A poluição plástica, resultado do acúmulo do material que demora mais de 400 anos para se decompor, deve quadruplicar até 2050, tornando os oceanos abrigos de mais plásticos do que peixes. Além de estarem presentes nos ecossistemas, microplásticos já foram encontrados no sangue humano, em placentas, no leite materno e nos corpos humanos, incluindo bebês. Eles são absorvidos por meio da nossa alimentação e transmitidos às crianças pela amamentação, por exemplo.
Depois de ter identificado, em 2020, a presença de microplásticos em placentas humanas, uma mesma equipe de pesquisadores italianos detectou, pela primeira vez, em 2022, microplásticos no leite materno de 75% das 34 mães participantes do estudo. “A identificação dos microplásticos no leite materno ocorre porque uma das formas que o corpo encontra para excretar parte dos compostos que absorve é o leite, no caso da mulher que amamenta”, explica a professora Helena Cristina Silva de Assis, do Departamento de Farmacologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR).
Quando os bebês passam a usar mamadeira, o risco de ingerir microplásticos segue presente: segundo uma pesquisa publicada na revista “Nature Food”, em 2020,um bebê absorve, em média, 1,6 milhão de partículas de microplásticos todos os dias. Em lugares onde as mamadeiras de plástico são mais comuns (países em desenvolvimento, por exemplo), e as taxas de amamentação são mais baixas, o número pode chegar a quatro milhões de partículas por dia. Já as mamadeiras de plástico de polipropileno, que representam 69% dos recipientes disponíveis nas lojas, quando aquecidas, desprendem partículas ingeridas pelas crianças.
O plástico está presente também no sangue humano. Cientistas holandeses encontraram, em abril do ano passado, partículas de plástico em 17 das 22 amostras de doadores de sangue anônimos, todos adultos saudáveis. Metade das amostras continha plástico PET, comum em garrafas de bebidas; 1/3 com poliestireno, que é usado para embalar alimentos e outros produtos; 1/4 das amostras apresentou polietileno, utilizado na confecção de sacolas.
Diferentes estudos já revelaram a presença dos microplásticos na água potável, em alimentos, em fezes de crianças e adultos, no sal de cozinha e até mesmo em caule de planta. Em 2019, cientistas do Canadá analisaram as quantidades de partículas de microplásticos em peixes, moluscos, açúcares, sais, álcoois, no ar e na água – de torneira e engarrafada – e chegaram à conclusão de que adultos e crianças podem ingerir até 121 mil partículas por ano.
Os microplásticos contaminam o organismo também pelo processo de inalação. Em 2020, uma pesquisa do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) encontrou nove tipos de microplásticos em tecidos pulmonares em 13 dos 20 participantes. Ao Jornal da USP, o pesquisador Luís Fernando Amato explicou que “essas partículas absorvem poluentes do ar, como os que saem de escapamentos de automóveis. Com a possibilidade de as inalarmos, nossa saúde acaba afetada”. Testes laboratoriais mostraram que as micropartículas inaladas viajam rapidamente para o coração, cérebro e outros órgãos.
Como evitar a contaminação por microplásticos?
Ainda não se sabe bem quais os impactos dos microplásticos na saúde dos seres humanos, mas testes laboratoriais já mostraram que eles podem causar danos e morte de células, indução do processo em que células saudáveis se transformam em células cancerígenas e reações alérgicas. O contato deles com o organismo também pode estimular o desenvolvimento de doenças como diabetes, síndrome do ovário policístico, câncer, infertilidade, doenças cardíacas, fibromas uterinos, abortos, endometriose e déficit de atenção.
Ênio Luís Torricillas, pediatra do Hospital Santa Cruz, reforça que os microplásticos são capazes de causar reações inflamatórias ou imunológicas no corpo humano, podendo levar a miocardites, hepatites, pancreatites, lesão dos testículos e ovários, e servir de transporte de outros agentes que podem causar infecções. “Proibido pela Anvisa desde 2011, o ‘bisfenol’ está presente nos plásticos transparentes e duros, e não podem ser utilizados nas mamadeiras produzidas no Brasil e nas importadas, mas foram substituídos pelo “bisfenol s”, que pode gerar os mesmos efeitos, conforme estudos feitos em animais, entre eles, causar distúrbios do comportamento e da memória e aumentar os riscos da puberdade precoce, por exemplo”, explica.
O pediatra ainda destaca que, quando as mamadeiras são aquecidas e agitadas, liberam cerca de quatro milhões de partículas de microplásticos por litro de líquido. Brinquedos e chupetas oferecidas às crianças também contribuem com a absorção desses elementos. “Ainda não existe norma para ingestão de microplásticos pelos recém-nascidos, mas, preparar o leite em um recipiente que não seja de plástico e só depois colocá-lo na mamadeira, evitando ao máximo o contato dos bebês e crianças com o material, pode ajudar”.
Se não podemos evitar totalmente esses elementos, podemos reduzir significativamente a absorção consciente deles por meio da alimentação, sugere Carolina Belomo, doutora em Saúde da Criança e do Adolescente, especialista em políticas públicas de estímulo ao aleitamento materno. Segundo ela, ter equilíbrio e consciência alimentar é um caminho para evitar contaminação por microplásticos, especialmente evitando o consumo de alimentos com alta concentração de agrotóxicos, ultraprocessados, sal, açúcar, gordura e o consumo de temperos industrializados, preferindo “alimentos produzidos localmente, da época, in natura e orgânicos”. Belomo também indica seguir a alimentação recomendada pelo Guia alimentar para a população brasileira, do Ministério da Saúde.
Cerca de 11,3 milhões de toneladas de plástico foram produzidas e descartadas no Brasil só em 2019, mas apenas 145 mil são reciclados por ano – uma média de 1,3% contra 9% da média global. Embora não seja possível reverter a situação, um caminho para contribuir com a redução coletiva do consumo e produção de plásticos no mundo passa por substituir embalagens plásticas por opções de papel ou ecobags; e trocar fraldas e absorventes descartáveis por versões ecológicas de pano ou coletores menstruais, respectivamente.
“É importante destacar, no entanto, que as fórmulas fornecidas às crianças e que se aproximam em termos de compostos presentes no leite materno, apesar de gerarem mais impacto ao meio ambiente por conta das embalagens e processos produtivos, por exemplo, não podem ser estigmatizadas, porque cumprem uma função importante às mães que não conseguem amamentar”, alerta.
Mesmo diante de comprovações científicas da presença de microplásticos no leite materno, ela lembra que o aleitamento materno segue sendo a melhor forma de alimentação para os primeiros meses e anos de vida da criança, pois, além de oferecer ao bebê todos os nutrientes de que ele precisa, “traz segurança alimentar, nutricional, proteção contra a desnutrição, evita doenças, reduz significativamente as chances de a mulher que amamenta desenvolver câncer de mama, além de contribuir, e muito, com o desenvolvimento cognitivo das crianças”.
Não somos os únicos afetados
Toda a cadeia alimentar e as espécies animais, vegetais, além dos ecossistemas, sofrem com as consequências dos microplásticos, que já foram encontrados até na neve próximo ao topo do Monte Everest. Recentemente, foram descobertas as “rochas de plástico”, na Ilha da Trindade, local praticamente inabitado próximo a Vitória (ES), maior região de ninhos da tartaruga-verde e de recifes de caracóis marinhos do Brasil. Fernanda Avelar Santos, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Geologia da UFPR e responsável pela descoberta, conta que foram identificadas quatro formas de detritos plásticos misturadas com outros materiais, como rocha e areia. “Isso nos fez ver que a poluição marinha está tão profunda que passou a ser visível no sistema geológico. Estamos, como espécie, interferindo nos processos naturais da terra. Uma rocha, teoricamente, só pode ser formada por processos naturais, mas hoje seres humanos têm atuado como agentes geológicos”, disse.
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Em torno de 2% a 5% do plástico produzido no mundo é jogado nos oceanos. Neles, os materiais vão se degradando e, por meio de processos químicos e biológicos, se fragmentam em partículas menores, que dão origem aos microplásticos. Além de ser confundido com alimentos por diversas espécies, o plástico é resistente a bactérias e fungos.