inteiramente pelas redes sociais. Atualmente, o grupo possui 18 membros, entre eles a brasileira Any Gabrielly, que foi a voz da personagem Moana na dublagem brasileira.

Com a “Wave Your Flag World Tour”, realizada em 2022, todos os ingressos dos 11 shows no Brasil se esgotaram. Sem álbuns lançados, reforçando uma cultura de singles que se torna cada vez mais comum no mercado fonográfico, o Now United acumula fãs ao redor do mundo inteiro – em especial no Brasil, onde crianças e adolescentes são as protagonistas dessa paixão. O que explica o fenômeno do grupo entre as crianças brasileiras?

Amor além das fronteiras

Laura Ferraz, 11, conheceu o Now United na premiação “Meus Prêmios Nick”, de 2019. Sarah Gabrielle, também com 11 anos, teve o primeiro contato por meio das redes sociais, em especial o YouTube e o TikTok. Apesar da mesma idade e de compartilharem o amor por Sabrina Hidalgo, integrante mexicana do NU, os motivos por gostarem tanto do grupo divergem. Para Laura, a razão é simples: o fato dos integrantes serem pessoas muito especiais e carinhosas com os fãs”. Já Sarah valoriza a multinacionalidade dos integrantes: “Eles representam o mundo todo, tendo um integrante de cada país. Não sou só eu, lá nos Estados Unidos tem uma pessoa que gosta também”, exemplifica.

“Cada pessoa se sente representada por cada um deles e isso mostra a união do mundo” – Sarah

Isabella Farias, 14, conheceu o grupo por meio de amigos que já gostavam e acabou se apaixonando por Any Gabrielly. O que a cativou de início foi o fato do vídeo do primeiro single do NU, “Summer in the city”, ter todos os integrantes juntos: “Eles não excluem ninguém: um canta, outro dança, todos participam”. E por que gostar tanto de Now United? Isabella é enfática: “O grupo procura sempre demonstrar amor em suas músicas e levar a união deles ao mundo. Sempre tem uma música gravada em diferentes lugares, mostrando diversas culturas com seus costumes próprios. É muito legal!”.

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Arquivo pessoal

Sarah com uma bolsa do grupo

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Arquivo pessoal

Caneca personalizada de Laura

O feijão com arroz do sucesso

Pesquisadora de pop coreano (k-pop) e indústria cultural, a cientista política e filósofa Mei Schabib conta que o Now United já nasceu com uma fórmula pronta: “enquanto o k-pop estava tentando se adaptar cada vez mais aos gostos ocidentais, o Now United traz isso a seu favor, principalmente porque as músicas são em inglês. Cantar em inglês encontra menos resistência do que outra língua devido à indústria cultural, uma vez que tudo o que for produzido em língua inglesa e que representa o padrão estadunidense de comportamento é facilmente assimilado”. 

Com falantes de no mínimo 12 idiomas diferentes além do inglês, a criação de vínculos com fãs de países natais dos integrantes facilita a penetração do grupo em mercados do planeta inteiro. Já o k-pop, “por mais que tente, ainda não consegue ter essas proporções fora do Leste Asiático”. Quanto à audiência brasileira, “o hype já estava criado antes mesmo da estreia do grupo, sobretudo por conta das redes sociais”, reforça Mei, além de Any Gabrielly já ser uma voz conhecida no país devido ao trabalho em Moana. No Spotify, as cinco cidades que possuem mais ouvintes de Now United estão todas no Brasil. 

O que k-pop tem a ver com Now United?
Nas palavras de Mei, o k-pop nasceu como “a contracultura de uma geração reprimida pela ditadura sul-coreana” que, em 1992, encontrou no grupo “Seo Taiji & Boys” o símbolo de uma juventude que experimentava os primeiros passos da redemocratização. Ignorado pelo júri, o grupo foi aclamado pelo público coreano, mas seguiu sem espaço na grande mídia ocidental. Porém, começava ali um fenômeno que, em menos de três décadas, seria global. “Foi somente em 2017 que o k-pop deu início à sua expansão global e, não por acaso, foi também o ano de estreia do Now United”, conta. 

Compõem esta fórmula de sucesso refrões fáceis, instrumental cativante, letras positivas que reforçam a amizade e o amor pela dança, além de coreografias que incorporam estilos em alta no momento e que trazem elementos musicais do país em destaque. 

“Assim como poeira no ar, jogue nossas preocupações para longe – nós não precisamos delas” – “Come Together”, single do Now United

As armadilhas do consumo

A variedade de talentos e personalidades somada à diversidade étnica e linguística do Now United garantem mais um fator de peso para cair no gosto do público: a identificação. Mas quando se identificar com algo vai além da relação com o artista ou a obra, se fazendo também por meio do consumo? Os produtos que reforçam a marca Now United são inúmeros: roupas, mochilas, chinelos e até jogos de tabuleiro, pirateados, licenciados ou feitos à mão, marcam quem participa de determinado grupo, assim como mostram a diferença das possibilidades de acesso. Para Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo, “a criação de exacerbado desejo de consumo de tantos produtos licenciados é um grande problema e um desrespeito à fase peculiar de desenvolvimento das crianças”, que são as mais vulneráveis à propaganda no ambiente digital.

Além da imensa exposição aos produtos do grupo, outro fator que deve ser analisado com cuidado é o consumo de um estilo de vida distante da maioria brasileira: nos vlogs e outros conteúdos de mídia produzidos pelo NU, mansões, viagens, hotéis de luxo e compras são frequentes, podendo estimular a aderência de um estilo de vida consumista já em crianças pequenas. “Não tendo responsabilidades ‘comuns’ [nos vlogs], como levantar cedo para ir à escola, crianças e adolescentes que consomem esses vídeos podem acabar acreditando que esse estilo de vida é o único aceitável para que sejam tão felizes quanto os integrantes da banda se mostram ser”, pontua Maria.

“Conquistar crianças pequenas mantém a relevância e a durabilidade do grupo, que será lembrado e amado à medida em que as crianças cresçam” – Mei Schabib

Cultura de fãs

“Para os uniters, sempre foi divertido ver como membros de diferentes culturas conseguem interagir, trocar experiências e trabalhar juntos nesse projeto”, conta Mei. O fandom (diminutivo da expressão em inglês “fan kingdom” – em português, “reino dos fãs”, adaptado para “fã-clube”) do Now United tem muitas crianças, mas quem organiza perfis de fãs nas redes sociais são adolescentes e adultos. Jardel, 26, é administrador da página “Uniters Charts” (UC) no Twitter e Instagram, que compartilha lançamentos, atualizações, trends do TikTok e variados conteúdos relacionados ao NU. O adm conta que lançou a Uniters Charts após descobrir que não existia ainda uma página dedicada aos charts (ranking que classifica a popularidade de mídias durante um determinado período de tempo) do grupo. São mais de 9 mil seguidores no Twitter e 5,7 mil no Instagram.

Junto de Jardel, Antônio, 16, Maria Eduarda, 16, e Jediel, 18, também são administradores da Uniters Charts. Assim como o Now United reúne artistas de diferentes países para cativar o público, os adms da página são de estados diferentes (respectivamente, Ceará, Paraíba, Belém e Pernambuco), destacando o potencial da internet em criar vínculos – além da facilidade jovem em construir amizades e compartilhar interesses por meio do digital. Mas estar ativo em um fandom não é a única maneira de exercer o amor de fã: apesar de acompanharem o grupo pelas redes sociais, Sarah, Isabella e Laura possuem uma trajetória mais solitária, sem tanto envolvimento com outros fãs, mas sempre interagindo com os integrantes do NU pela internet.

A paixão jovem por Now United mostra que, apesar das armadilhas do consumo, crianças e adolescentes são indivíduos ativos e presentes no mundo digital, consumindo e produzindo cultura a seu modo. Com números entre 7 e 8 milhões de seguidores no YouTube, Instagram e TikTok – em cada uma das redes! -, a premissa do grupo de unir as pessoas por meio da energia da música e dança ao redor do mundo mostra seu potencial.

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