Obstetrícia: você sabe o que realmente faz uma parteira?

Para a obstetra Renata Reis, o médico ainda é formado para estar acima de todos os outros profissionais, o que prejudica a assistência humanizada ao parto

Unicef Publicado em 21.09.2017
Mãos segurando as mãos de uma mulher deitada de bruços. Foto em preto e branco.

Resumo

Ainda existe muito preconceito em torno da atuação da parteira, porém, pesquisas mostram que elas são imprescindíveis para a satisfação da mulher no parto. Conversamos com uma obstetriz e uma obstetra para esclarecer como é o trabalho e a formação de cada profissional.

Paloma Terra é uma profissional que atende mulheres no período da gestação, parto e pós-parto. “Minha formação levou cinco anos e foi feita na Associação de Parteiras do Texas”, diz. Paloma Terra é uma obstetriz. Renata Reis é formada pela Universidade de Brasília com residência em Ginecologia e Obstétrica pela Santa Casa de São Paulo com especialização em acupuntura. “Fui assessora técnica na coordenação geral de saúde das mulheres do Ministério da saúde de 2014 a 2016”, diz. Renata Reis é obstetra.

O trabalho das duas profissionais é o de garantir uma boa assistência à mulheres mães no período da gestação, parto, pós-parto. Mas então, o que as duas profissões tem de diferente?

A obstetriz, profissional chamada de parteira, é especialista na fisiologia do parto

Ela atua no cuidado com gestações, partos e pós parto normal de baixo risco usando tecnologia adequada de baixa ou média complexidade. Ela acompanha o pré-natal, atua durante o parto e faz o acompanhamento de recuperação da mulher e do recém-nascido em períodos que podem variar de duas a seis semanas.

“A formação da parteira diplomada varia muito de um país para o outro. Na Alemanha, na Holanda e algumas formações nos Estados Unidos (como a minha) são formações de nível técnico. Em outros lugares como no Brasil, no Reino Unido, no Canadá e em vários países da América Latina a formação é universitária.

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Kalu Brum / Olhar Mamífero

Paloma Terra: “Acredito que a profissão de parteira seja a mais antiga da Humanidade!”

O tempo e as grades curriculares dessas formações também variam”, desvenda Paloma. A Confederação Internacional de Parteiras (International Confederation of Midwives ICM) trabalha a nível internacional sobre eixos fundamentais de consenso internacional de uma formação de parteira adequada para os tempos modernos e não rejeita os conhecimentos ancestrais da profissão.

Para ser um obstetra, o profissional se forma em Medicina e faz residência em Ginecologia e Obstetrícia. Ele acompanha o pré-natal, diagnostica patologias, presta assistência ao parto normal de baixo e alto risco e também realiza cirurgias cesarianas.

Obstare vem do do latim “estar ao lado”

O cuidado a mulheres e bebês de baixo risco pode e deve ser prestado por enfermeiras obstétricas e obstetrizes.

Para a obstetra Renata, “parto e nascimento de baixo risco são manifestações da fisiologia, da saúde, por isso, não precisam da figura super especialista médica”

“Infelizmente, no Brasil, não existe essa compreensão. O médico é formado para ser o único responsável e estar acima de todos os outros profissionais na hierarquia de atendimento.

Por isso, a valorização também de altos níveis de intervenção em todos os partos.  O médico tem o olhar da patologia, da complicação. Essa visão vem da formação e está correta dentro da ótica dos partos de alto risco.

“Porém, nos partos de risco habitual essa ótica causa um excesso de intervenções que não se traduz em melhores indicadores de saúde e satisfação”, opina Paloma

Veja como funciona o curso de obstetrícia da USP.

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iStock

Renata Reis: “O ensino e o cuidado são centrados no profissional de saúde e, não, na mulher, no bebê. Isso gera muitas distorções, pois necessidades e direitos de ambos são, muitas vezes, negligenciados”.

Obstetras e obstetrizes podem trabalhar em parceria

“Os países com melhores indicadores de saúde materna e infantil trabalham com essa profissional em primeira linha de assistência ao nascimento”

A utilização dos recursos humanos é mais racional e funciona melhor nos sistemas de saúde onde os profissionais formados para trabalhar com nível de alta complexidade, como é o caso dos obstetras e neonatologistas, são acionados e relacionados apenas aos casos mais complexos.

Na avaliação da obstetra Renata Reis, a quantidade alta de intervenções sem real indicação clínica (como a cesariana por exemplo) se dá em países onde a parteira não existe ou atua pouco dentro do Sistema.

“Muitos estudos demonstram também uma satisfação maior das mulheres com esse sistema”, analisa

No Brasil, 94% dos partos são assistidos por médicos obstetras, diferentemente de países como a Inglaterra, Holanda, França, Nova Zelândia, entre outros, cuja assistência centra-se na figura da midwife (parteira), enquanto ao médico é delegado o acompanhamentos das gestações e partos de risco ou casos de intercorrências.

Nesse modelo de assistência o médico obstetra, mas não só ele, também os neonatologistas, médicos de família e pediatras,  trabalham em uma rede de assistência multidisciplinar e colaborativa. Paloma comenta sobre a consciência que a profissional deve ter sobre seus limites de atuação

“A parteira deve saber reconhecer quando um caso está saindo ou saiu do curso da fisiologia e trabalhar dentro desse sistema multidisciplinar de referência”

Experiências no Brasil

Os centros de parto normal, também chamadas de casas de parto são bons exemplos de como obstetras e obstetrizes podem trabalhar em parceria. No Brasil, atualmente, a grande maioria das casas de parto é do SUS  (Sistema Único de Saúde) ou afiliada a ele. A mulher deve fazer acompanhamento pré-natal em Posto de Saúde ou PSF muitas vezes afiliado à casa de parto.

No dia do parto, ela se dirige à casa de parto onde estará uma equipe de plantão, na maioria das vezes compostas por enfermeiras obstétricas e neonatais. Caso o trabalho de parto ou pós parto imediato tenha alguma complicação a casa de parto aciona o hospital de referência e a mulher é transferida pela ambulância que normalmente está a disposição da casa de parto”, explicou Paloma.

“Para mim, o modelo ideal de assistência é aquele que dá opções plenas à mulher de onde e com quem parir. Isso inclui a opção de parir em casa, em casa de parto ou no hospital sempre com os profissionais de sua escolha”

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