Livro infantil ‘Meu crespo é de rainha’ celebra o cabelo afro

Primeiro livro infantil da ativista americana bell hooks, o livro provoca: por que falar de beleza com crianças?

Renata Penzani Publicado em 28.03.2018
Imagem de uma menina de cabelos compridos e encaracolados aparece em primeiro plano sorrindo para a foto. Da sua cabeça, grafismos coloridos simulam fios de cabelo.

Resumo

O livro "Meu crespo é de rainha" é uma homenagem ao cabelo afro, e ensina as crianças a se orgulharem de sua cabeleira como ela é. Livros como este são "ferramentas para reverter o processo histórico de invisibilidade", como diz Ana Paula Xongani na contracapa do livro.

Teórica feminista, ativista e multiartista, a americana bell hooks* (pseudônimo de Gloria Jean Watkins) escreveu seu primeiro livro infantil em 1999, depois de testemunhar um ato de racismo  dentro de uma escola primária do Brooklyin, nos Estados Unidos, quando uma professora leu para as crianças uma história sobre cabelos “ruins”. Preocupada com o que chama de “política de representação que sistematicamente desvaloriza a negritude”, bell resolveu escrever um livro para contar o óbvio: cabelos crespos também são cheirosos e macios.

Acaba de chegar às livrarias o livro “Meu crespo é de rainha“, editado no Brasil pela Boitatá, selo infantojuvenil da editora Boitempo.

Político sem ser panfletário e com uma linguagem simples e afetuosa no texto e nas imagens, o livro aproxima das crianças negras e não negras uma reflexão fundamental: a busca pela identidade em um mundo em que a diversidade é tão pouco valorizada.

Com ilustrações de Chris Raschka e tradução da poeta Nina Rizzi, o livro é apresentado na forma de um poema rimado que são uma ode à liberdade. “Cachinhos, crespinhos, birotes, coquinhos. Ou quem sabe um turbante. Todas as meninas brincando livres”.

Capa do livro "Meu crespo é de rainha", de bell hooks.
Cabelo ruim, que nada!

A edição original da obra é do final da década de 90, e foi motivado por uma história real, quando uma professora leu um livro chamado “Nappy hair” (“cabelo ruim”). Então, Bell decidiu lançar ao mundo a sua resposta ao racismo, e lançou o livro “Happy to be nappy” (em tradução livre, “feliz por ter cabelo ruim”).

 

  • *bell hooks – O apelido que ela escolheu para assinar suas obras é uma homenagem aos sobrenomes da mãe e da avó. O nome é assim mesmo, grafado em letras minúsculas, uma forma que ela encontrou de afirmar que títulos e nomes não importam.
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Divulgação/Boitatá

Enaltecer a verdadeira beleza da estética negra é ajudar as crianças a se sentirem representadas e construírem sua própria identidade.

“Desde que o Boitatá existe, é meu sonho publicá-lo, eu gosto muito do trabalho da bell hooks. Envolvemos toda a equipe, além da parceira Ana Paula Xongani (vlogger, autora de um canal no YouTube sobre comportamento, racismo e estéticas negras) , para opinar sobre o texto, os versos e o próprio título. Foi um trabalho muito bacana, totalmente coletivo”, conta Thaisa Burani, editora da Boitatá.

Com um título que não remete diretamente ao episódio em si, mas sim à necessidade de reafirmar a autoconfiança e o empoderamento, o livro chega agora ao Brasil como um grito de alerta: ainda precisamos falar sobre racismo e infância – e cada vez mais.

A força da história está em ressignificar termos usados pelo discurso do preconceito, como “cabelo pixaim” em um contexto de valorização da própria identidade, em que a criança pode reconhecer a naturalidade de ser quem somos. “Pixaim, sim! Gosto dele bem assim”, diz um trecho do poema.

Como define o material de apresentação da obra, é “Um livro para ser lido em voz alta para crianças a partir de três anos; e também mães, irmãs, tias e avós se orgulharem de quem são”

Mas por que falar de beleza com crianças?

“Isso não é reforçar estereótipos?” Podem se perguntar muitos pais, cuidadores e até educadores. É Nesse sentido, outro aspecto importante que o livro ressalta é a diferença entre falar de padrões de beleza e referenciais estéticos com crianças brancas e negras.

“Incontáveis mulheres, incluindo meninas muito novas, sofrem tentando se encaixar em padrões inalcançáveis de beleza”

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Divulgação/Boitatá

Livros como este são “ferramentas para reverter o processo histórico de invisibilidade”, como diz Ana Paula Xongani na contracapa do livro.

Enquanto com o primeiro grupo o cuidado é de deixar as crianças livres de qualquer associação entre gênero e estética, com o segundo, o questionamento é muito mais profundo e estrutural, e requer um entendimento maior de como o racismo acontece no dia a dia, muitas vezes de forma velada; afinal, vivemos ainda em uma sociedade racista em que meninas e meninos são preteridos por sua cor de pele, em que elas crescem sem se verem representadas no mundo. Daí a importância de enaltecer, sim, a beleza da estética negra.

“Hoje em dia, é sabido que incontáveis mulheres, incluindo meninas muito novas, sofrem tentando se encaixar em padrões inalcançáveis de beleza, de problemas que podem incluir desde questões de insegurança e baixa autoestima até distúrbios mais sérios, como anorexia, depressão e mesmo tentativas de mutilação ou suicídio”.

“Para as garotas negras, o peso pode ser ainda maior pela falta de representatividade na mídia e na cultura popular e pelo excesso de referências eurocêntricas, de pele clara e cabelos lisos”

“Com este livro em mãos, nossas crianças terão – muito mais cedo que as da minha geração – mais ferramentas para reverter o processo histórico de invisibilidade. Percebi afeto e estimulo em cada palavra. E isso é transformador”, defende a blogueira Ana Paula Xongani, consultora do livro.

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