Jornalismo infantil: a melhor maneira de falar com as crianças é ouvindo-as

Os temas que as crianças procuram são bastante diversificados e elas não reclamam se encontram 'notícias de adultos'

Mayara Penina Publicado em 11.04.2016

Resumo

Conheça o trabalho de pesquisa sobre jornalismo infantil da jornalista Juliana Doretto na hora de escolher qual veículo seu filho vai ler.

As histórias para crianças devem ser escritas com palavras muito simples, porque as crianças, sendo pequenas, sabem poucas palavras e não gostam de usá-las complicadas. Quem me dera saber escrever essas histórias, mas nunca fui capaz de aprender e tenho pena. Além de ser preciso escolher as palavras, faz falta um certo jeito de contar…”.
José Saramago em “A flor do mundo”

Assim é a abertura da dissertação mestrado da jornalista Juliana Doretto, que resolveu seguir um caminho diferente do tradicional na área do jornalismo. Ela dedicou sua carreira para estudar como são feitas as produções de notícias para crianças nos veículos de comunicação e como os pequenos são representados.

Em seus estudos, Juliana evidenciou um cenário importante para nós, pais e cuidadores, enquanto mediadores das crianças no processo de formação para a leitura. Este hábito determinará uma percepção de mundo da criança, tornando-a um adulto mais crítico e capaz de compreender o funcionamento da sociedade e seu papel como cidadão.

Comunicação e direitos
O direito da criança de acesso às mídias e participação no debate público também está assegurado na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), em 1989, e assinada pelo Brasil, em 1990.

No livro “Pequeno Leitor de Papel”, está o resultado das análises  dos suplementos do jornal Folha de S. Paulo e O Estado de S. Paulo, Folhinha e Estadinho, voltados para crianças. A investigação constatou que as redações não conseguem entrevistar, de modo igualitário, crianças de todas as faixas etárias que desejam atingir.

Além disso, ela constatou a concentração de temas (com quase ausência da tradução do noticiário adulto para as crianças), “o uso abusivo de textos imperativos e a repetição de referências à cidade de São Paulo, ainda que a circulação dos dois cadernos seja ao menos estadual”.  “Naquele ano [de pesquisa] falava-se muito para o público leitor, ou seja, o leitor de São Paulo, mas seria importante que se apresentasse outras realidades, outras infâncias, de outros estados”, evidencia Juliana.

Os temas que as crianças procuram são bastante diversificados e elas não reclamam se encontram ‘notícias de adultos’. Reclamam mesmo é do modo como a jornalista fala das ‘noticias tristes’, mas isso não significa que elas  queiram deixar de saber, é só ser dito de maneira não sensacionalista.
Julianna Doretto

O “Estadinho” quer falar para as crianças, mas não as ouviu sempre: “56% das matérias de capa analisadas não entrevistaram meninos e meninas”. Em outra conclusão, há o predomínio de crianças brancas nas fotografias de entrevistados.

Experiências

Comunicação e direitos
A 10ª edição de A Mídia dos Jovens – realizada pela Rede Andi e pelo Instituto Ayrton Senna, traz uma análise quanti-qualitativa do noticiário produzido exclusivamente para os leitores jovens ao longo do ano de 2001. O objetivo é colaborar com a imprensa para a qualificação da cobertura jornalística, em nome da promoção e defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes, à procura de caminhos que fomentem o desenvolvimento humano.

Infelizmente, atualmente não existem veículos na televisão aberta que produzam notícias para as crianças. Recentemente a Revista Recreio lançou um suplemento direcionado especialmente para as meninas. Em uma das edições, a capa que trazia uma chamada para o teste “você é louca por compras?”. A escolha da temática foi bastante comentada nas redes sociais e acusada de reforçar estereótipos de gênero.  Juliana Doretto comentou sobre o caso em seu blog. Veja aqui.

Outras boas práticas no mundo merecem ser citadas. Na França, existem quatro publicações que traduzem e tratam as notícias para crianças e adolescentes . O tablóide semanal Le Journal des Enfants tem tiragem de 70 mil exemplares para crianças de nove a 14 anos e serve de suporte pedagógico para 13 mil escolas. Em 1995, foi lançado o Mon Quotidien, primeiro diário infantil na Europa – destinado às crianças de nove a 14 anos. O sucesso foi tanto que, três anos depois, surgiu mais um diário para crianças: o Le Petit Quotidien, para leitores de seis a nove anos. A pauta nesses jornais é quase a mesma dos jornais adultos: atualidades nacionais e internacionais, centrados em cultura, esportes e ciências. A diferença está no estilo do texto: simples e direto, de fácil compreensão.

Já no Brasil, o “Joca” é o jornal mais representativo desse segmento. Voltado para leitores de sete a 14 anos, a publicação produz reportagens, entrevistas, matérias, curiosidades e entretenimento “usando uma linguagem apropriada para a faixa etária, sem ser infantilizada”, diz o jornal.

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