Livro infantil mostra que mães também choram e sentem medo

"Encarar a mãe como um ser humano que erra pode ser reconfortante e até engraçado", dizem as autoras, Raquel Matsushita e Vana Campos

Renata Penzani Publicado em 23.06.2017
Capa do livro Segredo

Resumo

O livro infantil "Segredo" aproxima o tema maternidade real das crianças com sutileza, ao contar a história de uma mãe que diz uma coisa e faz tudo ao contrário, só para proteger o filho da realidade de quem ela é.

Quantas vezes sua mãe já te disse para não ter medo, não chorar por qualquer coisa, não cutucar o machucado? Mas será que elas praticam tudo isso em suas próprias vidas, ou escondem suas próprias imperfeições só para preocupar ninguém? Quando o assunto é maternidade real, pouca coisa chega à criança. Para minimizar esse abismo entre o que se diz e o que se pratica, a literatura infantil pode ajudar.

Com lirismo, criatividade e delicadeza, o livro infantil “Segredo“, das autoras Vana Campos e Raquel Matsushita brinca com as imperfeições da maternidade ao contar a história de um menino que, espiando o que a mãe faz quando ninguém está olhando, descobre que ela faz tudo o que pede para o filho não fazer, como ter medo do escuro ou falar muito alto. E não é que ela se enche de doces antes do almoço, tem preguiça e até solta pum? Mas shhhh… é segredo!

O livro foi lançado neste mês de junho pela editora Cachecol, e o Lunetas conversou com as autoras para desdobrar as intenções do trabalho e refletir sobre o impacto de trazer esse assunto para perto dos pequenos.

A escritora Vana Campos explica que trazer o tema da maternidade real para os livros infantis é uma forma de aproximar as crianças da ideia de que ninguém é perfeito, o que indiretamente ajuda os pequenos a construírem seu senso de cooperação e empatia para aquele ser que tantas vezes parece existir só para cuidar e educar.

“O livro apresenta uma mãe bem real, que às vezes exagera na sobremesa ou que solta pum na frente dos amigos do filho e que não se preocupa tanto em mostrar-se como ela é. É o retrato de uma mãe que não acredita que a educação do filho seja baseada em uma imagem de perfeição. Mas educação vem da liberdade, do diálogo e da aceitação de si mesmo. Essa postura incentiva o amor próprio, a tolerância e a capacidade de perdoar os outros e a si mesmo”, defende Vana.

“A intenção do livro é humanizar a relação mãe e filho e fazer das imperfeições humanas algo comum e divertido”

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Divulgação/Arquivo pessoal

Raquel Matsushita e Vana Campos, criadoras do livro “Segredo” (editora Cachecol).

Sobre as autoras

Vana Campos é autora é diversos livros infantis e juvenis, entre eles “Pequeno Tempo”, Vencedor da Categoria Lucillo Varejão da Secretaria de Cultura de Recife, em 2009, “O Monstro da Solidão” (2016) e “Quando a gente tem saudade” (2016). A ilustradora, escritora e designer Raquel Matsushita é autora de diversos livros premiados, como “Alfabeto Escalofobético” (Jujuba Editora, 2013), em parceria com Claudio Fragata, que ganhou o Prêmio Jabuti na categoria Paradidáticos, e “Não, sim, talvez” (Sesi-SP, 2014), com Ionit Zilberman, finalista do Prêmio Jabuti na categoria Livro Digital.

Falamos bastante sobre maternidade real aqui no Lunetas, ou seja, a maternidade que acontece longe das idealizações e estereótipos. Como a consciência dessa imperfeição impacta a relação entre mãe e filho? Para a ilustradora Raquel Matsushita, mostrar que falhamos, nos contradizemos, que falamos e fazemos coisas das quais não nos orgulhamos é uma forma de praticar uma educação baseada no afeto e no fazer junto.

“Penso que apresentar o mundo e as pessoas como imperfeitos é absolutamente essencial nessa era da ansiedade em que vivemos”

“A perfeição não faz parte da natureza humana. Talvez a busca por ela, sim. E nessa busca, abre-se a brecha – principalmente na publicidade – para criar esteriótipos e idealizações, sobretudo na construção da maternidade. Acho isso perigoso”.

book trailer do livro dá as pistas do que é comum em toda experiência de maternidade: “mamãe tem um segredo”. E qual será o da sua, ou o seu mesmo? Assista:

Se o outro não é perfeito, eu também não sou

Que mãe não sofre ou já sofreu tentando buscar ser impecáveis e infalíveis em tudo, mesmo tendo a clara noção de que isso é impossível? Na história, o menino vai descobrindo aos poucos todas as coisas que a mãe diz e não faz. Em um primeiro momento, ter contato com essas falhas entre discurso e prática podem ser chocantes, mas a história se desenrola para mostrar que perfeição não enriquece nem transforma ninguém. “Quem é que gosta de uma mãe perfeita”, reflete o personagem.

“Encarar a mãe como um ser humano que erra pode ser reconfortante e até engraçado”

“E, para as mães que sofrem um pouco porque adorariam ser perfeitas, o livro é um consolo”, explicam as autoras, que criaram o conceito, o texto e a ilustração em parceria. Vana é mãe e dedica o livro aos filhos Benjamin e Amora, que a aceitam como mãe imperfeita.

“É mais bem gostoso ser uma mãe real do que uma mãe perfeita”

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Reprodução/Editora Cachecol

Todo mundo tem um segredo, até sua mãe, conta o livro. A brincadeira aqui é acolher as imperfeições como parte essencial de ser humano.

Raquel conta que o livro nasceu também com o intuito de transmitir a ideia de que crianças que reconhecem a imperfeição como denominador comum de todo os seres humanos são mais conectadas à realidade e desenvolvem com mais facilidade seus próprios limites físicos e emocionais, e o respeito pelo outro.

“Fizemos este livro com o intuito de desmistificar essa falsa imagem das mães perfeitas, mostrando os erros com naturalidade e humor. Perceber e aceitar o erro como uma oportunidade de crescimento é a chave para reinventar, alcançar o impensado. A criança que percebe na mãe essa chave de ouro, leva para si esse conceito de vida. Amadurece de maneira mais saudável. Essa consciência do outro – e, também de si mesmo – como naturalmente imperfeito faz estreitar a relação humana entre mãe e filho de forma muito respeitosa”, defende Raquel.

 

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