“Conseguimos abrir as portas desse direito para nós e outras famílias. Foi uma luta política"
O primeiro casal de mulheres no Brasil a conseguir registrar duas mães nas certidões de nascimento das filhas
Priscila Harder e Juliana Offenbecker se casaram em 1997 e em 2011 tiveram duas filhas por inseminação artificial, as gêmeas Luna e Maya. Depois do nascimento, chegando ao cartório para fazer o registro das pequenas, as duas se atentaram que a Justiça não aceitava que as meninas tivessem duas mães e nenhum pai. A partir daí, iniciou-se uma batalha de que só terminou em 12 de julho de 2012, quando Priscila e Juliana se tornaram o primeiro casal de mulheres no Brasil a conseguir registrar duas mães nas certidões de nascimento das filhas. Normalmente, nesses casos, só teria o nome da mãe que gerou as crianças.
“Conseguimos abrir as portas desse direito para nós e outras famílias. Foi uma luta política, pela verdade dos fatos e por nossos direitos. Somos muito gratas, especialmente a nossa advogada, que nos deu força e sempre acreditou no nosso direito”.
O Lunetas perguntou para o casal: o que vocês diriam para uma família que está passando por este mesmo processo, em busca de colocar duas mães ou pais em uma certidão de nascimento? Quais caminhos legais devem procurar? Elas responderam: “Primeiro tenham fé e não desistam de seus sonhos e de seus direitos como família. Segundo busquem um advogado que realmente acredite na causa e esteja junto com vocês não somente pelo trabalho, mas por amor a esta causa – posso garantir que isso faz muita diferença”.
A mãe Priscila Harder .
Pelo menos 14 milhões de crianças, em todo o mundo, convivem com um dos pais homossexual – somente nos Estados Unidos são pelo menos dois milhões de crianças. No Brasil, onde mais de 60 mil casais homossexuais vivem em união estável (reconhecida perante a lei apenas em 2015), a história é mais recente. Por isso, ainda existe em nossa cultura uma série de mitos acerca dessas novas dinâmicas familiares e que precisam ser combatidos.
Qualquer que seja as normas vigente nos países ainda há quem considere errado uma criança ser educada por um pai ou mãe homossexual. E as consequências desse tipo de homofobia não recaem somente sobre o adulto, mas também sobre a criança que pode vivenciar situações de discriminação no seu dia a dia.
“O desenvolvimento da criança não depende do tipo de família, mas do vínculo que esses pais e mães vão estabelecer entre eles e a criança. Afeto, carinho, regras: essas coisas são mais importantes para uma criança crescer saudável do que a orientação sexual dos pais”, diz Mariana Farias, psicóloga e autora do livro “Adoção por Homossexuais – A Família Homoparental Sob o Olhar da Psicologia Jurídica”. “Não existe diferença entre nós e as outras famílias, pois cada família tem sua configuração específica, tem suas questões, suas alegrias e suas lutas. Somos iguais porque somos diferentes”, reafirmam. “Todos que convivem com a gente com o tempo percebem isso e deixam de questionar coisas insignificantes, e muitas vezes até esquecem que somos uma família homoafetiva, pois isso, na relação realmente não importa”.
A mãe Juliana Offenbecker.
A maternidade pode ser período de grandes descobertas, mas também de batalhas. Ela provoca uma desconstrução do eu conhecido até então. A identidade da mulher está em processo de reconstrução com a chegado do filho. Passar por tudo isso, pode não ser nada fácil para as mulheres. “Cada mulher lida com a maternidade de forma diferente, no nosso caso conversamos muito e tentamos sempre fazer o que combinamos, as vezes entramos em conflitos e depois conversávamos para resolver as questões. Nossa família foi formada com muito amor e respeito. Assim seguimos nos fortalecendo cada dia mais”.
Se a sociedade já julga e cobra as mães heterossexuais, seria diferente com as mães homossexuais? Priscila e Juliana dizem que não, mas não se deixam abater. “Quem nunca foi julgado por algo? Tudo mundo já enfrentou em algum momento na vida uma situação de preconceito ou julgamento. Pode ter passado por isso por sua escolha religiosa, por ser ateu, por usar óculos, não saber praticar algum esporte, ser baixo ou alto, gordo ou magro, pela cor de pele ou pela maneira de falar”.
Infelizmente vivemos num mundo que os outros se sentem no direito de interferir na felicidade do outro, e não respeitar a diversidade. Nós tentamos transformar o mundo num lugar melhor, também erramos muito, mas estamos dispostas a crescer, rever e aprender.
As gêmeas Luna e Maya.