O ano é 2018, mas a reflexão é a mesma desde que o Brasil ganhou status de país: o racismo ainda intrincado nas relações interpessoais, no mercado de trabalho, nas composições sociais e nas estruturas de poder. Considerando a literatura como porta de entrada para a pluralidade do mundo, listamos aqui livros infantis para falar sobre racismo com as crianças. São histórias que discutem o preconceito na sociedade, mas também instigam a praticar um olhar sensível para a diversidade racial.
Afinal, uma infância livre de preconceitos não se faz só de livros que refletem o valor da cultura afrobrasileira e escancaram as situações de racismo, mas também daquelas histórias sobre as relações mais cotidianas. Essas que nos mostram com simplicidade como o mundo tem várias cores, e é preciso celebrá-las.
Para nossa sorte, a literatura infantil e juvenil está cheia de livros que cumprem bem este papel. São clássicos que atravessam os tempos, como “Menina bonita do laço de fita”, de Ana Maria Machado, ou o “O menino marrom”, de Ziraldo – ambos publicados nos anos 80, entre outros tantos. Aqui, listamos obras mais recentes, que mostram como a reflexão sobre o assunto continua urgente, dentro e fora das escolas.
Livros infantis para discutir sobre o racismo
“Me passa o lápis cor de pele?”. É essa pergunta que move o livro de Alexandre Rampazo, lançado em 2016. Mas afinal, “cor de pele é uma só?”, questiona a personagem. Ao colocar uma criança negra no centro dessa pergunta, o autor propõe uma reflexão sobre identidade, representatividade, empatia e consciência sobre a pluralidade. A história também chama a atenção para como o preconceito é socialmente construído. E, portanto, apreendido pelas crianças a partir da atitude dos adultos.
Tayó é uma menina negra que tem orgulho de sua cabeleira crespa, inventando as mais variadas formas de enfeitá-la. A personagem, criada pela escritora e pesquisadora Kiusam de Oliveira, é a protagonista do livro, que aprende a tomar parte de sua identidade ao responder aos colegas que rotulam seu cabelo de “ruim”. “Vocês estão com dor de cotovelo porque não podem carregar o mundo nos cabelos”, diz a pequena. A história é uma jornada pela autoconfiança, e ajuda meninas e meninos a se empoderar de seus cachos e valorizar sua beleza natural.
Neste livro-imagem, lançado em 2017, o artista gráfico e escritor Mauricio Negro parte de uma expressão perigosamente naturalizada na sociedade para definir uma pessoa negra: “gente de cor”. A sacada é mostrar como todo ser humano compartilha das emoções, medos e angústias. A cada virada de página, o leitor se depara com dois personagens: um tem a pele negra, o outro tem a pele de outra cor. Lado a lado, eles vivem momentos de fome, frio, calor, raiva, ou alegria.
O líder quilombola Zumbi dos Palmares se eternizou na História como um símbolo da resistência negra. Mas como ele aparece no imaginário social do brasileiro? Como as crianças o veem? Que outros símbolos habitam a discussão sobre raça no universo da infância? Buscando sensibilizar as crianças sobre questões de raça, de classe e também sobre a ancestralidade, o escritor e historiador Allan da Rosa traz um olhar sobre a cultura afrobrasileira pela perspectiva de uma criança. No livro “Zumbi, assombra quem?“, o menino Candê está muito curioso sobre a africanidade que traz na pele e na alma, e faz uma série de descobertas sobre a cultura negra.
Este livro traz aos leitores uma reflexão sobre a branquitude e o racismo estrutural. Na história, Alvo e Ebony se encontram e trilham juntos uma jornada de autoconhecimento – e também de reconhecimento do outro. Enquanto Alvo está sempre com um assunto diferente na cabeça, Ebony tem a agenda cheia e está prestes a iniciar o ano letivo em uma nova escola. A partir desse encontro, as personagens compreendem que o mundo é muito mais diverso do que imaginam.
O premiado livro dos autores belgas Ed Franck (texto) e Kris Nauwelaerts (ilustrações) é um exemplo de como o preconceito aparece nas relações sociais e é reproduzida pelos pequenos. Na história, o menino africano Kitoko foi adotado pela mãe, que é branca e está grávida. Em seus medos de criança, ele só consegue pensar se a nova irmã vai aceitá-lo por ser diferente dela. Angustiado enquanto acompanha a mãe no museu onde ela trabalha, ele adormece e sonha com a África, relembrando a história carregada de sofrimento de sua família de sangue. O livro propõe uma reflexão sobre o choque de culturas, a construção social do racismo, e como isso tudo impacta a percepção de mundo e de si de uma criança. Brincando com a questão da identidade e representação, no final do livro, há informações sobre uma série de pinturas que aparecem ao longo da história e passam quase desapercebidas pelo leitor, como Monet e Dalí.
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Por que falar (cada vez mais) sobre isso?
Conversar com as crianças sobre a questão negra no Brasil é tarefa complexa, mas fundamental. Ela passa também por discutir a violência que recai sobre essa população, principalmente porque afeta em cheio a infância de hoje. Segundo o IHA (Índice de Homicídios na Adolescência) pesquisa do Unicef em parceria com o Observatório de Favelas, o cenário aponta o homicídio massivo de jovens negros e pobres. De cada mil adolescentes brasileiros, pelo menos três serão assassinados antes de completar 19 anos, e negros são as maiores vítimas, com taxas 2,88 vezes mais elevadas.