Com políticas públicas insuficientes, grupos de acolhimento têm sido essenciais para o suporte das mães na universidade
“A sociedade não está preparada para aceitar crianças em ambiente de adultos. E ter filhos, estando na universidade, te faz uma errante na vida, dentro dessa composição linear que acham que a vida tem que ter”, declara Naiara Gomes, mãe e estudante da UFPR.
Trabalhar fora de casa, executar as atividades domésticas, estudar e cuidar de uma ou mais crianças. Se por um lado essa equação pode refletir a imagem admirada pela sociedade de uma supermulher, o dia a dia mostra que, na realidade, esse fardo disfarçado de elogio só gera o “supercansaço” e um acúmulo de jornadas de trabalho, principalmente para aquelas mães que estão na universidade.
“Sempre digo que dá para fazer até duas coisas direito. As quatro juntas são impossíveis, pois são realizadas com baixíssima qualidade”, desabafa Naiara Gomes*, 33, ao relatar a sua rotina diária. Ela é mãe de uma menina de seis anos e estudante de Pedagogia, na Universidade Federal do Paraná (UFPR).
A aluna, que depende de uma bolsa universitária de R$ 400, além dos trabalhos como freelancer, já abandonou o curso uma vez e, após prestar um novo vestibular, está tendo dificuldades para se formar. Seu marido, de 34 anos, está concluindo o mestrado e é servidor na mesma instituição.
Sem creche pública na UFPR e com a maior parte da demanda em relação à filha sob sua responsabilidade, o que resta à Naiara é, frequentemente, levar a criança para as aulas. “Não é humano exigir que ela fique quieta no chão, brincando”, confessa.
A batalha diária pelo cumprimento das inúmeras tarefas é somada ao constrangimento e às demais lacunas deixadas pelas gestões pública e privada. Naiara conta que outras mães, também do curso de Pedagogia, têm sido vítimas de bullying em sala de aula.
“A sociedade não está preparada para aceitar crianças em ambiente de adultos. Ter filhos, estando na universidade, te faz uma errante na vida, dentro dessa composição linear que acham que a vida tem que ter”, relata.
Para Naiara, que conta apenas com uma sala de recreação oferecida pela universidade, outros serviços podem fazer a diferença para mães estudantes, como um ambiente noturno com cuidadores da própria instituição.
“As mães deveriam ter apoio psicológico para poder enfrentar a situação, considerando que a escolha por estudar está diretamente ligada a uma mudança de perspectiva de vida, de carreira e de melhor renda financeira”, defende.
Apesar da escolaridade das mulheres ser mais alta, a jornada também é. As mulheres trabalham, em média, três horas por semana a mais do que os homens, combinando trabalhos remunerados, afazeres domésticos e cuidados de pessoas. Mesmo assim, e ainda com um nível educacional mais alto, elas ganham, em média, 76,5% do rendimento dos homens, segundo os últimos dados do estudo de Estatísticas de Gênero, divulgados pelo IBGE em 2018.
“Vivemos um momento de invisibilização do fenômeno de ser mãe no Ensino Superior. Quando há pesquisas que abordam o tema da evasão universitária, não se faz o recorte de gênero”, afirma a advogada especializada em casos de família, Andressa Regina Bissolotti dos Santos.
Entre eles, a advogada aponta a situação de alunas que dependem das casas estudantis, onde não há espaço para mães, ou que proíbem, em seu estatuto, a vivência dos filhos durante o período de residência de mães e pais no local.
Segundo a pesquisadora, muitas barreiras afastam as mães da universidade. “A vida acadêmica é extremamente acirrada, pensada para padrões masculinos ou para pessoas que estão concentradas na própria carreira”, diz.
Desde maio de 2017, uma portaria do Ministério da Educação garantiu o direito à amamentação nas escolas, universidades e outras instituições federais de ensino, mesmo se não houver equipamentos ou ambientes exclusivos para esse fim.
As dificuldades enfrentadas no contexto da universidade só reforçam um problema social mais amplo. Uma pesquisa do Instituto Unibanco revelou que a gravidez é um dos principais fatores de evasão escolar de meninas no Brasil. Dados de 2016 apontam que apenas 2% das adolescentes que engravidaram deram sequência aos estudos.
Segundo a Pnad Contínua Educação 2019, a cada quatro mulheres entre 14 e 29 anos que abandonaram os estudos, uma (23%) deixou para trabalhar, uma (24%) por desinteresse e uma (24%) por gravidez. A pesquisa aponta que mães adolescentes que não trabalham nem estudam apresentam os piores índices de escolaridade, com menos perspectiva de ascensão social.
“Ou seja, essas mulheres têm chances muito pequenas de chegar à universidade. Se conseguirem completar um supletivo, passar pelo vestibular e ter acesso às cotas, enfrentarão o problema de onde deixar seus filhos”, avalia Andressa.
Além disso, existe uma sobreposição de desigualdades, agravado pelo recorte territorial e de cor. “As mulheres da classe média, brancas, tendem a ter filhos mais tarde, pois tem como prioridade a ascensão na carreira. Para as mulheres de classes sociais mais baixas que têm filhos e que não podem pagar uma babá, por exemplo, como fica?”, questiona a advogada.
Para Fernanda Vicente, mãe e fundadora do coletivo Mães na Universidade, a sociedade romantiza a maternidade.
“Depois que nasce o bebê, não há políticas públicas ou espaços de acolhimentos para as mulheres”
O grupo conta com voluntárias e envolve todo o tipo de apoio como carona solidária, suporte psicológico, ajuda para cuidar de uma criança e até formatação de um trabalho da faculdade.
“Uma mãe que não consegue concluir a escola ou a universidade acaba sendo segregada de importantes espaços sociais e tendo alguns direitos negados”, afirma. Ela reforça ainda que é essencial debater o espaço das mulheres negras, quilombolas, ribeirinhas, sem-teto, indígenas ou com algum tipo de deficiência.
A plataforma Cientista que Virou Mãe é espaço em que mulheres escrevem sobre sua experiências, demandas e são remuneradas por meio do financiamento de leitores.
Em 2014, nasceu o Coletivo de Pais e Mães da UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro), logo após a notícia da possível expulsão de mães universitárias dos alojamentos. Desde então, o coletivo reivindica o direito à permanência estudantil para discentes pais e mães na universidade. Graças à articulação do coletivo, hoje as mães podem continuar nos alojamentos.
“O perfil cada vez mais frequente de mulher, universitária e mãe na UFRRJ demanda uma construção de política de permanência estudantil para permitir o acesso pleno ao ensino. Infelizmente, muitas mães ‘ruralinas’ não encontram o suporte necessário para continuar na universidade”, aponta a estudante Graziele Balieiro, integrante do grupo.
Uma das estratégias criadas pelo coletivo é o revezamento dos cuidados das crianças que não estão na creche municipal para que as mães universitárias possam assistir às aulas sem precisar levar seus filhos.
Foi olhando para todas essas questões que surgiu o projeto fotográfico “Mães ruralinas: a luta pela permanência na universidade, criado por Graziele e pelo fotógrafo Tuyuka Lara, com a finalidade de apresentar à comunidade acadêmica a rotina diária de luta dessas mulheres na UFRJ.
“É de extrema importância que sejam criadas políticas públicas específicas para que essas mulheres possam ter acesso à educação, seja a universitária que engravidou ou a mãe que ainda não teve a oportunidade de iniciar uma graduação. A construção de assistência estudantil e de creche universitária evitaria a evasão escolar e ampliaria o acesso ao ensino superior”, defende a estudante.
*A estudante preferiu não ter o nome revelado para preservar sua convivência na universidade.
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A Lei 6.202, de 1975, regulamenta o regime domiciliar para estudantes, garantindo um afastamento de três meses, a partir do oitavo mês de gravidez. O período de afastamento, no entanto, é determinado por atestado médico apresentado à direção da escola. A licença-maternidade também não garante, por exemplo, abono de faltas.