Massacres em escolas e a cultura de violência entre as crianças

De Realengo a Aracruz, ataques no ambiente escolar mostram como as crianças são diretamente afetadas por uma cultura de violência

Eduarda Ramos Publicado em 01.12.2022
Imagem em preto e branco de um menino protegendo a cabeça. Ele está agachado na frente de armários escolares.
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Resumo

O Brasil registrou 10 massacres em escolas ao redor do país desde 2011; a concentração de ocorrências nos últimos quatro anos refletem a guinada do conservadorismo e o incentivo ao uso de armas em nosso país, chegando inclusive às mãos de crianças e adolescentes.

De 2011 a 2021, foram 10 massacres em escolas no Brasil, geralmente realizados por ex-alunos das instituições. No último ataque, ocorrido em Aracruz (ES), o adolescente infrator usou as armas do pai para cometer o crime, que deixou três mortos e 13 feridos, e estava vestindo uma braçadeira com símbolo nazista. 

Segundo mapa levantado pela antropóloga Adriana Dias, núcleos neonazistas apresentaram um aumento de 270,6% entre janeiro de 2019 a maio de 2021 – são aproximadamente 10 mil pessoas envolvidas em pelo menos 530 grupos. Nas escolas, discursos de ódio, vandalismo e ações associadas a nazismo e outras discriminações vêm sendo denunciadas constantemente – a mais recente, na terça-feira (29), a Escola Municipal José Silvino Diniz, em Contagem (MG), registrou pichações com símbolos nazistas e depredações no prédio.

As relações entre infância e conservadorismo

“Sempre existiu intolerância, mas esse quadro de publicização, permissão e estímulo ao ódio é um plano de formação e incentivo ao fascismo e ao nazismo, reforçado pelo governo atual”, opina Claudia Mascarenhas, psicóloga, psicanalista e fundadora do Instituto Viva Infância. Segundo o Instituto Sou da Paz, dos 10 atentados em escolas ocorridos no Brasil desde 2011, cinco aconteceram entre 2019 e 2022.

Para a doutora em ciência política Lívia de Souza, “ideologias de extrema direita não são uma novidade, porém estamos observando um crescimento de grupos violentos e extremistas em defesa desses ‘valores’”, diz. Ela explica que a facilidade de consumir ideologias de ódio na internet e a desvalorização da democracia contribuem para que a violência seja regra, mobilizando aqueles que se sentem prejudicados pela mudança nas relações de poder, como no caso da garantia de direitos iguais às mulheres.

“Ainda que não haja um discurso explicitamente violento, a ruptura de um ideal conservador, em que mulheres são submissas e há defesa de armas, não raro, culmina em atos violentos.”

E as armas?
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022, há 4,4 milhões de armas em estoques particulares; a cada três armas registradas, uma está irregular; e os registros ativos de Caçadores, Atiradores e Colecionadores (CAC) cresceram 473,6% entre 2018 e 2022.

“Quando a maioria dos massacres em escolas é realizado com arma de fogo, é urgente um controle de acesso a armas por parte de civis”, defende a especialista Lívia de Souza. “Nos últimos dois meses, foram três ataques em escolas brasileiras: em Barreiras (BA), em Sobral (CE) e em Aracruz (ES). Em dois dos casos, as armas pertenciam a policiais militares; no outro, a propriedade era registrada como CAC”, finaliza.

O que os massacres falam sobre gênero?

A constatação de que todos os criminosos são do sexo masculino, enquanto as vítimas fatais do último acontecimento, no Espírito Santo, são todas meninas, mostra a força que a escalada de ideias nazistas pode refletir no comportamento das crianças, mas principalmente entre os meninos, pontua Souza. “O ódio a quem viola a ideia de poder masculino, branco e heteronormativo alcança o campo individual e faz com que homens jovens encontrem um escape às suas frustrações e rejeições na violência de gênero, com o apoio de grupos masculinistas e de incels [termo, em inglês, para ‘celibatários involuntários’].”

“A construção de uma masculinidade violenta é um elemento importante na explicação de quem são os(as) sujeitos(as) autores e vítimas de massacres cometidos por jovens” – Lívia de Souza

A jornalista Nana Queiroz, também educadora de gênero, comenta que, além da socialização de meninos ser regida pela naturalização da violência, “reprimimos os meninos e ensinamos que, apesar de natural, a raiva não deve ser expressada de forma construtiva, como buscar um abraço ou chorar, enquanto nós ensinamos inteligência emocional para que as meninas possam resolver seus problemas”.

“A agressividade poderia ser expressada de maneiras melhores, mas meninos entendem que o código social para expressá-la é o uso de armas” – Nana Queiroz

Queiroz ainda fala sobre o potencial dos algoritmos em facilitarem uma radicalização pautada pelo ódio, como acontece no YouTube, exemplifica, que leva “essas pessoas a irem entrando num buraco negro e irem se radicalizando cada vez mais na confirmação da masculinidade tóxica e agressiva, sem ter outros recursos além da violência pra lidar com tudo isso”, diz.

Souza lembra que não apenas as escolas, mas todos nós somos responsáveis por garantir a proteção de crianças e adolescentes. “A sociedade como um todo deve se comprometer com uma educação igualitária, baseada no respeito às diferenças, de modo a superar o modelo de masculinidade construído com base na violência, abrindo espaço para o diálogo, e permitindo que frustrações e fragilidades sejam trabalhadas”, opina.

Para finalizar, Mascarenhas reforça a necessidade das leis serem devidamente aplicadas, e defende que escolas se posicionem perante casos de violência e discriminação, já que “estamos assistindo uma tolerância em relação a manifestações que são contra a humanidade das pessoas”. 

“O único perigo não é apenas as crianças estarem sendo incentivadas para ideologias de ódio, mas também a tolerância de manifestações absolutamente contrárias ao convívio social.”

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