Primeiro poema ilustrado de Nina Rizzi para a infância aborda a relação entre uma mãe encarcerada e seu filho
A partir da perspectiva da criança, “A melhor mãe do mundo”, primeiro livro infantil da poeta Nina Rizzi, retrata a relação mãe-filho a distância e abre espaço para falar sobre o tabu da maternidade encarcerada, sem estereótipos.
Como será a vida dos pássaros que vivem presos em gaiolas? Para narrar a relação entre uma criança e sua mãe que está numa penitenciária, a poeta Nina Rizzi e a ilustradora Veridiana Scarpelli elegem os pardais para representar a família protagonista do livro “A melhor mãe do mundo” e falar de maternidades múltiplas, longe de idealizações. “Como a Nina já disse muito bem: os pardais são os ‘Silvas’. E essa história é a história de muitos e muitas”, revela Veridiana.
A escolha por pássaros das mais variadas espécies, tamanhos e cores elimina estereótipos e abre espaço para a leitura a partir do afeto e das vivências de cada leitor. Quando a narrativa revela onde a mãe está vivendo, cores fortes cedem lugar ao cinza. Depois, a cor retorna para recordar situações passageiras da vida vivenciadas junto da mãe, que joga bola, solta pipa, costura roupas de boneca e ainda ajuda com as lições de matemática.
É justamente o olhar da criança o escolhido pela autora para contar sua primeira história voltada à infância em versos. Para ela, “as crianças, bem mais que muitos adultos, livres de tantos preconceitos, sabem que existem outros jeitos de brincar, de fazer, de amar, de ser mãe e, portanto, de ser filhas e filhos”, explica. O protagonista pouco se importa se os colegas discordam ou caçoam dele. Afinal, eles só não sabem que sua mãe é a melhor do mundo porque ainda não a conhecem.
Minha mãe é a melhor mãe do mundo! Quando eu digo isso assim, de supetão, todo mundo duvida, tiram onda comigo, entram em arenga…
“A melhor mãe do mundo”, de Nina Rizzi e Veridiana Scarpelli (Companhia das Letrinhas) Uma criança nos apresenta a sua mãe: ela joga bola, ajuda na lição de casa e está sempre pronta para ajudar quem precisa. Já cozinhou para a quebrada inteira e carregou por muitas vezes o mundo nas costas. Embora não esteja por perto, essa mãe se faz presente da melhor forma possível: com o amor que preenche cada detalhe dessa relação. Com cores fortes e traços marcantes, as ilustrações de Veridiana Scarpelli adicionam novas camadas de significado às palavras de Nina Rizzi. Um livro para nos lembrar que certas relações têm o raro poder de nos fazer manter a esperança, independentemente do que aconteça.
Como mãe e filho não podem estar juntos o tempo todo, os encontros acontecem de vez em quando, em dias de visita. Estes são os dias mais felizes da vida dos dois. O afeto entre eles é traduzido pelas comidas preferidas, preparadas por pai e filho, para que a mãe possa continuar feliz depois que o encontro acabar, e também por meio de conselhos e promessas de serem fortes para enfrentar essa situação passageira.
Diante de uma lista de “regras para ser a melhor mãe” que aumenta a cada dia, sendo muitas delas intransponíveis, essa história ganha densidade e desfaz o estereótipo da mãe ideal, aquela que não erra e sempre sabe o que fazer. Ao se dar conta do real motivo da distância entre mãe e filho, o leitor deixa o lugar sobre uma suposta maternidade perfeita e a narrativa abre espaço para conversas honestas sobre laços, amor, afeto, escolhas. Uma realidade que, para muitos – crianças e adultos –, pode ser inédita.
O olhar infantil, capaz de enxergar na sua mãe a melhor do mundo, com qualidades e imperfeições, nos lembra que, quando puderem estar juntos novamente, todos os dias serão como os de visita: um abraço após alçar voo.
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Maternidade encarcerada
Segundo o Depen (Departamento Penitenciário Nacional), há 42 mil mulheres encarceradas em todo o país. Apenas 14% das unidades de detenção possuem berçário, e a estrutura limitada das prisões prejudica ou inviabiliza às detentas o cuidado adequado com seus bebês, embora os direitos de acompanhamento pré e pós-natal, amamentação e convivência com os filhos sejam garantidos pela Constituição Federal de 1988 e pelo ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente). Segundo dados de 2021, do Departamento Penitenciário Nacional, das mulheres mães encarceradas, 24% têm filhos de até três anos, período considerado crucial para o desenvolvimento infantil. Já o relatório “Mulheres em prisão”, do Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, mostra que o perfil das brasileiras presas é parecido: metade delas tem poucos anos de estudo e é jovem; 57% são solteiras e 68% são negras. A maior parte é mãe e cumpre pena em regime fechado. O direito de prisão domiciliar em substituição à preventiva, no caso de gestação ou filhos menores de 12 anos, em raríssimas vezes é atendido. Em geral, as mães são as principais responsáveis pelos filhos, pela renda da família e a prisão põe em risco a estrutura familiar, podendo prejudicar a relação mãe-filho.